Ahed Tamimi foi presa este mês na Cisjordânia pelas forças repressoras de Israel, é curioso pensar que aqueles que estão armados até os dentes têm medo daqueles que podem dizer a verdade. Jovens militantes, pensadores e escritores sempre estiveram na vanguarda da resistência à opressão e os opressores sionistas sempre os consideraram alvos de alto risco para o sistema.
Rosto da revolução palestina, ela foi detida pela primeira vez em 2017 por desafiar a ocupação israelense e empurrar um soldado fortemente armado. Ficou encarcerada por oito meses, que apenas reforçou a sua determinação.
Ahed Tamimi cresceu em uma pequena cidade na Cisjordânia chamada Nabi Saleh, Ahed era a segunda de quatro filhos e a única menina. Fica a 25 minutos de carro a noroeste de Ramallah, a cidade vibrante e em expansão que foi um centro cultural e comercial dos palestinos. Nabi Saleh, por outro lado, é pequena e simples. Com uma escola, uma mesquita, um pequeno mercado e um posto de gasolina. Os 600 moradores são todos parentes por sangue ou casamento, parte da família Tamimi. Os colegas da escola e amigos também eram os seus primos. Tamimi vem de uma comunidade muito unida onde todos cuidam uns dos outros, e tem sido assim há centenas de anos.
À primeira vista, Nabi Saleh parece ser um lugar pacífico. É um vilarejo tranquilo, idílico, com colinas intermináveis ao horizonte repletas de oliveiras entre as quais cavalos selvagens e burros costumam passear. As crianças brincavam livremente ao ar livre, correndo de casa em casa, geralmente encontrando um adulto acolhedor para encher sua barriga com uma bela refeição.
Mas as primeiras impressões não contam toda a história. Para isso, você precisa olhar para o outro lado da estrada principal de Nabi Saleh, para a colina do outro lado do vale. Lá fica o assentamento judeu israelense de Halamish, um condomínio fechado com casas de telhado vermelho bem arrumadas, gramados bem cuidados, playgrounds e uma piscina. Mas Halamish nem sempre esteve lá, a colônia foi estabelecida ilegalmente nas terras de Nabi Saleh em 1977. É uma das centenas de assentamentos israelenses construídos em terras palestinas, violando a lei internacional.
Esses assentamentos são essencialmente colônias judaicas israelenses e continuam a se multiplicar às custas da população palestina nativa. Ao longo dos anos, há uma expansão progressiva de Halamish, com seus colonos confiscando mais da terra natal de Tamimi e os recursos naturais com a total aprovação do Estado de Israel. Israel instalou uma base militar bem ao lado do assentamento para proteger seus residentes e tornar a vida dos Tamimi um inferno.
Mas Nabi Saleh é apenas um pequeno território da Palestina. Durante o último século, o povo palestino tem lutado contra os esforços sionistas para tomar cada vez mais de sua terra. Israel conquistou ainda mais terras palestinas na Guerra Árabe-Israelense de 1967. Depois de derrotar rapidamente os exércitos árabes vizinhos em questão de dias, Israel iniciou uma ocupação militar dos territórios palestinos que, até hoje, não tem fim à vista com a explosão da guerra no dia 07 de outubro. O seu pai, Bassem, era um garoto em 1977, quando os colonos judeus chegaram e começaram a construir nas terras de sua pequena aldeia, mas ele também se juntou ao esforço para proteger Nabi Saleh do roubo e da colonização. Ele foi atingido por gás lacrimogêneo pela primeira vez antes mesmo de completar dez anos.
Mas isso não o impediu de dedicar sua vida ao ativismo na esperança de libertar a Palestina – algo pelo qual ele pagou um preço alto por isso. Entre 1988 e 2013, Israel o prendeu nove vezes, e a maioria das sentenças que ele cumpriu foi sob “detenção administrativa”. Israel usa essa designação para prender palestinos por até seis meses sem ter do que acusá-los ou julgá-los. Logo se vê, que a referência de lutar contra a opressão usando a voz dos que vem de baixo, Tamimi encontrou em casa.
Crescer sob uma ocupação militar estrangeira significa viver sob a ameaça constante de violência sancionada pelo Estado. Ahed Tamimi, sempre viveu com a total ausência de liberdade, que é o caso de mais de cinco milhões de palestinos nos territórios ocupados atualmente. Como milhares de palestinos, Ahed Tamimi não têm quaisquer direitos políticos no Estado que controla todos os aspectos de suas vidas. Presos à incapacidade de planejar o próprio futuro, de viajar livremente ou até mesmo de se deslocarem em seus territórios de cidade em cidade, tendo de atravessar pontos de controle militares. Todos os direitos e liberdades básicos que você pode considerar garantidos em uma sociedade civil simplesmente não existem quando se vive sob ocupação militar. Não é uma vida fácil e, ainda assim, é a única que Ahed Tamimi conhece, ainda assim, ela fez com que sua voz fosse ouvida, temida e se tornou símbolo de resistência.
Tamimi estreou nos holofotes internacionais pela sua coragem. Era uma sexta-feira e, como de costume, mais uma manifestação da população local contra a ocupação israelense estava em andamento. Tamimi observava ao longe ao lado de sua mãe que gravava o protesto com uma simples câmera para divulgar ao B’Tselem. Quando de repente, ela diz que “parece que eles pegaram alguém”, e aproximou a lente da câmera o máximo que pôde para decifrar quem era e um rosto familiar apareceu. “É o Waed!”, exclamou ela.
