Brasil pede que Tribunal de Haia declare ilegal bloqueio de Israel a Gaza
Embaixador brasileiro na Corte Internacional de Justiça afirmou que medidas de Tel Aviv contra região ‘violam flagrantemente’ direito palestino à autodeterminação e direito internacional
O Brasil solicitou à Corte Internacional de Justiça (CJI), principal tribunal da Organização das Nações Unidas (ONU), em Haia, nesta terça-feira (29/04), que declare ilegal o bloqueio imposto por Israel contra a entrada de ajuda humanitária na Faixa de Gaza, que já dura mais de 50 dias.
“O Brasil sustenta e espera que o tribunal reconheça que todas as medidas sistematicamente adotadas por Israel para impedir ou dificultar a presença e as atividades das Nações Unidas, de outras organizações internacionais e de terceiros Estados no território palestino ocupado violam flagrantemente não apenas o direito palestino à autodeterminação, mas também outras obrigações fundamentais previstas no direito internacional”, afirmou o embaixador do Brasil na CIJ, Marcelo Viegas.
Com início na última segunda-feira (28/04), a CIJ realiza durante esta semana audiências sobre as obrigações de Israel para “garantir e facilitar a entrada sem obstáculos de suprimentos urgentes essenciais para a sobrevivência da população civil palestina”, como pede a ação movida pela Assembleia Geral da ONU à Corte.
O representante brasileiro alegou que não há razão para o tribunal não se manifestar sobre o tema e sustentou que Israel não poderia se negar a cumprir as obrigações previstas na legislação internacional.
“Como potência ocupante [dos territórios palestinos] e como membro das Nações Unidas, Israel é obrigado a facilitar e viabilizar as operações da ONU na região. Não pode interferir ou obstruir o exercício deste mandato, que foi estabelecido pela Assembleia Geral”, justificou Viegas.
O representante do Brasil na CIJ criticou ainda as leis aprovadas em Israel que proibiram as atividades da Agência da ONU para os Refugiados Palestinos (UNRWA), lembrando que a instituição é “a espinha dorsal das operações humanitárias da ONU em favor dos refugiados palestinos”, fornecendo educação, atendimento médico, serviços sociais e assistência emergencial para mais de seis milhões de pessoas.
“Sua presença e trabalho são ainda mais urgentes no atual contexto de destruição quase total em Gaza, onde atende a mais de 2 milhões de pessoas. Ressaltamos que isso constitui uma flagrante violação do direito internacional”, completou.
Outros países latino-americanos, como Chile, Colômbia e Bolívia também se pronunciaram nesta terça-feira na CIJ contra o bloqueio de ajuda humanitária na Faixa de Gaza. Representantes da Bélgica, da Arábia Saudita, da Argélia e da África do Sul também se manifestaram sobre o caso, reforçando que Israel tem obrigações em relação à entrada de ajuda humanitária em Gaza.
Israel
Por sua vez, Israel informou que não enviará representante para o tribunal, acusando-o de perseguição. Além disso, o governo do primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, acusa a UNRWA de colaborar com o Hamas e participar do dia 7 de outubro de 2023, quando o grupo invadiu cidades israelenses no sul do país. Porém, quando solicitadas provas por investigação independente, o governo de Tel Aviv não as apresentou.
Assim, a administração Netanyahu afirma que não permitirá a entrada de ajuda humanitária na Faixa de Gaza enquanto o Hamas não se render totalmente e enquanto não devolver todos os reféns ainda em poder do grupo.

UNRWA/X
Sobre o processo em Haia, o ministro israelense das Relações Exteriores, Gideon Sa’ar, acusou a ONU de perseguir Israel e voltou a sustentar que a agência das Nações Unidas para refugiados palestinos é “infestada de terroristas”.
“Este caso faz parte de uma perseguição sistemática e de deslegitimação de Israel. Estão abusando do sistema jurídico internacional e o politizando. O objetivo é privar Israel de seu direito mais básico de se defender. Não é Israel que deve ser julgado. É a ONU e a UNRWA”, destacou em coletiva a jornalistas, em Jerusalém.
Na última semana, ao comentar sobre os pedidos para permitir a entrada de ajuda humanitária em Gaza, Netanyahu afirmou que “a ajuda que vai para o Hamas não é humanitária”.
Já o Hamas afirma que havia a previsão de entregar todos os reféns feitos no dia 7 de outubro caso Israel tivesse cumprido o acordo de cessar-fogo de janeiro e desocupado a Faixa de Gaza.
Como funcionam as audiências do CIJ?
As consultas devem durar uma semana, até a próxima sexta-feira (02/05). Realizadas em Haia, são dedicadas às obrigações humanitárias de Israel para com os palestinos, mais de 50 dias após ter imposto um bloqueio abrangente à entrada de ajuda para a Faixa de Gaza devastada pela guerra.
A medida ocorre em resposta a uma resolução adotada pela Assembleia Geral da ONU em dezembro passado, por sugestão da Noruega, solicitando ao Tribunal Internacional de Justiça que emitisse um parecer consultivo descrevendo as obrigações de Israel de facilitar e garantir acesso irrestrito a suprimentos humanitários urgentes para os palestinos.
Desde 2 de março, Israel cortou completamente o fornecimento para os 2,3 milhões de moradores da Faixa de Gaza, e os alimentos estocados durante o cessar-fogo no início do ano praticamente acabaram.
Durante as audiências, 15 juízes do CIJ ouvirão as alegações dos 44 estados e quatro organizações internacionais, incluindo os Estados Unidos, China, França, Rússia e Arábia Saudita, bem como a Liga Árabe, Organização de Cooperação Islâmica e a União Africana. Cada delegação tem 30 minutos para apresentar seu parece.
O parecer consultivo da CIJ não gera qualquer obrigação prática a Israel, que segue sem cumprir diversas decisões das entidades ligadas à ONU, incluindo o Conselho de Segurança, único com previsão de poder usar a força contra outros países.
Os resultados desta semana de consultas têm apenas peso legal e político, uma vez que o
Tribunal não tem poderes de execução. Após as audiências, o Tribunal Mundial provavelmente levará vários meses para formar sua opinião. Além dessas características, as atuais consultas do CIJ não estão relacionadas à denúncia da África do Sul contra Israel por genocídio na Faixa de Gaza. Estes são casos distintos.
(*) Com Agência Brasil, Monitor do Oriente Médio, Wafa e informações da Al Jazeera
