Terça-feira, 10 de junho de 2025
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A National Basketball Association (NBA), a principal liga de basquete profissional dos Estados Unidos, anunciou nesta quarta-feira (21/05) o canadense Shai Gilgeous-Alexander como o Jogador Mais Valioso (MVP, na sigla em inglês) da temporada 24/25.

Gilgeous-Alexander  é o 7º atleta seguido que não nasceu nos Estados Unidos a vencer o maior prêmio individual da liga. Ou seja, desde a temporada 16/17, quando o então ala-armador do Houston Rockets James Harden venceu, a premiação não é dada para um jogador norte-americano.

Desde então, o reconhecimento de melhor jogador da temporada regular, que antecede as eliminatórias conhecidas como playoffs, foi entregue ao grego Giannis Antetokounmpo (17/18 e 19/20), ala-pivô do Milwaukee Bucks, ao sérvio Nikola Jokić (20/21, 21/22 e 23/24), que atua como pivô do Denver Nuggets, e ao camaronês Joel Embiid, pivô do Philadelphia 76ers (22/23).

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O histórico leva ao questionamento o patriotismo que circunda as ligas profissionais esportivas dos Estados Unidos, uma vez que a NBA é uma liga norte-americana que tem cada vez mais qualidade pela performance de jogadores que não são norte-americanos.

“A NBA vende a ideia de ter um monte de MVPs seguidos de fora dos Estados Unidos como uma coisa boa. Então, ela não só tem um recorde de jogadores estrangeiros, mas faz questão de se vender assim”, avalia Denis Botana, comunicador brasileiro especializado na NBA.

Já um comentário do analista esportivo Stephen A. Smith, em comentário para o canal ESPN sobre Cooper Flagg, um habilidoso atleta branco que está saindo da Universidade de Duke para se tornar a provável primeira escolha do draft [processo de seleção de novos atletas] da NBA, resume o outro lado da moeda: “Quando você tem alguém com esse potencial, branco e nos Estados Unidos, você mantém esse cara”.

Botana concorda que o jovem atleta universitário “é realmente muito bom”. “Se não fosse, não dava pra vender a ideia dele ser o novo rosto americano da NBA. Mas isso vem da imprensa dos Estados Unidos, que fala sobre a necessidade do país ter um ‘grande jogador americano e branco’”, explica, ao adicionar que nos últimos tempos a liga perdeu público porque a grande maioria de seus atletas está ligada a pautas progressistas e que com o estereótipo de Flagg esta parcela poderia voltar a “se identificar”.

O melhor basquete do mundo?

A identificação norte-americana no esporte é explicada no documentário Time da Redenção (2022), produzido pela Netflix. Segundo o filme, vingava até algumas décadas atrás a ideia de que o basquete era um esporte que tinha sua elite nos Estados Unidos. Na opinião de Botana, essa “é uma visão” do próprio país, “que têm muita dificuldade de enxergar qualquer coisa” que esteja fora de seu território.

Um exemplo disso era a utilização formal, até alguns anos atrás, da nomenclatura “World Champions” (Campeões Mundiais) para o time campeão das temporadas da NBA. Segundo Danilo Silvestre, também comunicador da NBA no Brasil, os times utilizaram por muito tempo o título da liga como um campeonato mundial. “Isso é ridículo e vergonhoso. Se um campeonato com outros times fosse feito, o time da NBA provavelmente ia ganhar, mas não é um campeonato que envolve o resto do mundo. Então é uma nomenclatura que pega mal”.

Silvestre ainda afirma que essa nomenclatura leva à discussão de como a NBA é vista como o melhor campeonato do mundo, mas que a liga tem essa posição justamente porque “seus melhores jogadores são os caras de fora”.

Mas essa visão orgulhosa não veio do nada. Por décadas a seleção do país venceu os Jogos Olímpicos enviando jogadores universitários, que ainda não eram profissionais, e voltavam com a medalha de ouro para casa. No entanto, uma série de três derrotas mudou o cenário do esporte nos Estados Unidos.

