Nos últimos anos, as eleições norte-americanas vem sendo decididas por poucos milhares de votos em alguns estados decisivos. Assim, nem a democrata Kamala Harris nem o republicano Donald Trump podem abrir mão dos cerca de 103 mil eleitores brasileiros com dupla cidadania, em uma comunidade estimada em mais de 2 milhões de brasileiros nos EUA. Nesse grupo, a democrata lidera, segundo pesquisas, embora os republicanos tenham ganhado mais espaço ao longo dos anos.
“A maioria dos brasileiros com poder de voto nos EUA ainda é democrata, mas a cada eleição vemos um aumento do número de eleitores republicanos”, afirma Mauricio Moura, fundador do Ideia, instituto de pesquisa que desde 2016 analisa a intenção de voto de brasileiros com dupla cidadania nos EUA.
Segundo pesquisa do Idea realizada entre 6 e 12 de outubro com 802 brasileiros, 60% deles disseram que votariam em Harris, contra 35% em Trump. Outros 2% escolheram outros candidatos, e 3% se indicaram como indecisos.
“Nos três ciclos eleitorais, Trump avançou no percentual de brasileiros dizendo que iam votar nele. Desde 2016 ele praticamente dobrou sua intenção nesse grupo. O segundo ponto da pesquisa é a sensação desse grupo: em 2016 os brasileiros disseram que ele ia ganhar, em 2020 apontaram Biden como vencedor, e agora indicam que Kamala será eleita”, afirma Moura.
Essa volatilidade do voto brasileiro é, em geral, vista também em outras comunidades de imigrantes. Nestas eleições em que cada voto conta, Harris e Trump, cada vez mais, buscam estratégias específicas para determinados grupos sociais. No entanto, não há uma estratégia voltada para os eleitores brasileiros com dupla cidadania, pois eles estão principalmente em Massachusetts, Nova York/Nova Jersey e na Flórida – estados que não tendem a ser decisivos.
Avanço do conservadorismo
Mas o que tem levado mais brasileiros a se inclinarem a favor dos republicanos? Embora Moura veja a visão mais receptiva dos imigrantes como uma força eleitoral dos democratas entre os brasileiros, o discurso de Trump contra os “ilegais” ganha força entre quem tem dupla cidadania, ou seja, está legalmente nos EUA.
“Eu vivo aqui há 34 anos e eu não vim como muitos, talvez a maioria, que vêm como turista ou vêm pelo México, infringindo a lei, que é como entrar na sua casa como ladrão”, declarou Sandra, morada de Newark, em Nova Jersey, desde 1990,e que preferiu não divulgar seu nome completo.
Ela diz ter sentido uma piora no cenário de imigração nos últimos quatro anos e, em sua opinião, foi graças a Trump que os chamados indocumentados conseguiram tirar carteira de motorista em Nova Jersey e Nova York, porque a medida foi uma reação de governadores democratas ao republicano quando ele presidiu os EUA.
Vivendo no país há 27 anos e hoje trabalhando em uma instituição que dá suporte a imigrantes em Massachusetts, Lidia Souza confirma o avanço do conservadorismo entre os eleitores brasileiros. Ela diz que é preciso aprofundar a análise para compreender por que “depois que passam a ter documento, imigrantes passam a ser republicanos ferrenhos”.
Muitas vezes, a insatisfação com os últimos quatro anos de governo também dá o tom nas escolhas. Souza conta que o filho mais novo, que votará pela primeira vez nestas eleições, chegou a dizer que pensava em optar por Trump. Ela avalia que os mais novos são gerações mais integradas aos americanos e que isso acaba impactando nessa escolha, fazendo com que deixem de lado a reflexão sobre a origem da família. Ela conversou com o filho, lembrando que a casa era toda azul – cor dos democratas.
“Estou falando de um menino de 18 anos que está votando pela primeira vez. Cheguei para ele e falei: ‘Qual é a tua origem? Você é o quê? Você nasceu aqui? Sim, mas os seus pais, a sua família, são de onde? Você acha que os imigrantes são tudo isso que ele [Trump] acaba de falar na televisão?'”, conta ela, que afirma que, ao final, o filho acabou declarando voto na democrata.
Imigração como instrumento político
O paulista Ludo Gardini, advogado, que chegou aos EUA em 2004 acredita que ao longo desses 20 anos a polarização política aumentou no país e que a imigração já há alguns anos virou um instrumento político tanto para o Partido Republicano quanto para o Democrata.
