A empresa norte-americana de cibersegurança Netscout apontou que a instabilidade no sistema eleitoral venezuelano após as eleições presidenciais de 28 de julho ocorreu por conta de um aumento no tráfego dentro da rede de internet do país. Ou seja, ataques DDoS, os chamados Ataques de Negação de Serviço, que conseguiram prejudicar o ciberespaço do Conselho Nacional Eleitoral (CNE).
A Netscout publicou um relatório, no último dia 31 de julho, sobre o ambiente digital da Venezuela durante as eleições. A pesquisa foi realizada com o objetivo de explicar o “ataque massivo”, como identificou Nicolás Maduro, sobre a interrupção do sistema do órgão eleitoral na internet após o encerramento das urnas na Venezuela.
Do ponto de vista técnico, a empresa norte-americana avaliou as diferenças entre uploads e downloads, que é o quanto foi colocado e retirado das redes no espaço digital venezuelano. Assim, apontou para um “aumento do volume de tráfego de internet fluindo para a Venezuela a partir de 29 de julho”.
Com isso, a publicação mostrou os padrões de tráfego de internet dos últimos 10 dias que antecederam o pleito. “Em 29 de julho, um dia após a eleição, o tráfego aumentou em volume – 109 Gbps adicionais de tráfego de entrada representando um aumento de 16% em comparação ao dia anterior”, revelaram os pesquisadores.
Por conta desse aumento no tráfego, a empresa examinou os ataques DDoS em todo o país, destacando que nos últimos dois anos, foi possível observar o mesmo padrão de ações “como uma forma de protesto ou ativismo político no espaço digital”.
“Fiéis às tendências atuais, observamos um aumento de 10 vezes nos ataques DDoS em 29 de julho. O pico nos ataques DDoS é pelo menos parcialmente responsável pelo aumento geral do tráfego visto anteriormente”, afirmou a Netscout.
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Para o historiador e doutor em Relações Internacionais Fernando Horta, o registro indica um plano da extrema direita opositora para “desestabilizar o poder nacional eleitoral da Venezuela”. A Opera Mundi, o também especialista em transformações políticas na Era Digital, explicou ponto a ponto do documento, que contém gráficos analíticos e comparativos.
“Há um tráfego não usual a partir do encerramento das eleições em 28 de julho. É possível ver isso porque normalmente as redes seguem padrões históricos de utilização, especialmente se os países não são produtores de dados ou se não têm grandes servidores mundiais referenciados dentro do seu território”, explicou o professor sobre o aumento do volume de tráfego da internet na Venezuela a partir de 29 de julho.
Essa diferença de uso no espaço digital em direção à Venezuela é o primeiro ponto que a empresa e Horta destacam para se avaliar o que aconteceu no site do CNE, impossibilitando a entrega das atas – documentos detalhados sobre a votação em cada urna e ponto central da discussão internacional sobre a veracidade do resultado positivo a Maduro.
Sobrecarga no site do CNE e atraso das atas
Segundo Horta, essas investidas digitais podem ser consideradas a forma mais comum de ataques cibernéticos e funcionam com base na sobrecarga de um site com excesso de informação direcionada a ele: “se um site tem a capacidade de responder um milhão de perguntas por segundo, e você fizer um ataque em que ele tenha que responder um milhão e mais uma pergunta, ele cai”.
“O ataque de DDoS sobrecarrega as portas de entradas dos sites fazendo com que as conexões se tornem instáveis. O site não consegue manejar isso, e sai de serviço, de forma que mesmo que você esteja em uma conexão segura, não consegue enviar mais informações para ele”, disse Horta.
O professor também pontuou sobre a complexidade dos ataques de DDoS direcionados ao sistema do CNE venezuelano. Segundo ele, para realizar esses ataques, foi necessário “conhecimento bastante aprofundado” sobre os métodos de defesa e segurança da Venezuela.
“A Netscout aponta que esses ataques não podem ter sido feitos simplesmente por um grupo de hackers infantis ou juvenis, mas sim por pessoas que já tinham conhecimento sobre isso, podendo ser pessoas lá dentro ou não. O que eles estão sinalizando é que houve uma coordenação internacional para isso”, afirmou.
Para ele, os DDoS direcionados ao site do órgão eleitoral tinham como objetivo “fazer com que ele não tivesse condições de receber todas as atas digitalizadas da eleição para ganhar tempo” enquanto a extrema direita prosseguia com outras frentes de ação para desestabilizar o governo Maduro.
“Muito provavelmente eles [responsáveis pelos ataques] não conseguiram acessar os bancos de dados, mas fizeram o site cair. Com isso, as atas não puderam ser entregues. E, ao mesmo tempo, a extrema direita acusava a demora de suas entregas”, delineou o professor sobre o plano da oposição liderada por Edmundo González e María Corina Machado, da Plataforma Unitária.
Horta ainda apontou que os ataques que levaram ao atraso da entrega das atas e sua consequente denúncia pela extrema direita foi “coordenado e cronometrado” para que as posteriores atas publicadas pela oposição fossem consideradas válidas pela população e demais países.
Oposição insiste em vitória por 70%
A Opera Mundi, o professor explica que as consequências desses ataques cibernéticos não se limitam ao dia eleitoral e resultado que indicou Maduro como presidente reeleito da Venezuela, mas se estende também aos protestos violentos de apoiadores da oposição desde que o CNE fez o anúncio.
Após ataques massivos que travaram o sistema eleitoral e uma suposta boca de urna favorável a González, a última ação da extrema direita foi a publicação de um banco de dados falso com apenas 30% das atas eleitorais, parte dos documentos que estavam sob tutela da coalizão de Corina Machado.
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“Nessa situação, os outros 70% não existiam, e esse banco de dados da Maria Corina tinha atas fraudadas de todos os jeitos, com assinaturas idênticas e nomes errados. E esse banco de dados também afirma que o González ganhou de 70% a 30%”, afirma.
Relacionando os ataques cibernéticos com os protestos oposicionistas, Horta afirmou que essa “ação organizada” visava um golpe de Estado na Venezuela, mas “precisava de uma fagulha”: “foi tudo intercalado, organizado e planejado para esse ataque na Venezuela. Foi um processo de ataque ao poder em Caracas para tentar retirar a legitimidade do CNE, proclamar um novo presidente, que, quando reconhecido pelos Estados Unidos, teria dado a condição de um um banho de sangue na Venezuela e o regime chavista não se recuperaria disso”, concluiu.