O presidente do Comitê Olímpico Internacional (COI), Thomas Bach, condenou neste sábado (03/08) os ataques “inaceitáveis” nas redes sociais contra a argelina Imane Khelif e a taiwanesa Lin Yu-ting, duas boxeadoras que participam dos Jogos de Paris 2024. Os posts levantam dúvidas sobre o gênero das atletas.
Após a vitória de Khelif sobre a italiana Angela Carini, que desistiu do combate na quinta-feira (01/08), várias pessoas, da ala da direita, questionaram se a boxeadora argelina era de fato uma uma mulher. Entre elas, a primeira-ministra da Itália, Giorgia Meloni, o presidente da Argentina, Javier Milei, e o candidato à Presidência dos Estados Unidos Donald Trump. Eles chegaram a pedir a exclusão de Khelif e Lin dos Jogos de Paris.
Outras personalidades questionaram a participação das boxeadoras, como o milionário Elon Musk, dono da rede X, que publicou mensagens sobre “a natureza injusta da participação de Imane Khelif nos Jogos”, por conta do hiperandrogenismo da atleta.
Outras personalidades influentes, como JK Rowling, autora da série Harry Potter, ou o cientista britânico Richard Dawkins, publicaram comentários transfóbicos, embora Imane Khelif tenha nascido mulher e se defina como mulher.
O “discurso de ódio” nas redes sociais é “inaceitável” e está alimentando uma “agenda” política, afirmou Thomas Bach em entrevista coletiva neste sábado em Paris. “Nunca houve dúvida de que são mulheres”, insistiu o presidente do COI, órgão agora encarregado da organização do boxe olímpico. “Nasceram mulheres, cresceram mulheres, têm passaporte como mulheres e competiram como mulheres durante vários anos”.
Quem questiona o gênero das duas boxeadoras, disse Bach, deveria “apresentar uma nova definição com base científica de quem é uma mulher e como é possível alguém que nasceu, foi criada, compete e tem passaporte como mulher não pode ser considerada mulher”, ressaltou, respaldando a postura do COI em defesa das boxeadoras.
Imane Khelif sobe novamente no ringue na tarde deste sábado (03/08) contra a húngara Luca Anna Hamori.
“Minha filha é uma menina”
“Minha filha é uma menina. Nós a criamos como uma menina. É uma menina forte. Eu a eduquei para que trabalhasse e fosse corajosa”, afirma Omar Khelif, pai da boxeadora, na casa da família em um humilde vilarejo rural localizado a dez quilômetros da cidade de Tiaret, na Argélia.
Ao lado dos dois filhos mais novos, Omar mostra orgulhoso uma foto de Imane, aos sete ou oito anos de idade, sorridente e com tranças no cabelo, além de uma série de documentos de identidade e certidões de nascimento.
Para ele, que trabalha como soldador, a vitória sobre Carini aconteceu “porque minha filha era mais forte e a outra mais fraca”. Imane “tem uma força de vontade para o trabalho e para o treino”, ressalta Omar. “Sua paixão pelo esporte vem desde pequena. Ela era sempre a melhor em todos os outros esportes, no atletismo e no futebol.”
O pai acompanha empolgado a carreira da filha, embora no início tenha demorado a aceitar que ela subisse nos ringues. A própria boxeadora relatou isso em um vídeo gravado para o Unicef, órgão do qual é embaixadora.
“Venho de uma família conservadora. O boxe não era um esporte muito popular entre as mulheres, especialmente na Argélia. Foi difícil”, explicou Imane à emissora de TV local Canal Algérie, um mês antes dos Jogos Olímpicos.
Adolescente, ela vendia sucata
Além dos preconceitos, Imane também lutou para financiar suas viagens até Tiaret e depois para atravessar os quase 300 quilômetros que separam seu vilarejo da capital, Argel. Quando adolescente, a boxeadora vendia sucata e sua mãe vendia cuscuz que preparava em casa.
Horas antes de Imane enfrentar a húngara Anna Luca Hamori por uma vaga nas semifinais da categoria 66 quilos, Omar Khelif posou feliz diante da câmera, com os punhos cerrados e levantando os braços para incentivar a filha, de quem agora é o maior admirador.
“Imane é um exemplo de mulher argelina. É uma das heroínas da Argélia. Se Deus quiser, ela vai nos honrar com uma medalha de ouro e levantar a bandeira nacional em Paris”, diz Omar. “Esse é o nosso único objetivo desde o início.”
A mesma emoção é vivida no clube esportivo da Defesa Civil local, onde Imane começou no boxe. Um grupo de meninas de todas as idades se aquece e pula corda antes do treino sob a orientação do técnico Abdelkader Bezaïz.
“Desejamos a ela tudo de bom. Ela é realmente a atleta que nos dá orgulho. Honrou a bandeira nacional. É o nosso modelo a seguir”, reconhece Zohra Chourouk, de 17 anos.
Desclassificação no mundial
A desclassificação de Khelif e Lin do mundial de 2023 foi decidida pela Associação Internacional de Boxe (IBA), que o COI retirou da organização do torneio olímpico de Paris por falta de transparência. Khelif “não atendia aos critérios de elegibilidade”, segundo a IBA, e deixou a disputa pelo Mundial horas antes da luta pela medalha de ouro.
Quanto às dúvidas sobre a continuidade do boxe no quadro olímpico, Bach se pronunciou a favor da presença da modalidade nos Jogos de Los Angeles-2028. O COI e A IBA mantêm um conflito de longa data, especialmente em relação aos escândalos de arbitragem nas competições de boxe.