O republicano Donald Trump voltará à Casa Branca em 20 de janeiro de 2025. Até o início de seu próximo mandato como presidente dos Estados Unidos, especialistas e a comunidade internacional aguardam com expectativa como será o governo do líder de extrema direita que venceu a eleição da última terça-feira (05/11) com discursos anti-imigratórios e promessas radicais quanto à economia norte-americana.
A Opera Mundi, a doutoranda em Sociologia Política pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) Rita Coitinho avalia que, no cenário diplomático dos Estados Unidos, o apoio a Israel e a desestabilização no Oriente Médio, com foco no Irã, devem continuar sendo prioridades. Ela prevê também que o país pode ter “uma atitude mais agressiva” em relação ao Iêmen – país do grupo de resistência Houthis, aliado ao Hamas na Faixa de Gaza.
Com relação à derrota eleitoral da adversária democrata Kamala Harris que, em posição de vice-presidente, foi conivente à continuidade do financiamento militar a Israel, Coitinho entende que houve influência da “fatia mais educada” do eleitorado e, também, de descendentes de imigrantes árabes. No entanto, destaca que a postura de Trump sobre o assunto não é diferente, uma vez que há cumplicidade com o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu, sobretudo quando se trata de interesses comerciais e o lucro bilionário obtido com a guerra em Gaza.
Segundo a pesquisadora, tensões entre os Estados Unidos e a Europa, em especial relacionadas ao financiamento da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) também são esperadas.
Na política interna norte-americana, Coitinho analisa que “uma maior intolerância com a imigração ilegal” pode ser esperada, lembrando que “no seu governo anterior houve um aumento significativo das detenções de imigrantes, inclusive levando à separação entre famílias”.
A entrevista de Opera Mundi com a socióloga também abordou as promessas econômicas do republicano, os erros e falhas da administração democrata com Joe Biden que levaram à derrota de Kamala Harris e as expectativas da relação dos Estados Unidos com o Sul Global.
Leia a entrevista na íntegra
Opera Mundi: O que podemos esperar do segundo mandato de Trump nos Estados Unidos?
Rita Coitinho: Sempre é possível ter surpresas e é importante aguardar a composição do governo. Mas algumas coisas podemos esperar a partir da experiência do governo anterior: 1) a permanência do apoio a Israel e uma aposta na desestabilização do Oriente Médio – com foco no Irã – a fim de garantir o controle do escoamento de petróleo. Também é possível uma atitude mais agressiva em relação ao Iêmen, e a busca pela recomposição dos laços preferenciais com a Arábia Saudita, apesar de não sabermos se os sauditas estão dispostos, dado sua aproximação com os países dos BRICS, em especial Rússia e China. 2) A manutenção do embargo a Cuba. 3) A criação de novas dificuldades para a implementação dos acordos climáticos. 4) Algum nível de dissenso com a Europa em relação ao financiamento da OTAN. 5) Uma maior intolerância com a imigração ilegal – lembremo-nos que no seu governo anterior houve um aumento significativo das detenções de imigrantes, inclusive levando à separação entre famílias.
Como você, como especialista, avalia o retorno de Trump à Casa Branca? Ademais, o mais recente presidente eleito é o republicano que mais recebeu votos populares em 20 anos, com 71.869,936 (51%), contra 67.025,868 de Kamala Haris (47,5%), tendo vencido tanto no Colégio Eleitoral quanto no voto direto. Por que os democratas não conseguiram conquistar o voto popular desta vez?
De um lado havia já uma expectativa pela vitória de Trump, dada a incapacidade do governo [de Joe] Biden de resolver os problemas mais candentes do povo norte-americano.
Os Estados Unidos lidam com uma taxa de desemprego baixa, equivalente a 4%, mas as pessoas estão muito mais pobres do que no passado. Há um desalento, uma grande parcela que está fora desse mercado de trabalho que é mensurado, trabalhando em condições precárias, “uberizadas”, como se diz, às vezes em mais de uma atividade ao mesmo tempo.
O custo de vida está muito alto e os salários muito baixos, a qualidade dos empregos deteriorada. Biden não foi capaz de dar uma resposta para isso. Os democratas não conseguiram entregar nenhuma melhora visível. Apesar de haver melhora em alguns indicadores se comparados com o tempo da pandemia, isso não foi revertido em uma melhora real da vida das pessoas.
