A República Popular da China ganhou suas primeiras medalhas olímpicas nos Jogos de Los Angeles em 1984, alguns anos após o país retomar sua filiação ao Comitê Olímpico Internacional, em 1979.
Nas últimas sete olimpíadas, desde os Jogos Olímpicos de Sydney em 2000 até os de Paris recentemente realizados, a China se manteve entre os três primeiros colocados no ranking de medalhas. Depois da União Soviética, nenhum outro país do Sul Global havia conseguido se manter, durante tantas edições dos jogos, no topo do ranking.
Desde a primeira participação em 1952, os soviéticos disputaram nove Jogos Olímpicos, ficando em primeiro em seis deles, e em segundo nos restantes. Em Barcelona 1992, a União Soviética estava formalmente dissolvida, mas 12 dos 15 países que a integravam participaram juntas sob o nome de Equipe Unificada, e ficaram em primeiro lugar.
O alto desempenho da China não é coincidência. Pelo menos no início, o sistema nacional (举国体制 [jǔguó tǐzhì]), adotou como base a experiência das políticas da União Soviética, também nos esportes.
Um documento disponível na página da Administração Geral de Esportes da China, afirma que o “sistema de toda a nação” para os esportes competitivos “é um produto do período da economia planificada”. Sua principal característica é que o governo administra os assuntos esportivos, aloca recursos para o esporte e integra em nível nacional a gestão, treinamentos, competições e outros aspectos.
A estrutura tem três pilares: sistema de gestão centralizado por comitês esportivos em todos os níveis (nacional, provincial, etc.), o sistema de treinamento centralizado em equipes esportivas profissionais e o sistema de competição centralizado nos Jogos Nacionais.
Desenvolvimento de atletas de elite
A diretora do Centro de Desenvolvimento da Indústria Esportiva da Universidade de Tsinghua, Wang Xueli, disse ao Brasil de Fato que a seleção de atletas que acabam representando a China em campeonatos varia dependendo do esporte. Um grupo de treinadores experientes desenvolveu um modelo de campeonato para diferentes tipos de modalidades. “Por exemplo, alguns esportes escolhem crianças desde muito cedo, mas outros só o fazem na adolescência, que é o momento ideal para serem profissionais ou fazer parte da seleção nacional”, explica Wang.
Também existe critério para o desenvolvimento e aptidão física das crianças para determinados esportes. A Administração Geral de Esportes recomenda para as idades de 12 e 18 anos esportes como basquete, tênis e futebol, já que os adolescentes “estão aptos a treinamentos para aumentar a densidade óssea e a força explosiva”.
Para crianças de 5 a 7 anos, a entidade sugere esportes com menor esforço físico, como natação, devido a que o “desenvolvimento do sistema cardiovascular é mais lento do que o do sistema motor”.
Nesse modelo, o governo oferecia acomodação, alimentação, educação e um subsídio. Até a década de ‘90, esse era um dos motivos principais para as famílias de baixa renda dos meios rurais enviarem as crianças para essa formação esportiva. “Hoje já não é mais”, explica Wang. “Agora, para a maioria das famílias, se o esporte não for muito arriscado, eles vão enviar os filhos para começarem a treinar”, diz ela.
As Escolas Esportivas
A formação no esporte para atletas que seguirão a carreira é feita no sistema de escolas esportivas, em vigor desde 1955. Segundo a Administração Geral dos Esportes, em 2022, haviam 2.196 escolas do tipo, que enviaram nos últimos anos, uma média de 4 mil pessoas para equipes esportivas de destaque anualmente.
Essas escolas podem ser de nível provincial ou municipal. Elas são encarregadas de selecionar as crianças e adolescentes e oferecem ensino em geral, não apenas a formação no esporte específico. “À medida que as crianças crescem, vão começando a participar em competições de diferentes idades, se eles conseguem ficar entre os melhores, passarão para o nível superior de competição”.
Em função da idade, crianças ou adolescentes podem ser selecionadas para a seleção municipal, provincial ou a nacional. Depois, também podem ir para uma das 36 universidades ou faculdades especificamente de esportes existentes no país.
