O ex-presidente Donald Trump anunciou na segunda-feira (15/07) o senador norte-americano J.D. Vance, do estado de Ohio, para ser seu vice de chapa na disputa à Casa Branca.
Vance, de 39 anos, está em seu primeiro mandato no Senado. A nomeação completa sua vertiginosa transformação em um novo rosto do Partido Republicano, já que, em sua recente vida política, o senador passou de opositor a aliado fervoroso de Trump.
Crítico da ajuda norte-americana à Ucrânia e apoiador de regimes mais restritivos contra a imigração, o senador tem apelo entre eleitores da classe trabalhadora do Meio Oeste norte-americano, região importante para a eleição presidencial.
A escolha, porém, não agradou todas as lideranças do partido Republicano, que esperava candidatos com mais experiência e articulação política, além de projeção nacional na vaga de vice.
A campanha de Trump agora precisa reverter o desconhecimento do candidato. Segundo pesquisa da CNN realizada no final de junho, 13% dos eleitores registrados disseram ter uma opinião favorável sobre Vance e 20%, desfavorável. A maioria afirmou nunca ter ouvido falar dele ou não ter opinião.
Ascenção política
Nascido e criado em Middletown, em Ohio, Vance se juntou aos fuzileiros navais e serviu no Iraque. Ele cresceu em uma família operária no chamado “cinturão da ferrugem” norte-americano, região profundamente marcada pelo declínio industrial nos EUA. Mais tarde, se formou em direito pela Universidade de Yale e iniciou uma carreira no Vale do Silício antes de entrar na política.
Vance ganhou destaque nacional com o livro de memórias Era uma vez um sonho, best-seller lançado em 2016, ano em que Trump estava concorrendo pela primeira vez à presidência. O livro descreve a origem familiar caótica de Vance e faz uma reflexão sobre as comunidades majoritariamente brancas da região da cordilheira dos Apalaches, marcadas pela pobreza, abuso de drogas, violência doméstica e falta de perspectiva.
A obra foi especialmente aclamada pela classe trabalhadora branca, a mesma que ajudou o ex-presidente a se eleger naquele ano e alçou Vance a uma condição de “porta-voz” dessas comunidades.
Embora aclamada em vários círculos por lidar com temas considerados tabus, a obra também rendeu algumas críticas negativas, especialmente por Vance atribuir parte significativa dos problemas dessas comunidades a uma cultura autodestrutiva e más decisões individuais, e não a barreiras econômicas.
Depois que Trump venceu a eleição de 2016, Vance voltou para seu estado natal, Ohio, e criou uma instituição de caridade contra o uso de opioides. Ele também começou a dar palestras e passou a ser convidado a jantares do Partido Republicano, onde sua história pessoal – incluindo as dificuldades que enfrentou por causa do vício em drogas de sua mãe – ganhou fôlego.
Vance usou suas aparições públicas para vender suas ideias para consertar o país e lançar as bases para entrar na política. Até então, evidenciava um perfil mais moderado, com vocação social, e se colocava como um republicano, mas “nunca Trump”. À época, o empresário chegou a chamar Trump de “perigoso”, “idiota” e “inapto” para o cargo.
Vance, cuja esposa, a advogada Usha Chilukuri Vance, filha de imigrantes indianos, também criticou a retórica de Trump, dizendo que ele poderia ser “o Hitler da América.”
Aproximação com Trump
Mas quando Vance conheceu o ex-presidente em 2021, mudou sua opinião, e passou a citar as conquistas do bilionário como presidente. Ambos minimizaram as críticas feitas no passado, e Vance acabou vencendo a primária republicana e a eleição geral naquele ano com o endosso do ex-presidente.
Com o tempo, ele desenvolveu uma forte afinidade com Trump e passou a defendê-lo após eleito, classificando suas críticas passadas como um erro. Carismático, Vance virou figura popular na televisão, onde é um enérgico e leal defensor do candidato republicano às eleições presidenciais de novembro.
Perfil
Para os democratas, Vance é um extremista. Chamado por Biden de um “clone de Trump”, Vance ecoou a alegação falsa de que as eleições presidenciais em 2020 foram fraudadas. O senador disse que não teria certificado os resultados imediatamente se fosse vice-presidente e disse que Trump tinha “uma queixa muito legítima.” Uma série de investigações governamentais e externas, porém, não encontraram qualquer fraude eleitoral que pudesse ter mudado o resultado da derrota de Trump para o presidente democrata Joe Biden.
Vance também sinalizou apoio a uma proibição nacional do aborto após 15 semanas durante sua campanha para o Senado, por exemplo, mas suavizou essa posição uma vez que os eleitores de Ohio apoiaram esmagadoramente uma emenda de direitos ao aborto em 2023.
No Senado, porém, Vance às vezes abraça o bipartidarismo. Ele e o senador democrata de Ohio, Sherrod Brown, copatrocinaram um projeto de lei de segurança ferroviária após um descarrilamento de trem em seu estado natal. Ele patrocinou uma legislação que estende e aumenta o financiamento para a restauração dos Grandes Lagos e ainda apoiou uma legislação bipartidária que beneficia trabalhadores e famílias.
Vance pode articular a visão de Trump
Pessoas familiarizadas com o processo de seleção do vice-presidente disseram que Vance traria à campanha habilidades de debate e a capacidade de articular a visão de Trump.
Apoiadores já o colocam na liderança de um movimento nacionalista encabeçado por jovens conservadores mais radicais. Kevin Roberts, presidente da Heritage Foundation, chamou Vance de uma voz líder para o movimento conservador em questões chave como o afastamento da política externa intervencionista, a economia de livre mercado e a “cultura norte-americana em geral.”
Charlie Kirk, fundador do grupo ativista conservador Turning Point USA, disse que Vance articula de maneira convincente a visão do mundo “America First” e poderia ajudar Trump em estados que ele perdeu por pouco em 2020, como Michigan e Wisconsin, que compartilham os valores, a demografia e a economia de Ohio.
Por outro lado, a escolha não agradou todos os republicanos, já que muitos não conheciam Vance, cuja trajetória política é curta. “Não tenho certeza se ele o ajudará na campanha”, disse o veterano republicano Neil Newhouse. “Ele não é tão conhecido nem mesmo em Ohio. Essa não é uma escolha de campanha. É uma escolha política.”
A estrategista republicana Kellyanne Conway, que atuou como conselheira-chefe de Trump na Casa Branca, havia incentivado o ex-presidente a escolher um companheiro de chapa diferente.
Críticas rechaçam perfil eclético de Vance
Organizações da sociedade civil criticaram Vance. A organização Voto Latino emitiu comunicado contra a agenda anti-imigração do senador, que disse que os imigrantes estão “envenenando o sangue do país”.
“A comunidade latina não esquecerá a extensa agenda anti-imigração de Vance em novembro”, disse a cofundadora e presidente do Voto Latino, Maria Teresa Kumar. A ativista acrescentou que o senador republicano também promoveu teorias de conspiração xenófobas. ” Vance demonstrou repetidamente que colocará sua lealdade a Trump acima de nossa democracia e dos direitos fundamentais”, acrescentou.
A organização ambientalista Climate Power também criticou o “negacionismo climático” de Vance. A entidade acusa o senador de receber fundos do setor petroleiro. Assim como Trump, Vance diz que as mudanças climáticas foram criadas para angariar doadores democratas.