Seu principal adversário era o tempo. Apenas algumas semanas antes de completar 42 anos, o cubano Mijaín López Núñez ganhou outra medalha de ouro na luta greco-romana (130 kg), conquista que o alçou para a categoria de verdadeira lenda olímpica viva.
Mijaín é o primeiro lutador da história a competir em seis Jogos Olímpicos. Mas, acima de tudo, ele é o primeiro atleta a ganhar cinco medalhas de ouro consecutivas em modalidade individual. Uma emotiva vitória no estádio Champ de Mars que estabelece novo recorde histórico.
Nunca ninguém havia conseguido tal proeza. Até o momento, um quarteto de lendários atletas, os norte-americanos Michael Phelps (natação), Carl Lewis (salto em distância) e Alfred Oerter (lançamento de disco), e o dinamarquês Paul Elvstrom (vela), ocupavam o restrito panteão dos que conquistaram quatro vitórias consecutivas.
Mas o “Gigante de Herradura”, como é chamado em referência à sua cidade natal, ofuscou essas conquistas, dando a Cuba um novo recorde histórico.
“Dedico esta vitória para todos os seres humanos que contribuíram para meus triunfos e ao fato de Mijaín ter se mantido por tantos anos, a todos aqueles jovens que me inspiraram. Sinto-me feliz, feliz por ser cubano e por ter carregado a bandeira cubana tantas vezes e por ter dado esta medalha à delegação”, disse a voz emocionada e calma de Mijaín ao falar com a imprensa.
“Já entreguei as armas, os tênis vitoriosos”
Todos os adversários do “Terrível” Mijaín eram consideravelmente mais jovens. No entanto, nem o sul-coreano Lee Seungchan (28 anos), o iraniano Amin Mirzazadeh (26 anos), ou o azerbaijano Sabah Shariati (35 anos) conseguiram impedi-lo de chegar até a final.
Dias antes do início dos Jogos Olímpicos, a revista Sports Illustrated, uma das fontes mais consultadas no mundo esportivo, havia prognosticado medalha de bronze para o atleta cubano. Mas a imprensa duvidou da previsão modesta, argumentando que sua idade, os bons resultados de seus oponentes e os anos que haviam se passado sem que ele competisse em uma luta de alto nível tornariam praticamente impossível para Mijaín conquistar uma nova medalha de ouro.
Coisa de cinema
Mas nenhum desses argumentos convenceu os cubanos na ilha. “É impossível que Mijaín não vença”, respondiam todos na hora da final, enquanto dezenas de cubanos se reuniam nas proximidades do emblemático Cinema Yara, localizado em uma área central de Havana, que abriu – como outros cinemas do país – suas portas para que as pessoas pudessem assistir gratuitamente às várias competições olímpicas.
A final foi contra Yasmani Acosta (36), um cubano naturalizado chileno que em várias ocasiões expressou sua admiração por Mijaín. Nunca antes dois lutadores cubanos tinham se enfrentado por um título olímpico.
Ambos treinaram juntos por anos. Nativo da cidade cubana de Matanzas, Yasmani Acosta foi o primeiro em sua categoria juvenil. A conquista permitiu que ele começasse a treinar na equipe nacional, onde Mijaín já ocupava um lugar de destaque.
Em 2015, após o Campeonato Pan-Americano de Wrestling em Santiago do Chile, Acosta decidiu deixar a equipe cubana. Em diferentes ocasiões, ele declarou que essa decisão foi motivada, em parte, pelo fato de que Mijaín na equipe eclipsava sua participação em campeonatos mundiais e nos Jogos Olímpicos.
Os dois chegaram à final, sem que Acosta deixasse de expressar sua admiração por El Gigante de Herradura.
Na luta, Mijaín não se permitiu perder um único ponto. Durante o primeiro round, levou vantagem de 3 a 0. A euforia em Cuba foi impressionante. Gritos e aplausos podiam ser ouvidos nas ruas, enquanto os sorrisos se estampavam nos rostos. Mijaín parecia uma espécie de pedra imóvel. Finalmente, com toda a sua técnica e força, a vitória veio com um 6 a 0 sobre o representante da bandeira sul-americana.
A imagem ficará na história das Olimpíadas. Em meio aos aplausos, com os olhos marejados, em meio às lágrimas de seu treinador – a quem ele chama de seu “segundo pai” – , Mijaín se ajoelhou no centro do tatame, se inclinou e o beijou, deixando seu tênis preto no centro da cena.
Foi sua despedida da luta. “Eu senti um vazio. Acho que isso foi quando eu entreguei as armas, os tênis vitoriosos, aqueles que me trouxeram este resultado. Eles ficaram onde deveriam ficar, no colchão como campeões. Abençoados sejam eles”, disse emocionado à imprensa.
