Apresentadores da TV francesa, os irmãos gêmeos Igor e Grichka Bogdanoff permaneceram juntos até a morte. Tendo dado entrada em um hospital parisiense em 15 de dezembro após contraírem a covid-19, Grichka morreu no dia 26 de dezembro, e Igor, seis dias depois, em 3 de janeiro de 2022, aos 72 anos.
Ambos não se vacinaram contra a covid-19. Apesar disso, o ex-ministro de Educação da França Luc Ferry, amigo de longa data dos gêmeos, afirmou que eles não eram “antivax”. “A não-vacinação deles foi uma escolha pessoal”, disse Ferry, acrescentando que os irmãos acreditavam que a “boa saúde” os preveniria de contrair a doença. Ou seja…
Ainda em dezembro de 2021, em entrevista a uma rádio francesa, Igor chegou a citar o cientista francês que popularizou o uso da hidroxicloroquina como remédio supostamente capaz de combater o coronavírus. Já nas vacinas, ele não punha muita fé: para Igor Bogdanoff, era melhor esperar vacinas futuras, já que não confiava nos imunizantes até agora disponíveis. Ferry diz que se opôs à posição do gêmeos: “Disse a eles que isso era grotesco, eles estavam loucos!”, declarou o ex-ministro à imprensa.
Da carreira televisiva à fraude científica
Esta foi a última controvérsia dos irmãos supostamente cientistas, mas não a primeira e nem a que os tornaram célebres como possíveis farsantes.
Os irmãos Bogdanoff já eram formados em matemática aplicada em Paris quando passaram a integrar uma equipe de apresentadores de um programa de televisão francês chamado Un sur cinq (Um sobre cinco). É nesse momento que eles começam suas carreiras televisivas, em 1976, assumindo um quadro de ficção científica no programa.
O contrato durou três anos, quando eles mudam de emissora para ancorar o programa Temps X, exibido a partir de 1979 e que se tornou um pioneiro na divulgação científica, além de apresentar seriados como Star Trek, Doctor Who e The Twilight Zone aos franceses.
As roupas prateadas usadas pelos apresentadores e o cenário de nave espacial ao fundo levou o programa ao sucesso, tornando célebres os irmãos Bogdanoff.
Nascidos em 1949, os gêmeos se tornaram inseparáveis, tanto no sucesso quanto nas polêmicas. Não foram poucas as vezes em que eles estiveram em controvérsias científicas, com acusações de trabalhos frágeis e mesmo plágios em suas publicações científicas.
A primeira acusação de plágio remonta a 1991, quando ambos publicam o livro Deus e a Ciência, que contêm entrevistas com o filósofo católico Jean Guitton e que logo veio a se tornar um best-seller. Quem os acusou de copiar trabalho alheio foi o professor de Astronomia da Universidade de Virgínia Trinh Xuan Thuan, que entrou na Justiça apontando as semelhanças entre Deus e a Ciência e The Secret Melody (A Melodia Secreta), lançado em 1988.
A ação resultou em um acordo fora do tribunal, o que, para Thuan, teria motivado a busca dos apresentadores pelo título de doutorado alguns anos depois. Isso porque, além do suposto plágio, a publicação dos Bogdanoff ainda trazia que os gêmeos eram doutores em “astrofísica e física teórica” e “em semiologia sob direção de Roland Barthes”, o que não era verdade.
Na época, eles se defenderam dizendo que esta parte do texto havia sido um “engano”. Um engano que não ocorreu só uma vez: também num prefácio escrito por eles para a obra A Evolução da Física, de Albert Einstein e Leopold Infeld, os apresentou como doutores.
Buscando a posteriori resolver o problema curricular, em 1993 os gêmeos então começam de fato a trabalhar em teses de doutoramento na Universidade Burgundy, em Dijon, na França.