Desbancando a ideia do melhor basquete do mundo, a Seleção dos Estados Unidos perdeu para a Seleção Brasileira nos Pan-Americanos de 1987. Em 1988, na Coreia do Sul, a Seleção dos Estados Unidos enviou pela última vez um time de universitários para as Olimpíadas. Uma derrota histórica nas semifinais para a então União Soviética (URSS), levando os norte-americanos a voltar para seu país com o bronze. Já em 2002, no Campeonato Mundial realizado em Indianápolis, os Estados Unidos terminaram em 6º lugar, com seu pior resultado da história.

A partir daí, houve uma mudança radical no esporte praticado no país. Com modificações nas regras da Federação Internacional de Basquetebol (FIBA), os jogadores que atuavam na NBA da época puderam passar a participar das Olimpíadas. Em 1992, nos Jogos Olímpico de Barcelona, o hoje conhecido como “Dream Team” (Time dos Sonhos) foi inaugurado, com icônicos jogadores como Michael Jordan, Magic Johnson, Larry Bird, Charles Barkley e Karl Malone compondo a equipe.

Segundo Botana, essa mudança foi possível não apenas por causa da derrota histórica norte-americana, mas também porque “a federação queria que os melhores jogadores jogassem nela. Se os outros esportes olímpicos tinham os melhores, porque o basquete não apresentava eles também? A partir daí começou esse intercâmbio”.

Apesar dos jogadores estrangeiros da NBA representarem seus próprios países nas Olimpíadas, esse intercâmbio permitiu que o basquete norte-americano, dominado pela liga, se abrisse para o que os outros lugares do mundo estavam fazendo no esporte, e até mesmo importando seus jovens talentos.

“Quando o Dream Team foi para para as Olimpíadas de 92, havia 26 jogadores estrangeiros na NBA e apenas oito deles eram considerados relevantes, que eram titulares e tinham realmente muitos minutos em quadra. Hoje, são 125 jogadores de fora na liga”, o que representa 25% dos atletas da NBA, de acordo com Silvestre.

O técnico de times da NBA que mais “deu moral” para não-americanos foi Gregg Popovich, treinador do San Antonio Spurs por mais de 29 anos. “Ele contratava um monte de estrangeiro. Seu último time campeão, que foi o Spurs de 2014, tinha jogador brasileiro, o Tiago Splitter, italiano, o Marco Belinelli, os franceses Tony Parker e Boris Jaw, o argentino Manu Ginóbil, e Perry Mills, que era australiano”, lembra Botana.

Além do Spurs, Popovich liderou a Seleção dos Estados Unidos nas Olimpíadas de Tóquio, em 2020. Durante aquela campanha, apesar da conquista da medalha de ouro, ele obteve derrotas ao longo do campeonato e também nas classificatórias, mas dizia que não havia “nada de errado, nem vergonha” nisso. “Ele dizia que eram grandes times e que os Estados Unidos perderam porque o oponente jogou melhor. Sem nenhum drama ou trauma, porque o basquete havia evoluído no mundo inteiro. Não é à toa que ele é um dos técnicos mais importantes em tornar NBA internacional”, afirma o comunicador.

Segundo Botana, atualmente os jogadores da NBA entendem que a questão “mais importante” é que eles estão atuando “na melhor liga do mundo, que acontece nos Estados Unidos”. “A ideia de que os melhores jogadores são dos Estados Unidos ficou um pouco para trás. Nem os jogadores norte-americanos conseguem contestar muito isso”.

“Nenhum jogador americano fala ‘o Antetokounmpo está roubando meu emprego’. A meritocracia no esporte é muito forte. Eles reconhecem que se os estrangeiros estão lá, é porque jogam melhor”, afirma.

Internacionalização da NBA muda o jogo

Devido à alta presença de jogadores estrangeiros no time, o estilo de jogo do Spurs, por exemplo, mudou. “Era considerado muitas vezes bastante europeu, porque era menos focado no basquete individual, mano a mano. Era mais coletivo, muitos passes, os reservas participavam bastante”, explica Botana.

Para ele, que também é comentarista do canal da NBA no Brasil, que faz a transmissão dos jogos no país, essa interação “é uma relação bonita porque houve mudança para os dois lados”.

“Os jogadores da Europa assistem a NBA, então são influenciados por isso. Mas eles são treinados de forma diferente durante a infância, segundo uma visão de lá, que o jogador não deveria ter uma posição fixa até atingir sua altura máxima. Então você não pega a criança mais alta e treina ela para ser pivô. Você treina ela nos mesmos fundamentos que todos os atletas. Se ela crescer muito, vira pivô”, explica, ao adicionar que nos Estados Unidos é “completamente diferente” porque os torneios infanto-juvenis visam uma vitória imediata porque têm financiamento e servem para dar visibilidade aos jovens atletas.