Enchendo Herradura (e toda Cuba) de glória
Mijaín López Núñez nasceu em 20 de agosto de 1982, no pequeno povoado de Herradura, província cubana de Pinar del Río. Dedicada ao trabalho camponês, Herradura é um vilarejo tão pequeno que nem sempre aparece nos mapas.
Ele é filho de Leonor Núñez e Bartolo López, recentemente falecido. “Meu pai não está aqui, mas está sempre presente. Pela primeira vez, lutei sem ele e é claro que dedico essa medalha a ele. É um sonho que ele estava esperando e não pôde vê-lo se tornar realidade, mas deixou o melhor do mundo na Terra”, disse Mijaín entre lágrimas ao final da luta que o tornou pentacampeão.
Quando criança, como milhões de cubanos, seu primeiro amor foi o beisebol. No entanto, aos 10 anos de idade, fez suas primeiras lutas, onde a constituição física e a grande altura o destacaram. O amplo sistema esportivo de Cuba permite que crianças de todos os cantos do país treinem e se dediquem ao esporte gratuitamente.
Aos 20 anos, teve sua primeira competição importante: o Campeonato Mundial de 2002. Naquela ocasião, ficou em 13º lugar na categoria de 120 kg. Dois anos depois, iniciaria carreira olímpica.
Exatamente 20 anos atrás, em Atenas 2004, teve sua primeira grande chance. O primeiro encontro desse garoto foi com Yuri Evseichik, israelense de origem ucraniana que havia conquistado o bronze no Campeonato Mundial de Luta de 1998 e o quarto lugar nas Olimpíadas de Sydney 2000.
Mas, em 24 de agosto de 2004, o impensável aconteceu. Aquele novato cubano chamou a atenção de todos os presentes, alcançando uma vitória impensável. O segundo atleta que enfrentou o ” Menino Terrível” de Herradura foi Yekta Yılmaz Gül, de nacionalidade turca, que também perdeu.
No entanto, a hora ainda não tinha chegado. Finalmente, havia chegado o momento de enfrentar o homem que havia sido campeão mundial de luta no ano anterior, o russo Khasan Baroyev. E Mijaín perdeu nas quartas de final. Naquela época, ninguém poderia imaginar que Baroyev seria a primeira e – única – pessoa a derrotar Mijaín Lopez em Jogos Olímpicos. Naquele ano, a medalha de ouro foi para Baroyev.
Nas Olimpíadas seguintes, ao chegar a Pequim 2008, a imprensa perguntou a Mijaín o que ele desejava ganhar. A resposta foi um sorriso, seguido de silêncio e um olhar para o técnico da equipe cubana de luta, Pedro Val, que respondeu: “Sem dúvida. Apenas o ouro será suficiente”.
Naquele ano, Mijaín foi o porta-bandeira de Cuba na cerimônia de abertura. Antes do início da competição, cheio de confiança disse: “Baroyev é meu maior adversário. O ouro será meu ou dele”. Sua previsão foi correta. Desde então, em Cuba, dizem que Mijaín sempre cumpre sua palavra.
Os dois adversários chegaram à final. Foi a primeira vez que Mijaín López ganhou uma medalha de ouro olímpica. Desde então, a história é bem conhecida. O feito se repetiu em cada uma das edições olímpicas seguintes: Londres 2012, Rio 2016, Tóquio 2020.
Ao ganhar sua quarta medalha de ouro, em Tóquio 2020, Mijaín disse: “hoje tenho que agradecer esse resultado ao nosso invicto comandante em chefe (Fidel Castro), que foi o primeiro a trazer o esporte para Cuba, e acredito que hoje somos dignos desse resultado graças a ele e graças aos esforços que ele fez para que nossa revolução seguisse em frente”. Essas foram as primeiras Olimpíadas a serem realizadas após a morte de Fidel Castro.
No final, todas as expectativas estavam voltadas para a possibilidade de ele repetir o épico em Paris 2024. Prestes a completar 42 anos, seu maior adversário era o tempo. Essa seria sua última Olimpíada. E Mijaín conseguiu.
“O legado que quero deixar para todos os jovens que me seguem é que sempre lutem pelo que desejam alcançar. Não há metas, nem idade, nem propósito na vida que você não possa alcançar. Seja sábio: seja sempre amado por todas as pessoas que o amam, por seus treinadores, por sua família. Esse será um legado muito bom, ser capaz de alcançar grandes resultados no esporte”, disse depois de se tornar uma verdadeira lenda.