Quando a aeronave da Força Aérea Brasileira (FAB) pousou na manhã deste domingo (06/10) com o primeiro grupo de brasileiros repatriados do Líbano, uma imagem chamou a atenção da imprensa: um homem vestido de camisa verde e amarela, visivelmente emocionado, descia do avião, abraçava o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, levantava seus braços e se ajoelhava no chão.
O homem se chama Rami Rkein, um libanês naturalizado brasileiro, de 40 anos, que pensou que seu destino fosse a morte, em função de um bombardeio israelense contra a cidade onde morava, no Líbano.
“Quando chegamos no aeroporto e vimos uma bandeira do Brasil, vimos o pessoal do consulado, pensei: ‘ah, a gente não vai mais morrer’. Vi o presidente [Lula] e desabei. Não consegui conter as lágrimas”, contou.
O libanês também aproveitou para denunciar como, de fato, funcionavam as operações israelenses em seu país. De acordo com ele, “o covarde do porta-voz militar de Israel”, Avichay Adraee, apresentava um mapa apenas indicando o local onde seria atacado nos próximos “15 minutos”, sem fornecer o tempo suficiente para que as famílias pudessem fugir.
“Eu estou salvo aqui, mas minha mãe, meu pai, meu irmão, meus primos… O mundo inteiro, os libaneses, os brasileiros, todos estão lá escondidos. Embaixo da explosão, da covardia que os israelenses andam fazendo com todos nós”, relatou. “São 15 minutos para fugir de casa, e de repente bombardeiam tudo. Acabam com tudo. Que o mundo saiba que Israel e Netanyahu são terroristas, genocidas, covardes”.
Outro caso emblemático é o de George Shage, de 73 anos, que entrou na lista de prioridade para o voo de repatriação devido à idade avançada. A Opera Mundi, o libanês não apenas criticou a conduta de Israel no decorrer da guerra, como também o respaldo dos países ocidentais que seguem fornecendo auxílio bélico às forças ocupantes.
“O imperialismo norte-americano, francês, europeu, do Ocidente como um todo, está participando desse genocídio contra o Líbano, não é apenas Israel. A Inglaterra, a Alemanha, a França e a União Europeia estão ajudando esse criminoso de guerra do Netanyahu a matar crianças e mulheres”, denunciou Shage, afirmando que Israel está fazendo em seu país “o mesmo” que faz na Faixa de Gaza.
O libanês também agradeceu o governo Lula por ser um dos primeiros a manifestar uma posição enfática contra o genocídio israelense no enclave palestino.
“Não temos nada além de agradecer especialmente o presidente [Lula], o empenho dele nessa guerra suja. Foi o primeiro presidente a fazer uma classificação real: classificar de genocídio aquilo que estão fazendo”, disse.
Na chamada “Operação Raízes do Cedro”, coordenada pelos Ministérios das Relações Exteriores e da Defesa, no total 228 pessoas foram trazidas ao solo brasileiro, incluindo dezenas de crianças. Ana Clara Cavalcante, de 12 anos, é uma delas.
“Meus irmãos e eu chorávamos muito. Eles jogaram bomba na nossa casa. E quebrou vidro, quebrou pedras. A gente não estava sabendo de nada, não sabia o que fazer. Nem mala a gente tinha para arrumar. Estava tudo guardado, estava tudo normal. Deixamos muitas coisas bonitas lá”, relatou a Opera Mundi.
Lula: ‘Netanyahu quer se vingar’
Após a recepção do primeiro grupo de brasileiros repatriados do Líbano, por volta das 11h (pelo horário de Brasília), na Base Aérea de São Paulo, em Guarulhos, o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva manteve uma postura dura contra o governo de Israel ao acusar o primeiro-ministro do país, Benjamin Netanyahu, de continuar promovendo “atrocidades” no Oriente Médio para “ficar no poder”.
“Vocês sabem que nós tivemos uma posição muito dura contra o ato do Hamas de invadir Tel Aviv, mas nós temos uma posição muito dura contra o comportamento do governo de Israel matando inocentes, matando mulheres, matando crianças, sem nenhum respeito pela vida humana. Que é uma forma que o premiê de Israel, Netanyahu, encontrou para ficar no poder. É se vingar dos palestinos, e agora com Beirute”, criticou o mandatário.
Vale lembrar que, em fevereiro, Lula foi considerado “persona non grata” pelo governo israelense após comparar os ataques promovidos por Tel Aviv no território palestino com o Holocausto. A declaração que gerou uma crise diplomática entre os países foi realizada durante sua viagem à Etiópia, no âmbito da cúpula da União Africana.
Já no fim de setembro, durante o discurso na Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU), em Nova York, o presidente brasileiro voltou a criticar Netanyahu afirmando que o alegado “direito de defesa” israelense havia se tornado um “direito de vingança”.
Ao lado do mandatário, a primeira-dama Janja da Silva também aproveitou o momento para dedicar uma mensagem às mulheres e crianças, que compõem a maior parte das vítimas fatais de Israel.
“O meu carinho especial para todas as mulheres e as crianças que hoje chegam ao Brasil e dizer que o nosso coração também está com as mulheres e as crianças que ficaram lá. E dizer novamente aos homens do mundo: por favor, parem de matar nossas mulheres e crianças. Parem com essa guerra. O mundo precisa de paz. Nós não precisamos de bombas e de mais mortes”, disse.
Operação Raízes do Cedro
No âmbito da escalada de conflitos no Oriente Médio, o presidente Lula recebeu, em Guarulhos, os primeiros brasileiros repatriados do Líbano, país que tem sido alvo de uma intensa campanha de ataques israelenses nos últimos dias. O primeiro voo realizado pela aeronave KC-30, da FAB, trouxe, da capital libanesa de Beirute, 228 cidadãos, incluindo crianças de colo e animais domésticos.
Após uma escala na capital portuguesa de Lisboa, o avião pousou por volta das 11h (pelo horário de Brasília) na Base Aérea de São Paulo. Dezenas de familiares aguardavam no local, relatando estarem “aliviados” com a volta de seus entes queridos.
“Muitos estão nas ruas, muitos estão nas praças, em barracas. Mas o povo libanês é um povo muito unido e solidário. Vamos conseguir vencer essa situação dramática”, disse Hicham Abouhamze, que recebeu seus sogros que tinham ido visitar os netos no Líbano, mas não conseguiram voltar devido aos ataques. “Nós sabemos que estamos lutando contra um inimigo muito cruel, muito bárbaro. É uma situação que não pode acontecer em lugar algum em pleno século 21”.
Nomeada “Raízes do Cedro”, a operação tem como objetivo trazer pelo menos 500 pessoas do Líbano semanalmente. A data do próximo voo não foi anunciada oficialmente, mas a previsão é de que ele ocorra no decorrer da próxima semana.
A maior comunidade brasileira no Oriente Médio se concentra no Líbano, com cerca de 21 mil cidadãos vivendo no país. Nesse contexto, o Itamaraty relatou que, até o momento, aproximadamente 3 mil pessoas manifestaram querer deixar o local.
A princípio, a repatriação estava prevista para sexta-feira (04/10). No entanto, ela foi adiada por conta da falta de segurança para transportar os cidadãos até o aeroporto internacional da capital libanesa de Beirute, de onde a KC-30 decolaria.
Na ocasião, o Itamaraty falou sobre “medidas adicionais de segurança” que os comboios terrestres estavam precisando para se dirigir ao destino do embarque. A decisão brasileira foi tomada após o Ministério dos Transportes e Obras Públicas do Líbano alertar que, durante a madrugada daquele dia, um ataque israelense havia atingido as proximidades do aeroporto.