Nessa comparação, para Silvestre os jogadores mais altos da Europa, que normalmente atuam como pivôs, e que vão jogar nos Estados Unidos, são muito diferentes dos jogadores mais altos norte-americanos. Uma vez que na Europa é um jogo “muito mais completo, os pivôs dos Estados Unidos começam a parecer ultrapassados”.

Diante dessa impressão, os atletas norte-americanos precisam treinar e jogar de uma forma diferente. “Acho que é essa a principal influência do basquete europeu nos Estados Unidos, no basquete da NBA”, resume.

Já Botana conclui que, atualmente, essas trocas entre atletas e inclusive entre equipes técnicas – com contratação de treinadores estrangeiros, como o finlandês Tuomas Iisalo, que assumiu recentemente o Memphis Grizzlies – tornaram o basquete “muito mais unido e homogêneo” do que era na década de 1990, por exemplo.

O canadense Shai Gilgeous-Alexander é o Jogador Mais Valioso (MVP) da temporada regular de 24/25 da NBA
okcthunder/Instagram

Apesar da abertura, Dream Team venceu em 2008 com patriotismo

Mesmo com as mudanças realizadas em 1992, o Dream Team teve sua pior campanha nas Olimpíadas de Atenas, em 2004. Porto Rico venceu a Seleção dos Estados Unidos com a maior vantagem da história, por 92 a 73, a Lituânia venceu na fase de grupos e a Argentina na semifinal.

O documentário Time da Redenção explica que a ausência de estrelas como Kobe Bryant e Shaquille O’Neal, que se recusaram a disputar a competição tão perto do Oriente Médio apenas alguns anos após o atentado de 2001, e que atletas que atualmente são excepcionais, como Lebron James, eram muito novos, levou à má performance do time.

Então, para as Olimpíadas de 2008, em Pequim, a seleção norte-americana voltou diferente. Chamados de “Redeem Team” (Time da Redenção) tiveram além de treinamentos intensos como seleção um ingrediente diferencial: o patriotismo.

A equipe teve Mike Krzyzewski, conhecido como “Coach K”, como técnico. O responsável por liderar o time de volta ao ouro olímpico passou pelo exército norte-americano não apenas como atleta de basquete, mas também em serviço militar por cinco anos, entre 1969 e 1974.

A influência levou o Coach K a incentivar seus jogadores com discursos além dos usuais, com palestras de membros das Forças Armadas dos Estados Unidos e acompanhamentos de soldados que foram mutilados em guerra pelo país.

Por outro lado, apesar do patriotismo ter sido excessivamente presente na receita da vitória norte-americana, o que parece ter sido realmente efetivo foi justamente treinamento e integração dos atletas que nas quadras da NBA eram adversários, mas na seleção, parceiros.

“Não é tão fácil assim apelar para patriotismo para que os atletas aceitem a convocação para a seleção. Eles estão muito cansados, a temporada regular da NBA é muito longa”, conta Silvestre. Então, foi criado uma ideia que o treino para os atletas da seleção fazia muito bem para a carreira de jogador da NBA, afirma.

“Vários jogadores voltavam dessa passagem pelas Olimpíadas ou pelo campeonato mundial e tinham grandes atuações porque tinham melhorado o seu arremesso ou alguma condição física. Então virou um boca-a-boca entre os jogadores da NBA de que era bom para a carreira”.

Como marca, a NBA quer ser global

Silvestre considera que, apesar da visão patriótica do esporte nos Estados Unidos, a NBA pode ser considerada como a grande responsável pela internacionalização do basquete norte-americano. “É um plano da NBA”, acrescenta.

“Faz parte de um plano de longo prazo do antigo comissário [principal diretor executivo] da NBA, que era o David Stern, que desde os anos 80 falava que a liga precisava ser globalizada, e foi continuado pelo atual, que é o Adam Silver. Ele é bastante fã do futebol europeu e quer que a NBA seja para o basquete o que a Champions League é para o futebol europeu”, afirma.