Grichka conseguiu, em 1999, resolver a parada, tornando-se um PhD em matemática alguns anos depois de iniciar o doutorado como candidato na área de física. Igor não foi tão bem sucedido e teve de esperar um pouco mais: reprovado no mesmo ano, em 1999, na defesa de sua tese, obteve dos seus avaliadores a permissão de realizar uma nova tentativa de obter o título caso publicasse três artigos em periódicos revisados por pares. E assim o fez, tornando-se, finalmente, em 2002, PhD em física teórica.
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Não vacinados contra a Covid-19, irmaõs Bogdanoff morreram em decorrência do vírus
“Esses caras trabalharam 10 anos sem remuneração. Eles têm o direito de ter seu trabalho reconhecido com um diploma, o que não é nada hoje em dia”, justificou o orientador Daniel Sternheimer ao The New York Times na época.
O próprio Sternheimer, no entanto, reconheceu que os Bogdanoff tinham dificuldade em entender que não eram, digamos, tão genias, não eram os “irmãos Einstein”, e que eles tinham tendências a se expressarem por meio de declarações vagas e impressionistas.
Posteriormente, o pesquisador da École Polytechnique Ignatios Antoniadis, que aprovou a tese de Grichka Bogdanoff em seu doutoramento, declarou ao jornal francês Le Monde que “havia dado parecer favorável à defesa de Grichka a partir de uma leitura rápida e indulgente do texto”. Numa autocrítica, reconheceu que, “infelizmente, estava completamente enganado”.
Em novembro de 2003, o Centre National de La Recherche Scientifique (CNRS), maior órgão público da França em pesquisa científica, concluiu que as teses dos gêmeos não tinham valor científico e que os doutorados foram concedidos de forma irresponsável. “Todos os artigos aqui considerados não atendem a nenhum critério de clareza, precisão e exatidão vigentes na física teórica. Este manuscrito de tese não pode ser qualificado como uma contribuição científica”, descreveu o órgão por meio de um relatório sigiloso, que, inicialmente, devia ter se tornado público.
Em 2010, a revista semanal francesa Marianne publicou uma reportagem, assinada por Nathalie Gathié, intitulada “A verdadeira face dos Bogdanoff”, revelando o documento do CNRS. Os irmãos não gostaram das críticas e processaram a revista. Quatro anos depois, quem perdeu foi a revista, condenada por difamação, obrigada a indenizar Igor e Grichka e a retirar os artigos do site.
Nem mesmo a Wikipedia, que tem duas páginas contando as histórias dos Bogdanoff, escapou de se tornar alvo das polêmicas dos Bogdanoff. Igor e seus apoiadores começaram a editar o artigo nomeado “Caso Bogdanoff” na plataforma francesa do site em 2004. Modificações também foram realizadas na versão em inglês da página, de forma que um comitê interno da plataforma decidiu proibir que pessoas consideradas relacionadas ao caso pudessem editar o artigo.
Transformações estéticas
Além das controvérsias científicas, a vida dos Bogdanoff também é protagonizada pela transformação facial dos apresentadores da televisão francesa e por sua aproximação com personalidades públicas e políticas do país.
Os irmãos também transitavam nos corredores do Palácio do Eliseu, residência oficial do presidente da República Francesa, tendo participado de uma confraternização privada promovida pelo mandatário Emmanuel Macron a seus apoiadores após ser eleito em 2017.
Grichka chegou a descrever a noite como “platônica, onde se encontra a união entre o belo, o bom e o verdadeiro”. A presença dos dois não passou despercebida. Até porque, desde os anos 2000, os jovens e charmosos apresentadores da televisão francesa passaram por grandes transformações faciais.
A metamorfose em seus rostos se tornou evidente, mas eles nunca revelaram o mistério por trás das transformações: cirurgia estética, botox ou ingestão de hormônios? Qual o método utilizado pelos irmãos para mudarem tão radicalmente seus rostos?
Igor teve seis filhos de três casamentos diferentes. Já seu irmão Grichka permaneceu solteiro e não teve filhos.