Sem pensar, a adolesce Tamimi desceu a colina de onde observava, correndo em direção ao seu irmão mais velho, a quem era tão apegada e confidente. Como um raio, Ahed chegou até a rua principal para salvar o seu irmão. Para ela, já era difícil o suficiente o fato de seu pai já estar na prisão. Em uma onda de raiva tomou conta daquela criança, ela se aproximou de um dos soldados e levantou seu punho punho cerrado contra ele.
Beata Zawrzel/NurPhoto
Arte de rua com retrato da ativista palestino Ahed Tamimi é vista no muro de separação israelense em Belém em 28 de dezembro de 2022
Uma pequena criança, Ahed enfrentou soldados fortemente armados que se erguiam sobre ela. Descobriu-se que, ao prender Waed, os soldados o espancaram duramente. Ele ficou preso por cinco dias. O juiz do tribunal militar o libertou depois de ver que ele estava coberto de hematomas e com o rosto inchado. Enquanto isso, seu confronto com os soldados, que havia sido filmado, se tornou viral na Internet. Pessoas de todo o mundo foram cativadas pela imagem de uma menina palestina pequena brandindo seus pequenos punhos contra soldados israelenses fortemente armados, pelo menos dois metros mais altos do que ela.
A imagem de Tamimi enfrentando o exército rendeu um convite para a Turquia, recepcionada por um grande público animado por sua chegada, Ahed iria receber uma homenagem com o prêmio Handala Courage Award pelo Município de Başakşehir. Na noite da cerimônia, ela recebeu seu prêmio vestida com um thobe bordado em vermelho e preto, uma vestimenta tradicional palestina, com um Keffiyeh enrolado em seu pescoço.
Dali em diante, Tamimi não seria esquecida pelos olhos do mundo e continuou sendo destaque na luta em defesa da Palestina. Sua família foi acusada de encenar esses confrontos e fingir tudo para levantar simpatia do público. Alguns críticos sionistas até alegaram que Ahed Tamimi e sua família eram atores pagos em uma indústria que eles apelidaram de “Pallywood”. Eles a chamavam de “Shirley Temper”,e nas redes sociais, alguns israelenses a chamaram de terrorista e incitaram outros a encontrá-la e matá-la. Outras vezes, durante as manifestações em Nabi Saleh, os soldados gritavam seu nome e diziam: “Vejam! É a Ahed Tamimi! Atirem! Atirem nela!”.
Em 2017, com 17 anos, ela foi presa sem motivo oficial, mas, segundo o pai da jovem, a detenção veio após vídeo em que ela enfrenta novamente forças de Israel viralizar. Em 2012, ela foi personagem de uma reportagem de Opera Mundi, quando apareceu desafiando, de punho em riste, um soldado de Israel. Marina Nasser, contou a Opera Mundi, que na época era de grande espanto uma criança, ter tamanha coragem, e acrescentou que naquele momento, como repórter, enxergou os sonhos de uma criança em ser livre. Este ano, no dia 06 de novembro, Tamimi foi presa pelas forças israelenses novamente, desta vez com 22 anos.
O motivo da prisão, conforme comunicado divulgado por Israel, é “incitação ao terrorismo”. Sua prisão em 2017, veio após um tapa que deu contra um soldado em resposta aos ferimentos causados a sua prima. Dias depois do incidente da bofetada, os militares invadiram a sua casa e a prenderam. Pouco depois, prenderam a mãe dela e outra prima. Contudo, essas repressões não a fizeram recuar e ao ser liberta, Tamimi levanta o seu rosto em voz firme, denunciando os abusos cometidos por Israel.
A história de Ahed chamou a atenção para a situação das crianças palestinas detidas em prisões militares israelenses – a esmagadora maioria delas por causa de incidentes de lançamento de pedras ou de participação em protestos – e para os falsos processos judiciais, abusos e interrogatórios cheios de ameaças, e para as confissões extraídas sob tortura a que estão sujeitos.
Os políticos de direita israelenses e racistas nacionalistas consideram as suas ações como humilhantes para o exército nos territórios ocupados, mas ela também se tornou uma inspiração para israelenses de esquerda que ainda protestam contra a ocupação. Na época da sua primeira prisão, dezenas de deputados britânicos expressaram preocupação com a prisão de Tamimi e assinaram uma carta pedindo a sua libertação.
O Grande Imã de Al-Azhar do Egito, Xeque Ahmed Al-Tayeb, também denunciou a sua prisão na época e elogiou a coragem da jovem. Em 2017 o exército de ocupação israelense declarou a aldeia de Nabi Saleh, na área de Ramallah, como uma zona militar fechada, numa tentativa de reprimir uma manifestação e punir coletivamente os que apoiavam a família Tamimi e a liberdade de Ahed.
Ahed Tamimi viajou o mundo, denunciando o regime de apartheid israelense e demonstrando força diante dos que tentavam quebrar o seu espírito. Na atual guerra que estourou no dia 07 de outubro, Tamimi foi uma das reféns de Israel e foi libertada no acordo de trégua entre Israel e Hamas, Tamimi, visivelmente abalada diante das câmeras, ainda tinha forças para denunciar os abusos cometidos em prisões de Israel.