Por trás dessa correspondência, a autoridade da liga quer que NBA seja “sinônimo de elite”: “os melhores estão aqui, é o melhor campeonato do mundo”, afirma Silvestre, ao explicar que mesmo que as pessoas que não nasceram na Europa, assistem ao campeonato de futebol “porque o nível é muito alto” e há uma internacionalização do esporte, uma vez que os membros da equipe vêm de diferentes países do mundo.

Botana lembra que há mais de 25 anos a NBA tenta se vender como uma liga global, e esse interesse deriva, inclusive, por questões de mercado. “É difícil para a NBA roubar um espaço nos Estados Unidos que pertence à liga de futebol americano, a NFL. E eles enxergam que esse mercado para eles está no resto do mundo, porque o resto do mundo conhece e ama basquete”, diferentemente do futebol americano.

Ambos os comunicadores, que apresentam juntos o podcast “Bola Presa”, lembram que uma parte importante deste mercado para a NBA é justamente a China, motivo pelo qual a liga “nem quer ser associada aos Estados Unidos o tempo inteiro”.

“Isso se consolidou quando o jogador Yao Ming foi draftado em 2002. A NBA não pode abrir mão do mercado chinês e ela fez um baita esforço para manter relações diretas com a China”, disse Silvestre.

Mais recentemente, essa relação foi possibilitada por Joe Tsai, dono do time Brooklyn Nets, que é um empresário nascido em Taiwan, naturalizado no Canadá, e mantém relações comerciais com a China.

De acordo com Silvestre, ele foi o responsável por intermediar a crise causada pelo compartilhamento de um post de um dirigente de time na NBA no antigo Twitter (atual X), que defendia a independência de Hong Kong, um território que Pequim defende como seu.

Após esse posicionamento, a China suspendeu a transmissão dos jogos da liga, que precisou manter um posicionamento diplomático, ao não demitir o dirigente porque criaria uma crise interna nos Estados Unidos, mas também em se justificar para o gigante asiático.

Lembrando de Cooper Flagg, o jogador branco nascido nos Estados Unidos prospecto da NBA, por exemplo, Silvestre afirma que a liga “vai se aproveitar de um jogador branco”, mas que seu mercado na China e europeu é muito mais importante do que isso.

É possível ser global sob o governo Trump?

A tendência da internacionalização da NBA com técnicos e atletas estrangeiros, jogos realizados e transmitidos em outros países, e público internacional, só cresce. Por outro lado, essa crescente ocorre em um momento em que os Estados Unidos, sob a Presidência de Donald Trump, se isola cada vez mais, sejam em medidas anti migratórias ou de protecionismo econômico.

Botana e Silvestre, no entanto, refletem como essas duas tendências se relacionam, uma vez que percorrem caminhos “completamente opostos”.

“A NBA faz jogo em Londres, Paris, na Cidade do México. Alguns times da fronteira mexicana fazem noites especiais para celebrar a cultura latina. O Phoenix Suns joga com a camisa escrita ‘Los Suns’ [nome do time em espanhol]. Eles estão buscando o contrário do Trump. A liga quer que o mundo inteiro seja seu mercado porque sabe que o que tem dentro dos Estados Unidos não é o bastante”, compara Botana.

Para além da questão de mercado da Liga, os comunicadores da NBA no Brasil refletem sobre o impacto que as restrições migratórias podem causar nos espectadores que visitam os Estados Unidos justamente para assistir aos jogos, uma vez que os atletas atraem os públicos de seus países.

“E quanto tempo precisaria para jogadores começarem a ver de outra forma? Para os atletas internacionais não quererem, por exemplo, levar sua família para os Estados Unidos? E se os jogadores estrangeiros, em especial africanos, que vão para as universidades dos Estados Unidos para depois aplicarem ao draft pensarem que não estão seguros?”, questionam.

Segundo Silvestre, é possível fazer um “paralelo” da situação com a forma que a NBA influenciou no fim da segregação racial nos Estados Unidos. “Os jogadores brancos interagiam com os jogadores negros, viam como eles eram tratados nos estabelecimentos e ficavam revoltados. Agora a gente tem um monte de jogadores dos Estados Unidos interagindo com estrangeiros o tempo inteiro. Então, você humaniza o outro. E é muito mais fácil você deportar um estrangeiro aleatório sem nome do que uma pessoa que você conhece”, finaliza.