A cinco dias para a eleição presidencial nos Estados Unidos, em um comício em Nova Iorque, o candidato republicano Donald Trump escalou seu discurso anti-migratório e xenófobo ao declarar que, se eleito, vai impor pena de morte ao imigrante que cometer homicídio contra um cidadão do país – pena diferente para o nativo que cometer o mesmo crime.
Porém, apesar da crescente, e já conhecida, intolerância nos discursos de Trump, pela primeira vez a pesquisa Reuters/Ipsos registrou em 25 de outubro que o candidato republicano “quase apagou a vantagem de longa data dos democratas entre os homens hispânicos”, com 44% das intenções de voto, enquanto Kamala Harris, candidata do Partido Democrata, tem 46% entre essa faixa.
Na análise da pesquisadora sobre as relações entre a América Latina e os Estados Unidos da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (Unila), Renata Peixoto, essa crescente se dá pelo processo de retrocesso democrático mundial e, na perspectiva dos imigrantes já legalizados nos EUA, à insegurança de uma nova onda migratória que supostamente arrisque seus empregos.
A Opera Mundi, Peixoto aliou esses dois pontos à luz da “ascensão de forças políticas de extrema direita e de grupos conservadores que se tornaram viáveis eleitoralmente”.
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Questionada sobre o paradoxo que é o voto de descendentes de latinos em Trump, a doutora em Ciência Política pontua que o desempenho da administração democrata com o atual presidente Joe Biden para essa comunidade “não superou as frustrações do eleitorado com as condições de vida, com as oportunidades de emprego e de ascensão social”.
Na visão da especialista, o voto negro e latino em Trump reflete “rechaço e decepção contra a administração democrática que foi frágil e débil”. Se o fazem pela questão armamentista, por exemplo, é porque a sociedade norte-americana tem uma “obsessão militarista histórica”.
E, finalmente, se essa comunidade vota no republicano – apesar de seus discursos racistas e xenófobos – acreditam em sua fala baseado no medo de perderem seus trabalhos e condição de vida nos Estados Unidos.
“Quando aplaudem as medidas restritivas às migrações e a promessa de deportações em massa, o fazem por acreditar que imigrantes roubam seus postos de trabalho. Como esses postos são ocupados também por mulheres e pessoas negras, cria-se a ilusão da concorrência. Os próprios latinos já legalizados, em vias de, ou que estão há muitos anos no país, se sentem mais inseguros com uma grande onda migratória”, declarou.
De acordo com o censo norte-americano, há mais de 65 milhões de latinos vivendo nos EUA, o que corresponde a 20% da população. Em um cenário em que Trump recebe intenções de voto inclusive de grupos sociais aos quais rejeita em alto e bom tom, Opera Mundi perguntou a Peixoto sobre a probabilidade desse apoio alterar o resultado eleitoral em 5 de novembro.
“Como a eleição é indireta, o que é mais decisivo na eleição nos EUA são os estados que possuem mais delegados no Colégio Eleitoral e apresentam maior peso. Se tivermos muitos eleitores latinos inscritos para votar, e se votarem nos estados mais importantes, de acordo com a proporção dessa população naquele estado, podemos ter a maioria para um determinado candidato ou candidata e isso garante mais votos de delegados”, explicou ela sobre o sistema eleitoral norte-americano.
Contudo, não é mais possível “atribuir ao voto latino uma postura mais progressista, pois existem estados com grande população latina e postura mais conservadora”, analisa.
E como os Estados Unidos chegaram neste cenário?
A também coordenadora do Programa de Mestrado Integração Contemporânea na América Latina (PPG-ICAL) afirmou que nos EUA esse processo pôde ser observado na própria candidatura e posterior vitória de Trump em 2016. Segundo Peixoto, o ocorrido “demonstrou uma grave e importante ruptura” no país, que mantinha um “modelo clássico” da democracia combinada com o liberalismo econômico e evitava, até então, radicalismos políticos.
“Trump representa essa visão externa à política, carregada de preconceitos, simplificações da realidade, distorções, mas algo visto por grande parte do eleitorado como sendo mais próximo, mais fácil de se entender. A classe política, os partidos tradicionais, foram perdendo espaço, e figuras políticas como Trump ganham destaque e oportunidade”, analisa.
Além da disputa presidencial, o que mais está em jogo no dia 5 de novembro nos EUA?
Peixoto explicou o motivo que discursos extremistas como o do republicano encontram lugar em sociedades até então democráticas: cidadãos buscam “essencialismo, pureza, autenticidade e retorno às raízes como solução para as frustrações. Nisso, os alvos são as maiorias minorizadas, estrangeiros, refugiados, comunidade LGBTQIAPN+, pessoas racializadas e mulheres”.
Na visão de uma parcela alinhada ao discurso do republicano e outros políticos da extrema direita no mundo, “os avanços sociais e ganhos políticos dessas comunidades são vistos como ameaças”.
Mesmo que Trump seja o primeiro ex-presidente norte-americano a ser acusado criminalmente por fraude fiscal durante as eleições de 2016, o republicano “segue sendo uma importante referência para setores radicais, conservadores e uma ala do Partido Republicano menos comprometida com as regras do jogo democrático e a cultura democrática do país”.
Livre para disputar a Presidência mais uma vez, o empresário “corresponde aos anseios de uma parcela significativa do eleitorado, ao apresentar soluções sobre modernização da economia, culpabilização dos imigrantes” e resgate do que seria a “essência” do país em um projeto político: “América para os americanos, sendo este americano o homem médio, branco, cisgênero, heterossexual e tradicional”, examinou Peixoto sobre o jogo democrático dos EUA.
Dentre tantas declarações ameaçadoras contra a comunidade hispânica nos EUA, a professora aponta para um cenário preocupante para a imigração legal e segura no país: “seguramente, se Trump for eleito, vai dar continuidade ao que já vinha fazendo e pode apertar o cerco contra migrantes, por entender que este foi o recado nas urnas e que tem legitimidade para isso”.