Charles I decapitado, o segundo do exilio ao trono; qual o destino de Charles III?
Monarcas lutaram pela manutenção do poder da coroa britânica e enfrentaram resistência no Parlamento
Ao seguir a tradição iniciada por sua mãe, Elizabeth II, que exerceu o reinado mais longevo da coroa britânica, por 70 anos, mantendo uma postura importante para a preservação da nobreza em meio a escândalos familiares, Charles III manteve o próprio nome e agora dá continuidade à monarquia constitucional britânica. O então príncipe do Reino Unido se tornou, agora, rei neste sábado (06/05).
A Opera Mundi, a historiadora Marcella Miranda analisa que a morte de Elizabeth II e Charles III assumir o trono, pode representar, ao tratar da opinião pública, uma fragilidade do regime monárquico: isso se dá porque “Charles não tem a mesma popularidade que sua mãe teve, e nem a do seu filho primogênito e herdeiro, o príncipe William”.
Doutora em história pela Universidade de São Paulo e professora visitante da Universidad Carlos III de Madrid, Miranda também destaca que o papel da monarquia, no contexto em que Charles III se insere, é apenas simbólico dentro do sistema político inglês.
Ela ainda recorda que a família real britânica, incluído o próprio Charles III, passou por uma série de escândalos ao longo do século XX, que abalaram a credibilidade da monarquia. “Vale lembrar que a sobrevivência da monarquia inglesa por tantos séculos só foi possível por ela ter se tornado uma monarquia constitucional, após a Revolução Gloriosa de 1688”, diz Miranda.
Se para compreender o presente é preciso voltar ao passado, vamos analisar o histórico dos antecessores do atual rei: Charles I e Charles II (assim como o destino que a história os legou). O primeiro, como conta a história, morreu decapitado, enquanto seu filho, o segundo Charles, foi exilado.
Miranda aponta que a situação da morte do Charles I se deu por conta da relação entre o monarca e o Parlamento inglês, que foi se deteriorando com o passar dos anos. Isso por que, ele travou uma luta contra o Congresso em defesa dos interesses da monarquia, já que a casa legislativa tentava restringir sua “prerrogativa real”.
De 1625 até 1649, Charles I foi governante da Inglaterra, Escócia e Irlanda. Ao suceder ao trono, o monarca interferiu nas igrejas inglesa e escocesa, de forma a tentar resguardar seu poder monárquico. Por conta disso, sua popularidade cai e passa a ser visto por seus súditos como um tirano absolutista.
A partir de 1641, luta na Guerra Civil Inglesa, cuja disputa é entre partidários do rei e do Parlamento, liderado pelo militar e político inglês Oliver Cromwell. O conflito termina em 1649, quando Charles I é condenado à morte. Em 30 de janeiro de 1649 o rei é decapitado. Seu corpo foi enterrado no Castelo de Windsor, uma das residências da família real britânica.
Nesse momento, a monarquia também é “decapitada”, e uma República se instaura no Reino Unido. Para Miranda, um marco importante para o distanciamento do Parlamento e da monarquia teria sido a decisão de Charles I de participar da Guerra dos Trinta Anos, “situação que demandava a aprovação de mais impostos e mais dinheiro”.
Dan Marsh/Flickr
Após 70 anos de Elizabeth II, Charles III foi coroado rei do Reino Unido
“Podemos concluir que ele não manteve a dominação entre os seus súditos por menosprezar a oposição representada pelo Parlamento e pelos puritanos, marcados pelo radicalismo político, subestimando a capacidade de mobilização militar e da liderança dos rebeldes. Ao insistir e reivindicar a sua autoridade pelo direito divino dos reis, Carlos I acabou sendo morto pelas mãos dos próprios súditos”, disse a historiadora a Opera Mundi.
Os conflitos na Europa central foram iniciados de 1618 a 1648. As causas para esta guerra eram principalmente a luta pela afirmação do poder de monarquias europeias, com disputas territoriais e conflitos pela hegemonia.
O período republicano, no entanto, dura pouco e a monarquia é reestabelecida com Charles II, filho do rei assassinado. Miranda explica que a experiência republicana na Inglaterra não sobreviveu à morte de Cromwell, e que “o vazio de poder facilitou o caminho para a restauração da dinastia dos Stuart, já que o Parlamento temia a eclosão de uma nova guerra civil”.
No entanto, antes de Chales II assumir o trono em 1660, o monarca passa nove anos exilado na Europa Continental após perder a Batalha de Worcester, em 1651.
A volta de Charles II é em meio uma crise política na restauração da monarquia na Grã-Bretanha. Em 29 de maio de 1660, seu aniversário de 30 anos, o monarca foi recebido em Londres com grande aclamação pública. Depois disso, todos os documentos legais foram datados como se ele tivesse sucedido seu pai em 1649.
Com um reinado que, segundo a historiadora, “ocorre sem grandes sobressaltos”, Charles II dá anistia aos apoiadores de Cromwell, no Decreto de Indenização e Esquecimento, e revoga os impostos feudais – ao receber uma renda anual de 1,2 milhões de libras em troca. O monarca também enfrentou, em 1665, uma grande crise sanitária: a Grande Praga de Londres.
Charles II morre em 6 de fevereiro de 1685, após sofrer de apoplexia repentina na manhã do dia 2 de fevereiro, três anos antes da Revolução Gloriosa (1688-1689), evento político que instaurou a monarquia constitucional na Inglaterra, limitando os poderes de Jaime II, seu sucessor, e consolidando a autoridade do Parlamento.
A historiadora explica que é com a Revolução Gloriosa que surge “o sistema político inglês como conhecemos hoje”, e diz que ela resiste, ao menos em forma, até a atualidade, “porque faz o que sempre fez: representa a tradição inglesa e os valores encarnados nela”.
