Washington Post perde 200 mil assinantes por não declarar apoio a Kamala Harris
Los Angeles Times admite que a mesma decisão também lhe custou milhares de cancelamentos
Mais de 200 mil pessoas cancelaram a assinatura do The Washington Post nos últimos dias, depois que o jornal anunciou que não iria declarar seu apoio à democrata Kamala Harris, que disputa a presidência dos Estados Unidos contra o republicano Donald Trump. A notícia, veiculada em reportagem da agência Associated Press, baseia-se em matéria da Rádio Pública Nacional, que menciona duas fontes anônimas de dentro do jornal.
Embora sem precisar números, o Los Angeles Times também reconheceu ter perdido milhares de assinantes depois que anunciou sua decisão de permanecer neutro nas eleições, na semana passada, poucos dias antes do Post.
Ambos os jornais haviam preparado editoriais apoiando a democrata Kamala Harris e, em ambos os casos, a decisão de desistir do apoio foi tomada pelos proprietários dos veículos, dois multimilionários: no caso do Los Angeles Times, Patrick Soon-Shing, e no caso do Washington Post, Jeff Bezos, o fundador da Amazon.
“Uma perturbadora falta de coragem”
Para justificar a decisão de manter-se neutro na disputa, o jornal alegou que o posicionamento poderia irritar os leitores. No entanto, a medida parece ter gerado o efeito contrário. Até a ex-congressista republicana Liz Cheney cancelou sua assinatura.
O editor aposentado do Post, Martin Baron, disse que a postura do jornal mostrou “uma perturbadora subordinação, de uma instituição famosa pela coragem” e que serviria como um estímulo para Trump intimidar o jornal.
Dois jornalistas – Bob Woodward e Carl Bernstein – que se tornaram lendas da reportagem investigativa por terem destapado o escândalo Watergate nas páginas do próprio The Washington Post também se manifestaram indignados.

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Sede do jornal que dstapou o escândalo Watergate na década de 70
Colunistas se demitiram
Os assinantes não foram os únicos a abandonar os dois veículos em sinal de protesto. O Post perdeu dois colunistas, Robert Kagan e Michele, e três dos nove membros de seu conselho editorial. No Los Angeles Times, a redatora editorial, Karin Klein pediu demissão.
Posicionar-se politicamente e apoiar candidatos em eleições é uma tradição dos veículos norte-americanos que vem se revertendo muito rapidamente nos últimos 15 anos. No século 19, os jornais eram claramente partidários, tanto nas páginas editorias quanto nas noticiosas.
No início do século 20, consolidou-se a tradição de manter um tom mais imparcial nas notícias, mas os jornais se posicionavam nos editorias. Em 2008, 92 dos cem maiores jornais norte-americanos se posicionaram na eleição em que Barack Obama concorreu com John McCain. Em 2020, o número dos que declararam apoio a Trump ou Joe Biden caiu para 54.
Não desagradar anunciantes
A reportagem da Associated Press mostra que alguns veículos que desafiaram essa tendência tiveram bons resultados junto ao seu público. Foi o caso do próprio The Washington Post que, sob a direção de Baron, fez uma cobertura muito crítica do governo Trump e viu sua circulação aumentar.
Com a crise financeira do setor, porém, a mídia tem medo de desagradar seus grandes anunciantes, talvez ainda mais do que aos seus leitores.
Os cancelamentos de assinaturas deixaram os jornalistas preocupados. Afinal, mesmo sendo o terceiro maior jornal dos Estados Unidos, com quase 2,5 milhões de assinantes, no ano passado, o The Washington Post perdeu dinheiro e demitiu funcionários.
“Quanto mais cancelamentos houver, mais empregos serão perdidos e menos jornalismo de qualidade haverá”, escreveu a colunista do Post, Dana Milbank. E um leitor sugeriu no site do jornal nesta segunda-feira (28/10). “Seria melhor boicotar a Amazon, fundada por Bezos, do que o The Washington Post”.
Com informações da Associated Press.