Todos os esportes têm competição nacional na China, portanto essa é outra forma de desenvolver e selecionar talentos. As formas mais recentes têm a ver com disciplinas esportivas que não fazem parte do currículo básico escolar, resultado do desenvolvimento econômico chinês.
Famílias com um poder aquisitivo maior contratam treinadores para seus filhos e filhas para esportes como golfe ou tênis. Nesses casos, o Estado entra em contato com as famílias para oferecer a possibilidade de representar a China no esporte. Esse foi o caso de Lin Xiyu, golfista chinesa que levou o bronze nestas Olimpíadas de Paris.
O foco das políticas esportivas na China
Atualmente as prioridades em relação a esportes no país são três: fortalecer a função no desenvolvimento social, integrar cada vez mais treinamento e educação esportivas no sistema educativo em geral, e promover o papel do esporte na economia do país.
Sobre a primeira área prioritária, Wang Xueli afirma que há muitas políticas de esporte para todos. Esse objetivo foi definido no Plano Nacional de Preparo Físico, do Conselho de Estado, em julho de 2021.
O plano colocou como metas ter 38,5% da população praticando exercícios de forma regular, o que significaria um aumento de 1,3 pontos percentuais em comparação com o plano quinquenal anterior.
Esse conjunto de políticas visa disponibilizar mais instalações esportivas para que todos possam ter acesso, e que não estejam a mais de 15 minutos do seu apartamento ou casa. Wang diz que “também temos muitas competições em massa para que as pessoas comuns em geral participem”.
Em 2022, a Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma, o principal órgão de planejamento econômico da China, anunciou um investimento de mais de 2 bilhões de yuans (mais R$ 1,5 bilhão) para construir 185 instalações esportivas, como parques esportivos, academias e instalações públicas para esportes ao ar livre.
No final do ano passado, o país atualizou o plano prevendo mais investimentos para a construção e melhoramento de instalações e serviços esportivos ao ar livre, voltados para a população em geral, além da criação de um sistema nacional de trilhas.
A diretora do Centro de Desenvolvimento da Indústria Esportiva da Universidade de Tsinghua afirma que o investimento na China é grande, mas não necessariamente “para financiamento de indivíduos isolados”. “Eu diria que o dinheiro do governo está sendo gasto nas atividades para o Preparo Físico para Todos, especialmente na construção de infraestruturas, de instalações esportivas e de locais de exercícios”
Em 2023, o número de espaços esportivos em todo o país chegou a 365.900, aumentando 8,7% em relação a 2022. A área esportiva per capita aumentou para 2,89 m² no país. Para comparação, em 2013, havia 12,45 locais para cada 10.000 habitantes, e a área per capita era de 1,46 m². Mesmo assim, a China considera a cifra atual baixa, em comparação com países como Japão, onde a área é de 19 m².
Esportes nas escolas e como indústria
A segunda área prioritária tem a ver com a incorporação de cada vez mais práticas esportivas variadas no dia a dia das escolas. Na última década, há uma série de políticas para promover a educação esportiva nas escolas. “Em nossas escolas normais, temos aula de exercícios físicos esportivos. Mas esse não é um treinamento esportivo profissional. Em geral, temos outro conjunto de instituições para esses esportes juvenis”
O terceiro aspecto, segundo Wang, tem a ver com a promoção do esporte no desenvolvimento econômico do país, na indústria e serviços. O conjunto de políticas aqui é focado na promoção de competições, eventos e na combinação de esportes com o turismo. A Administração Geral do Esporte prevê que a indústria esportiva pode chegar a representar 4% do PIB do país em 2035.
Uma forma em que a China vem trabalhando é a popularização de eventos de competição. “Esses eventos devem ir para cada comunidade, para os shoppings, para as áreas turísticas mais famosas”, afirma ela, que ressalta que as medalhas não são o mais importante.
“Talvez nos próximos anos, a China não continue conquistando tantas medalhas; eu não creio que as pessoas aqui se importem tanto com o número de medalhas”, diz a professora Wang, que afirma que hoje ninguém mais toma esses números tão seriamente como há algumas décadas.
“Nos importa o quanto nossos atletas se dedicaram, quanto esforço colocaram em competir e representar a nação. Isso é suficiente para nós”.