Atualizada em 19/10 às 14:50
Cerca de 7 milhões de bolivianos foram às urnas neste domingo (18/10) para participar das primeiras eleições gerais no país desde o golpe de Estado de novembro de 2019, que forçou a renúncia do ex-presidente Evo Morales.
Segundo o presidente do TSE, Salvador Romero, a “jornada eleitoral está transcorrendo em paz” e nenhum incidente grave foi registrado. “Um ambiente de serenidade e tranquilidade predominou em todo o país, estamos concluindo esta fase da eleição com a satisfação de que os cidadãos foram massivamente às urnas e o fizeram com calma e paciência”, disse.
Romero ainda afirmou que, apesar do horário limite para novos eleitores ter se esgotado, todos os que estiverem nas filas dos postos de votação deverão ter seus votos registrados.
Na noite deste sábado, o órgão eleitoral cancelou o sistema de Difusão de Resultados Preliminares (DIREPRE), que prometia uma apuração parcial dos resultados. Assim, a contagem dos votos será feita apenas pelo mecanismo definitivo de apuração que pode levar dias para terminar. A apuração dos votos das eleições bolivianas pode ser consultada diretamente no site oficial do TSE.
Esquerda é favorita
O ex-ministro da Economia Luis Arce, candidato do MAS à presidência, é favorito na disputa pretende e pode reverter o golpe de Estado de 2019. Tendo como candidato a vice o ex-chanceler David Choquehuanca, Lucho Arce (como carinhosamente é chamado pelos bolivianos) tem chances de ser eleito logo no primeiro turno.
Segundo pesquisa divulgada pelo Centro Estratégico Latino-americano de Geopolítica (CELAG) no início do mês, Arce aparece com 44,4% das intenções de voto, à frente de Carlos Mesa, o principal nome da direita, que tem 34%.
De acordo com as leis eleitorais da Bolívia, para a eleição ser definida já no primeiro turno, o vencedor deve ter 50% mais um dos votos ou conquistar mais de 40% e abrir mais de 10 pontos percentuais de vantagem sobre o segundo colocado.
A escolha de Arce, um economista de 57 anos de idade, para ser o candidato do MAS nessas eleições se deu por conta de seu reconhecido trabalho à frente do Ministério da Economia, sendo constantemente conectado aos avanços econômicos que a Bolívia alcançou durante os anos de governo Morales.
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Por sua vez, o ex-presidente Carlos Mesa, principal opositor de Arce na disputa eleitoral deste domingo, adota um discurso anti-esquerda para conseguir uma vitória nas urnas e se tornar o candidato que evitará o retorno do MAS à presidência.
“Evitar o retorno do MAS” tem sido uma expressão amplamente utilizada pela direita boliviana que, a princípio, havia se dividido em cinco expressivas candidaturas, mas chega na reta final com apenas três que podem ter algum efeito na correlação de forças: além de Mesa, o ultraconservador católico Fernando Camacho, que foi um dos líderes do golpe de Estado de 2019, e o pastor evangélico Chi Hyun Chung.
Com Camacho em terceiro e Chung em quarto colocados nas pesquisas, o principal nome da direita continua a ser Carlos Mesa. Jornalista e historiador, o direitista governou o país entre os anos de 2004 e 2005, após a renúncia de Gonzalo Sánchez de Lozada.
Além do próximo presidente, os bolivianos decidem a formação do Congresso nessas eleições que já foram adiadas três vezes. São 36 vagas para o Senado e 130 para a Câmara dos Deputados.
Mais um golpe?
Riscos de que o país possa viver mais um golpe de Estado foram destaque na imprensa nas últimas semanas. Documentos citados pelo jornal britânico The Morning Star indicam que militares ligados ao governo de Áñez e forças da extrema direita planejam realizar atentados com bombas e um golpe para impedir uma vitória do MAS.
Segundo o periódico, as forças de extrema direita preparam um “falso positivo”, ou seja, realizar ataques com bombas e colocar a culpa no partido de Luis Arce. Os alvos desses atentados, diz o jornal, seriam hotéis onde estarão hospedados observadores internacionais de diferentes órgãos do mundo que acompanharão as eleições.
De acordo com as fontes do Morning Star, “paramilitares de extrema direita nacionalistas estão trabalhando há um mês para reunir informações sobre os hotéis onde estarão hospedados os observadores internacionais, incluindo detalhes de como entrar nos lugares e deixar pistas para incriminar o MAS”.
O objetivo dos ataques, continua o periódico, seria criar uma justificativa para adiar as eleições mais uma vez e retirar o MAS da disputa, sob a acusação de que o partido estaria promovendo atos violentos. O resultado poderia ser o fechamento da Assembleia Nacional e a instalação de um “governo militar de emergência”.
Para Daniel Valença, professor da Graduação e Mestrado em Direito da UFERSA e coordenador do Grupo de Estudos em Direito Crítico, Marxismo e América Latina (Gedic), há um risco concreto de um outro golpe de Estado no país para evitar que o MAS assuma o governo, caso saia vitorioso do processo eleitoral.
“Por isso, é fundamental que cada pessoa acompanhe o que está acontecendo na Bolívia, se solidarize com os trabalhadores bolivianos e faça pressão internacional para impedir mais um golpe de Estado e mais repressão”, disse.
Covid-19 e contagem dos votos
Não foi apenas o cenário pós-golpe de perseguição contra a esquerda que deixou esse período eleitoral atípico. Há uma preocupação das autoridades com a segurança dos eleitores no momento da votação por conta da pandemia do novo coronavírus, que já infectou mais de 139 mil pessoas e tirou a vida de outras 8.463 no país.
Temendo os contágios que possam ocorrer durante a votação, o Tribunal Supremo Eleitoral (TSE) da Bolívia anunciou uma série de medidas de segurança sanitária, que vão desde abertura de mais postos de votação para evitar aglomerações até a determinação de dois horários de votação, mecanismo que dividirá a população em dois grupos de acordo com o final do número da cédula de identidade.
As urnas abriram às 8h (9h, no horário de Brasília) e fecharam às 17h (18h, no horário de Brasília), sendo que o primeiro grupo votou até 12h30, e o segundo grupo a partir de 12h30. O uso de máscaras e o porte de canetas pessoais, uma vez que o voto no país é impresso, foram considerados obrigatórios.
Além da covid-19, a apuração dos votos se tornou uma preocupação dos candidatos e dos eleitores. Isso porque nas eleições de 2019, uma suposta fraude na contagem das cédulas serviu de pretexto para atos golpistas. À época, observadores da Organização dos Estados Americanos (OEA) disseminaram a suspeita e chegaram a pedir a anulação do pleito que deu a vitória ao ex-presidente Evo Morales no primeiro turno. As acusações da OEA serviram de combustível para acelerar o processo violento que forçou a renúncia do ex-mandatário. Meses depois, diversos estudos independentes comprovaram que a votação foi legítima e que Evo realmente havia sido reeleito.
Para as eleições gerais de 2020, o TSE boliviano havia anunciado um novo mecanismo de apuração parcial – já que, devido ao formato impresso dos votos, a apuração total só termina dias depois da eleição. Entretanto, na noite deste sábado (17/10), o órgão anunciou o cancelamento do sistema de Difusão de Resultados Preliminares (DIREPRE) e disse que a contagem dos votos será realizada apenas de maneira definitiva.
“Os resultados dos testes não nos permitem ter a segurança da difusão completa dos dados que ofereçam certeza ao país. É por isso que, com seriedade técnica e motivados pela responsabilidade com o país, o TSE decidiu a retirada do Direpre”, disse Salvador Romero, presidente do órgão eleitoral.