Trump é um agitador, ele ganha a adesão das massas com promessas que muito provavelmente não poderão ser realizadas, como a reativação da indústria nacional a partir da taxação dos importados.
Em um primeiro momento, se essas promessas forem cumpridas, a tendência é de inflação e aumento ainda maior do custo de vida. Além disso, ele busca bodes expiatórios, que são os imigrantes ilegais, como se fosse esse o ‘x da questão’. A verdade é que os imigrantes são importantes para a economia dos Estados Unidos e certamente a equipe econômica de Trump sabe disso. E tem mais um complicador: como Trump vai melhorar a vida dos trabalhadores dos Estados Unidos sem mexer nos lucros dos seus doadores de campanha? Não há jeito de fazer isso.
Por outro lado, eu penso que Trump tende a ampliar o acirramento interno, especialmente pelo seu foco em pautas punitivistas, para as quais deve realizar uma reforma da Suprema Corte. Isso pode trazer grandes contradições internas.
Quais os efeitos de sua vitória eleitoral, em um panorama geral, para o Brasil e para os países do Sul Global?
A retórica de Trump para a América Latina é dúbia. De um lado ele diz que “não quer guerras” e que vai se voltar para dentro dos Estados Unidos. De outro, ele faz ameaças à Venezuela, acena para um acirramento das contradições com Maduro e para uma solução agressiva em busca do controle do petróleo. Acredito que a tendência de Trump é manter sempre um nível de tensão, ao menos no plano discursivo, a fim de obter ganhos. Além disso, sua vitória traz ânimo aos partidos de extrema direita da região e não se pode subestimar o alcance dos componentes simbólicos em nossos dias em que a “captura da narrativa” é um importante elemento das disputas eleitorais.
Quanto ao “Sul Global”, acredito que de um lado Trump tende a tentar dividir, criando alianças com alguns dos países do chamado “Sul” e intensificando contradições com outros. O tema do dólar certamente será central nos próximos anos e é certo que Trump buscará meios – pela persuasão e pela violência – de manter a proeminência da moeda norte-americana.
A cumplicidade da gestão Biden com Israel na guerra contra os palestinos influenciou o resultado eleitoral? Tendo em vista que, apesar de muito distante dos dois primeiros colocados, a progressista Jill Stein, declaradamente contra o regime sionista, ficou em terceiro lugar na corrida presidencial?
Sim, acredito que isso se refletiu muito numa fatia mais educada do eleitorado, com ensino universitário (ou ainda estudantes) e também descendentes de imigrantes árabes. Esse público mais escolarizado é eleitor do partido democrata. Muitos deles estão envolvidos com campanhas pelo desarmamento e pela paz. Essas pessoas desistiram de votar em Harris, ou se votaram, não fizeram campanha.
Sobre as guerras no Oriente Médio, de que forma a ascensão de Trump implicará nelas? Sobretudo, levando em consideração a proximidade entre o republicano e o premiê israelense Benjamin Netanyahu?
Nesse ponto há pouca diferença entre os Democratas e os Republicanos. O apoio a Israel é forte nos dois partidos. Há mais militantes anti-Israel entre os eleitores dos Democratas, mas isso não se reflete muito bem no Parlamento, que é muito vinculado ao lobby de Israel.
No entanto, Trump se mostrou mais disponível para um acirramento da tensão com o Irã em seu primeiro mandato. Recordemos que ele denunciou o acordo nuclear.
Trump já chegou a dizer que encerraria o conflito na Ucrânia “24 horas após” o início de seu mandato”. O que esperar do apoio norte-americano a Kiev com esta nova liderança?
As promessas de Trump devem ser recebidas com cautela. Ele tem compromissos com seus doadores milionários (e bilionários) e é muito provável que entre eles estejam fabricantes de armamentos e outros empresários com interesses na continuidade do conflito. No entanto, ele fez essa promessa em campanha. Se cumprir, deve retirar recursos da OTAN e avançar para uma supressão do financiamento à Ucrânia, o que a obrigaria a um acordo. É cedo para dizer.