A jornalista e pesquisadora em comunicação política Leila Salim reside atualmente em Beirute, capital libanesa, que se tornou alvo de constantes ataques do Exército de Israel. Os bombardeios que se intensificaram nas duas últimas semanas comprovam, para ela, o “nível de perversão israelense”, uma vez que eles atingem áreas majoritariamente civis e densamente povoadas da cidade.
Salim mora na capital do Líbano há cerca de um ano, mais especificamente a sete quilômetros do subúrbio de Dahieh, no sul, onde o líder supremo do Hezbollah, Hassan Nasrallah, foi assassinado em 27 de setembro.
“São cerca de 700 mil pessoas que estão sendo atacadas sistematicamente, e o Exército israelense faz anúncios pelo Twitter (atual X) através do porta-voz para a língua árabe cerca de 30 minutos antes dos ataques. Supõe-se óbvio que não é possível que a população vai passar a madrugada inteira no Twitter com as notificações ativadas”, disse a brasileira com exclusividade a Opera Mundi.
A jornalista chamou atenção para o que classificou como “uma carnificina da população civil no Líbano”, afirmando que as pessoas estão com medo de sair às ruas e “qualquer coisa explodir a qualquer momento”. Isso por que, as explosões de pagers e walkie-talkies articuladas por Israel geraram pânico no Líbano, incluindo em locais comumente frequentados pela população civil, como supermercados, escolas, ou até mesmo dentro das residências.
Salim contou um cenário “de grande diferença” em bairros conhecidos por serem mais movimentados. Segundo ela, muitas cafeterias, restaurantes, bares e centros culturais até tentaram resistir e permanecer abertos nas duas últimas semanas após as explosões dos dispositivos de comunicação. No entanto, isso não foi possível.
“Na sexta-feira à noite, após o bombardeio de Dahieh, eu desci no final da noite para comer alguma coisa e a rua era uma melancolia imensa. Quase tudo fechado. Tinha uma lanchonete aberta que numa sexta à noite, em geral, a rua ficava lotada, super vibrante, com música, e era um cenário mesmo daquelas cenas de cidade fantasma, de guerra”, disse.
De acordo com a pesquisadora, as expectativas de um cessar-fogo no Líbano estão “fadadas ao fracasso”. Na sua avaliação, há uma grande contradição nos discursos apresentados na Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU), recentemente realizada em Nova York, até mesmo nas declarações que os governos fazem sobre esforços pela paz. Os Estados Unidos, principal aliado de Israel, por exemplo, seguem aprovando pacotes militares para financiar a guerra promovida pelo regime sionista na Faixa de Gaza e, agora, no Líbano.
“Os ataques são contra todo o povo libanês, contra os refugiados que vivem aqui. São aproximadamente mais de um milhão e meio de refugiados sírios. Muitos refugiados palestinos também. Teve um campo de refugiados palestino que foi bombardeado nesta semana. Existem áreas de refugiados palestinos também no sul do Líbano e que estão sendo alvos desses ataques bárbaros do Exército israelense”, denunciou.
Segundo estimativas do governo libanês, mais de um milhão de habitantes no país estão desalojados. A população total do Líbano é composta por cerca de 5,4 milhões de pessoas.
Bombardeios são uma nova realidade
A primeira viagem de Salim ao Líbano foi em 2022. Porém, foi só em 2023 que a pesquisadora se fixou no país, tendo algumas vindas ao Brasil em visitas à família. A Opera Mundi, contou que foi principalmente no mês de outubro do ano passado, quando o Hamas lançou sua primeira ofensiva contra o norte israelense em apoio à libertação da Palestina, que sentiu, de fato, um aumento expressivo de tensões na região.
Entre momentos mais intensos, e outros menos, foi no final de julho que o cenário agravou: quando o chefe militar do Hezbollah, Fuad Shukr, foi assassinado por um ataque atribuído a Israel. Salim disse que, dias depois dessa morte, pela primeira vez sentiu uma quebra de barreira de som decorrente de uma ofensiva aérea israelense.
“Estava em casa trabalhando, aí foram três explosões altíssimas. Essa invasão de espaço aéreo e quebra de barreira de som se dá quando os jatos israelenses entram numa velocidade muito alta e ultrapassam uma barreira que gera uma explosão sonora. Tremeu tudo. Treme porta, janela, é um barulho muito grande. Eu nunca tinha sentido algo assim tão perto de mim. Aí fui para o chão, tentei me proteger, proteger minha cabeça. A gente tem que ficar longe do vidro, porque pode estilhaçar”, disse.
Libaneses celebraram ataque iraniano
Questionada sobre a reação da população após o ataque de mísseis na terça-feira (01/10) reivindicado pela Guarda Revolucionária Islâmica do Irã (IRGC, por sua sigla em inglês), a jornalista afirmou ter presenciado nas ruas do Líbano “traçantes passando de baixo para cima”, que logo ficou sabendo que se tratavam de tiros para o alto em celebração à ofensiva contra Israel.
“Existia uma sensação de que era uma resposta necessária e uma ação de resistência, sobretudo, entre os segmentos que compõem a base de apoio do Hezbollah no Líbano, que não é pequena”, afirmou.
Segundo a pesquisadora, nas últimas semanas, havia um sentimento crescente de frustração na base de apoio da capacidade militar do Hezbollah em decorrência de uma falta de um respaldo “mais concreto” do Irã. Nesse sentido, o ataque de mísseis teria revertido essa “frustração”.