“Acho que está todo mundo insatisfeito com o problema de imigração nos EUA e com a maneira como o governo está lidando com isso”, relata ele, que vive em Massachusetts.
Gardini disse que decidiu votar em Harris depois de assistir ao debate entre os candidatos e ver Trump com a narrativa “contra imigrantes, que a gente é criminosa, traficante, uma maldição para esse país”. Na avaliação dele, esse discurso de “raiva e ódio” contra os imigrantes é muito perigoso e coloca todos em risco.
A ex-atleta de heptatlon Ester Sanches, que vive em Connecticut desde o final dos anos 1980, quando chegou ao país para treinar, e que tem uma atuação forte junto à comunidade brasileira, se declara independente. Mas ela, que ajudou a fundar as duas Casas da Mulher Brasileira nos EUA para o combate à violência de gênero, não exita em afirmar seu voto.
“A minha escolha é pela democrata Kamala Harris”, disse ela, afirmando que a candidata tem ideias mais alinhadas às suas em relação a imigração, e defendendo uma maior participação brasileira na política nos EUA para melhorar a percepção das pautas da comunidade.
Cenário dividido
Com a agenda conservadora em expansão, a comunidade brasileira nos EUA também se junta a movimentos contrários a temas cruciais nestas eleições, como o direito ao aborto. E as igrejas frequentadas por brasileiros reforçam este tema na comunidade.
Josimar Salum, pastor que vive em Massachusetts desde 1991, diz que sempre foi conservador e sempre votou em Trump, por considerar que sua agenda fala a muitos brasileiros contrários ao direito ao aborto. Mas, de acordo com Salum, há uma diferença nestas eleições: “Agora as pessoas parecem estar mais silenciosas”, analisa.
Há 39 anos nos Estados Unidos, 32 deles como residente da Flórida, Leidmar Lopes se declara eleitor de Trump. Segundo o coordenador da Brazilian American Coalition (BRAUSA), entidade que dá apoio a brasileiros, tradicionalmente o imigrante vindo do Brasil que se estabeleceu na Flórida é de perfil mais conservador, e isso tem aumentado nos últimos anos. “As pautas democratas são extremamente liberais e não correspondem à postura mais conservadora brasileira”, diz Lopes.
Já uma brasileira que está há 25 anos nos Estados Unidos, 12 deles na Flórida, onde é voluntária para os democratas e que pediu para não se identificar, não acredita que esse aumento da preferência pelo republicano seja por valores, mas sim porque o eleitor brasileiro põe os interesses pessoais em primeiro lugar.
“É uma visão elitista, de defesa do interesse próprio. A eles não interessa quantas mulheres morrem por dia por falta de acesso à saúde, que livros de grandes autores mundialmente conhecidos são proibidos na Flórida, porque são autores que defendem causas como os temas LGBTQIA+”, afirma ela, que classifica os brasileiros eleitores de Trump como equivocados. “Trump vive falando que a América é para americanos. Brasileiro que vota em Trump deveria ter vergonha na cara”, diz.
Voto pensando nos EUA
Pedro Neves seria um dos poucos brasileiros votantes em que as duas campanhas estão de olho, por estar em um dos estados-pêndulo (swing states). Eleitor da decisiva Pensilvânia, o recém-formado em Ciência da Computação em uma universidade da região de Pittsburgh, conta que votou pela primeira vez em 2016 e desde então sempre vota nos candidatos do Partido Democrata.
Neves diz que, num primeiro momento – quando Joe Biden era o candidato –, acreditava que a vitória seria de Trump, mas que Harris trouxe os democratas de volta para o jogo. “Depois que eles [democratas] mudaram para Kamala e escolheram o Tim Waltz como vice, o clima mudou. Muita gente gosta dele, talvez ainda mais do que da Kamala, e acho que isso impactou”, afirma.
Neves vê um cenário dividido entre os imigrantes do Brasil: “Tem uns que são completamente democratas, e outros que são completamente republicanos, até mais que os americanos, muito pelas bandeiras que o Trump tem, anti-imigração, anti-várias coisas. Muitos nem são republicanos, são apenas pró-Trump. É curioso”, aponta.
Algo comum citado pelos entrevistados, incluindo líderes comunitários e o pesquisador Mauricio Moura, é o fato de que a comunidade brasileira vota pensando nos EUA, e não na relação do país com o Brasil. A preocupação com a terra natal, ou seja, se Harris ou Trump podem ser melhores ou piores para o Brasil, não costuma pesar na escolha, mas sim os desejos e valores pessoais.