O ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, afirmou que o Brasil não pretende romper as relações diplomáticas com a Venezuela, como feito pelo governo de Jair Bolsonaro (2019-2022), em meio ao que identificou como uma falta de solução para o processo eleitoral no país vizinho.
Em entrevista à CNN Brasil, Vieira abordou o suposto impasse político após Nicolás Maduro ser reeleito nas eleições presidenciais em julho, enquanto a oposição de extrema direita alega fraude, e garantiu que Brasília não procura o “recrudescimento ou rompimento” da diplomacia com Caracas.
“Não creio que seja adequado o recrudescimento ou o rompimento de relações diplomáticas com um vizinho grande, da importância que é a Venezuela, como aconteceu no governo passado, em que fechamos a embaixada, os três consulados e os 20 e poucos mil brasileiros que residem lá ficaram abandonados. O presidente Lula me instruiu logo no primeiro ou segundo dia do seu governo, a reabrir a embaixada, e assim nós fizemos. Vamos continuar, então, portanto, conversando e contribuindo para um consenso nacional dentro da Venezuela”, declarou o chanceler.
Apesar de rechaçar o fim da diplomacia, Vieira sugeriu que o governo brasileiro incentive “um consenso social e político dentro da Venezuela” ao mencionar que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e seus homólogos da Colômbia e México, Gustavo Petro e López Obrador, respectivamente, têm se posicionado como mediadores para uma solução negociada entre o governo Maduro e a oposição.
Vieira sugeriu ainda que uma saída para a crise política venezuelana poderia ser inspirada no modelo do “Grupo de Amigos da Venezuela”, criado em 2003 por sugestão do Brasil, cujo objetivo era promover um diálogo inclusivo entre o governo e a oposição na época.
“Temos que pensar em algo do gênero, em que esteja presente o governo, a oposição, todos que se possam conversar e saber o que cada um quer, o que cada um espera, o que cada um pode fazer”, defendeu o chanceler, reiterando a necessidade de uma solução que envolva todas as partes interessadas.
Mencionando o asilo político concedido pela Espanha ao principal candidato opositor a Maduro nas eleições presidenciais, Edmundo González, Vieira declarou “não saber por que motivos e se houve pressão ou não” para sua saída de Caracas, afirmando que “há um certo clima de perplexidade internacional sobre isso”.
“Eu sei que o candidato saiu, está exilado. O governo venezuelano deve ter concordado, porque senão ele não poderia ter saído num avião da Força Aérea de um terceiro país”, afirmou.
Quando González deixou a Venezuela, em setembro passado, o governo Maduro, por meio da vice-presidente do país, Delcy Rodríguez, informou que Caracs manteve “contatos pertinentes” com a Espanha e “após as diligências necessárias e em conformidade com o direito internacional, a Venezuela concedeu “os salvo-condutos necessários” para o asilo de González com o objetivo de manter “a paz e a tranquilidade política” em Caracas.
González Urrutia, de 75 anos, tinha um mandado de prisão pendente na Venezuela por vários crimes, incluindo “incitamento à desobediência” e “conspiração”, ligados aos protestos ocorridos após as eleições presidenciais e à publicação de atas eleitorais falsas, após acusar fraude no pleito de 28 de julho e não respeitar a reeleição de Maduro, com 51,2%, segundo o Conselho Nacional Eleitoral (CNE).
Histórico das relações Brasil e Venezuela
As relações diplomáticas entre Brasil e Venezuela foram interrompidas em 2019, quando Bolsonaro decidiu reconhecer o líder opositor Juan Guaidó como “presidente interino” do país. Com a volta de Lula ao Palácio do Planalto em 2023, houve a reabertura da embaixada brasileira e a retomada dos laços diplomáticos, marcando uma mudança na política externa em relação ao país vizinho.
O reconhecimento de Guaidó por Bolsonaro na época foi classificado como “infantil” pelo atual chefe das relações exteriores brasileiras. Segundo ele, a medida foi ineficaz e sem resultados concretos.
“[Foi] uma coisa quase infantil reconhecer outra pessoa, uma outra entidade física como presidente da República sem ter um voto popular, que não tinha, foi eleito indiretamente por uma assembleia e que não levou a nada. Só levou ao recrudescimento da situação e só levou justamente à suspensão das relações diplomáticas”, criticou.
Lula ‘agente da CIA’
Apesar das declarações diplomáticas de Vieira, o procurador-geral da Venezuela, Tarek William Saab, acusou Lula de ser um “agente da CIA”, o serviço de inteligência dos Estados Unidos, ao lado do presidente chileno Gabriel Boric.
Na declaração, que foi dada durante o programa “Análise Situacional”, do canal venezuelano Globovísion, Saab criticou principalmente o mandatário brasileiro, sugerindo que Lula mudou sua postura após ser libertado da prisão em 2019.
“Ele não é mais a mesma pessoa que saiu da prisão, nem na aparência, nem na maneira de se expressar”, afirmou o procurador-geral.
Quanto ao presidente chileno, o representante do governo de Nicolás Maduro disse que Boric “traiu a juventude mártir que lutou contra [Sebastián] Piñera”, referindo-se aos protestos sociais no Chile contra o líder conservador.
(*) Com Ansa e Brasil247