Na tarde de quarta-feira (27/11), o seminário internacional “Racismo, Colonialismo e Genocídio na Palestina”, realizado na Universidade de São Paulo (USP) pelo Centro de Estudos Palestinos, trouxe uma discussão sobre as origens e conjuntura do antissemitismo e islamofobia em meio à guerra de Israel na Palestina.
A mesa, intitulada “O novo antissemitismo no espelho: racismo, islamofobia e censura da crítica a Israel”, contou com as contribuições de Breno Altman (fundador de Opera Mundi), Bruno Huberman (PUC-SP) e Francirosy Barbosa (USP), mediada por Isadora Szklo (Vozes Judaicas por Libertação).
Antissemitismo, da Antiguidade ao capitalismo, e o lugar do sionismo
Altman, o primeiro a falar, iniciou sua análise traçando um panorama histórico e material do antissemitismo, desde suas origens na Antiguidade até sua reconfiguração no contexto do capitalismo. O jornalista explicou que o conceito, cunhado em 1869 pelo jornalista alemão Wilhelm Marr, não se refere apenas à religião ou à raça, mas a uma base material ligada às funções econômicas desempenhadas pelos judeus desde a Antiguidade.
“Marr, um antissemita, achava que aquela história de ódio ao judeu não era científica, tinha que dar cientificidade a isso”, explicou o jornalista, destacando como a ideia de “antissemitismo” se consolidou com uma base econômica que, ao longo dos séculos, resultou em perseguições sistemáticas aos judeus.
Ele aponta que, à medida que o capitalismo foi se desenvolvendo, a burguesia autóctone não judaica passou a disputar os espaços e as funções comerciais que antes eram dominados pelos judeus. “Tudo começa a dar errado quando começa a se desenvolver o capitalismo”, afirma, explicando que a ascensão da burguesia trouxe à tona uma hostilidade crescente contra o povo, que se tornou alvo não apenas de hostilidade religiosa, mas também de um “ódio material”, baseado nas disputas econômicas.
O jornalista continuou abordando o impacto desse processo no século XX, com o Holocausto representando o “ápice e a decadência do antissemitismo antigo”. Ele enfatizou que o sionismo, então, ao se estabelecer como movimento político, conseguiu manipular a opinião pública mundial, confundindo o sionismo com o judaísmo e dificultando a crítica ao regime de Israel.
“Os sionistas conseguiram convencer boa parte da opinião pública mundial de que sionismo e judaísmo são a mesma coisa”, concluiu Altman, afirmando que o sionismo continua a usar álibis históricos, como o antissemitismo e o Holocausto, para justificar suas ações coloniais na Palestina.
Por fim, o fundador de Opera Mundi afirma que “a luta contra o regime sionista, a luta para liquidar o regime sionista, a luta para jogar o regime sionista ao mar, ela é fundamental para libertar os judeus do antissemitismo”.
Ele reiterou que o sionismo continua a recorrer aos velhos hábitos, ao próprio antissemitismo, ao Holocausto, utilizando álibis eternos ao sionismo, enquanto, na prática, ele jamais foi uma força que confrontou o antissemitismo. “O sionismo se apropriou do antissemitismo para o seu projeto colonial na Palestina”, finalizou.
Islamofobia no Brasil hoje e os ‘eventos de gatilho’
Francirosy Barbosa, antropóloga, pesquisadora e professora no departamento de Psicologia Social no campus de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FFCLRP/USP), trouxe uma análise sobre a islamofobia, focando principalmente nas dinâmicas de discriminação enfrentadas pela comunidade muçulmana no Brasil.
A antropóloga, que professa a religião muçulmana, explicou que a islamofobia ainda é um fenômeno pouco abordado dentro das próprias comunidades afetadas.
Ela apontou que muitos muçulmanos vivem em “bolhas” e têm dificuldades em identificar a islamofobia. “A comunidade muçulmana, ao contrário do que se pensa, tem uma dificuldade muito grande de apontar a existência da islamofobia”, afirmou.
Partindo de uma pesquisa de campo realizada em 2022, Barbosa destaca que a islamofobia atinge, “em grande parte, mulheres muçulmanas que usam véu, e, na sua maioria, são revertidas ao islam”, o que, segundo ela, exclui fatores étnicos.
A pesquisadora também discute a metodologia usada em suas investigações, citando os chamados “eventos de gatilho” — situações que intensificam a islamofobia após acontecimentos como o 11 de setembro, os ataques de Paris em 2015 e, também, o que ela chama de “cobertura midiática sensacionalista”.
Tais eventos, de acordo com Barbosa, são indicadores do aumento de discriminação, crimes de ódio e preconceito contra muçulmanos. Para ilustrar, ela menciona os ataques de 7 de outubro de 2023, quando, no dia seguinte, mulheres muçulmanas já estavam sendo atacadas em aeroportos, rodoviárias, locais de trabalho e escolas.
Uma denúncia formal, e o cenário da docência solidária a Palestina hoje
O terceiro convidado, Bruno Huberman, professor de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), iniciou sua fala relatando uma denúncia de antissemitismo contra ele e outros membros do Grupo de Estudos de Conflitos Internacionais (GESI), que, desde 2016, se dedica ao estudo da Palestina e da solidariedade com a causa palestina. A denúncia, recebida pelo setor de ética da universidade, gerou um processo de esclarecimento sobre as atividades do grupo, especialmente no que diz respeito às suas críticas ao regime de Israel.
Huberman explicou que a denúncia foi baseada nas discussões do GESI sobre a Palestina, que o grupo considera uma questão colonial e um regime de apartheid. “Fui convidado para prestar esclarecimento, e a pessoa responsável pelo setor de compliance ficou constrangida quando ela descobriu que eu era judeu”, contou. Segundo ele, a confusão sobre o que constitui o antissemitismo reflete um esforço mais amplo de silenciar a crítica ao Estado de Israel nas universidades.
Ao longo de sua fala, o professor abordou o que chamou de “novo antissemitismo”, utilizado para deslegitimar qualquer solidariedade à Palestina e qualquer crítica a Israel. Ele destacou como o discurso sionista contemporâneo utiliza “os direitos humanos como máscara para carregar esse ódio”.
Para ele, o antissemitismo moderno não deve ser visto isoladamente, mas como parte das dinâmicas globais de racismo, “com o esforço de excepcionalizar Israel”, permitindo que o Estado seja tratado de forma distinta em relação a outros regimes. “Esse esforço de excepcionalizar o antissemitismo e Israel é um mecanismo para silenciar a resistência palestina”, afirmou.
Por fim, o especialista alertou para o perigo de associar a crítica ao sionismo ao antissemitismo. “O antissemitismo é usado como o último recurso de censura”, concluiu, enfatizando que, ao não julgar Israel pelos mesmos parâmetros que outros países, a crítica legítima ao regime é sistematicamente silenciada, impedindo um debate honesto sobre os direitos dos palestinos.