O famoso e quilométrico Rio Han que flui por Seul, com suas 32 pontes que conectam os principais pontos turísticos da capital, é, sem dúvidas, uma das maiores atrações pela qual a Coreia do Sul pode se vangloriar. No entanto, ninguém poderia imaginar que, quase todos os dias, alguém tenta tirar a própria vida de lá.
De acordo com a Agência Nacional de Bombeiros, desde o início de 2016 a junho de 2022, um total de 2.171 pessoas haviam se jogado da ponte. Enquanto 2.097 foram resgatadas, as outras 74 morreram.
A Coreia do Sul é conhecida por liderar a maior taxa de suicídio entre os países que integram a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE): a proporção foi de 24,8 mortes por 100.000 habitantes em 2023 para o Estado asiático, enquanto a média dos países-membros foi de 10,7.
Os dados mais recentes do governo sul-coreano revelam que a taxa de suicídio no país atingiu seu nível mais alto em quase uma década. Em 2023, registrou-se a proporção de 27,3 mortes para cada 100.000 habitantes, a maior desde 2014, ano que também havia atingido 27,3.
O informe publicado pela Statistics Korea em outubro passado mostrou que a Coreia do Sul registrou 352.511 mortes no país em 2023, representando uma queda de 5,5% em relação ao ano anterior. O câncer respondeu por 24,4% dos casos e foi a principal causa das mortes, seguido por doenças cardíacas (9,4%), pneumonia (8,3%) e doenças cerebrovasculares (6,9%).
O suicídio ficou em quinto lugar, responsável por 4% de todas as mortes: 13.978 pessoas tiraram a própria vida em 2023. A taxa de suicídio (27,3) saltou 8,5% em relação a 2022 (25,2). Para os homens, houve um aumento de 8,4% em relação ao ano anterior, enquanto para as mulheres subiu 9%. Por idade, aqueles na faixa dos 60 anos apresentaram o maior aumento (13,6%), seguidos pelos da faixa dos 50 anos (12,1%) e adolescentes (10,4%).
A Statistics Korea explicou que o aumento decorre do cenário pós-pandêmico de isolamento social, econômico e cultural. Durante uma pesquisa realizada pelo organismo em 2023, 46% dos entrevistados relataram sofrer “estresse severo”.
“Na Coreia do Sul, doenças mentais, como depressão e ansiedade, juntamente com dificuldades financeiras, foram identificadas como fatores contribuintes significativos que levam os indivíduos a tentar o suicídio. […] No entanto, poucas pessoas querem consultar um psiquiatra por causa do estigma associado aos problemas de saúde mental”, relatou o boletim.
A Opera Mundi, o professor Potter Cuz, da Faculdade de Estudos Internacionais da Universidade da Coreia, também atribuiu o cenário a uma mudança econômica que tem sido “mais rápida do que a mudança social e cultural”.
“Países passando por desenvolvimento tardio e comprimido vivenciam uma transformação econômica incrivelmente rápida que exige acomodações correspondentes nas esferas social e cultural. No entanto, como as práticas sociais e culturais tendem à manutenção conservadora das relações existentes, elas mudam mais lentamente. Isso deixa países como a Coreia ‘subinstitucionalizados’”, explicou o acadêmico. “Em países em rápido desenvolvimento a economia se industrializa, mas o bem-estar social continua a depender do parentesco”.

O Rio Han está entre os locais mais visitados para suicídios em Seul, sendo facilmente acessível por transporte público
Um dos exemplos envolve a pressão e competitividade no mercado de trabalho, no qual os habitantes disputam empregos — escassos — oferecidos pelo oligopólio chaebol (conglomerado industrial sul-coreano que originou multinacionais como Samsung, Hyundai, LG…) por serem mais bem remunerados e, principalmente, de “maior status social”.
Essa perspectiva formou uma “corrida educacional” dentro de famílias, com pais que pressionam seus filhos a conseguirem empregos nas empresas chaebol, ou os próprios jovens sentem a necessidade de obter um certo status dentro de uma sociedade que sustenta uma cultura competitiva e voltada para o sucesso. A Statistics Korea informou que o aumento dos suicídios entre os jovens de 10 a 24 anos é uma “tendência preocupante” desde 2011.
“Combinado com a admiração histórica da Coreia do Sul pelo sistema de educação, criou-se uma corrida educacional. Os alunos competem por empregos nas empresas chaebol frequentando cursinhos depois das aulas na escola (chamado hakwon) cada vez mais jovens e por cada vez mais horas. Essas demandas destruíram grande parte da alegria da infância e ocupam uma grande proporção do orçamento da maioria das famílias”, pontuou Cuz. “A absurda pressão para estudar e obter sucesso, somada à privação de sono desde muito jovem, produziu uma crise de saúde mental, como evidenciado pela classificação mais alta da Coreia do Sul na OCDE para suicídio, a maioria dos quais são adolescentes e jovens adultos”.
Outro grande grupo demográfico que impulsiona a taxa de suicídio no país são os idosos. A Statistics Korea menciona que as razões mais citadas para o pensamento suicida foram os problemas de saúde e financeiros. De acordo com Cuz, “os idosos são talvez o grupo mais pobre da Coreia do Sul”.
“Historicamente, na Coreia do Sul, cada geração tem a tarefa de cuidar da geração anterior à medida que envelhece. No entanto, o rápido crescimento econômico ultrapassou as melhorias do bem-estar social e a atomização social fragmentou as famílias, deixando muitos idosos com apoio insuficiente de suas famílias ou do governo. Suas famílias (e cada vez mais os próprios idosos) sacrificaram todos os seus recursos na educação de seus filhos e na garantia de moradia”, explicou o acadêmico.