A organização Judias e Judeus pela Democracia SP (JJPD- SP) lançou, nesta segunda-feira (17/02), um abaixo-assinado contra a limpeza étnica na Faixa de Gaza em resposta à proposta do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Trump sugeriu, no fim do mês de janeiro e no início de fevereiro, que 1,5 milhão de palestinos deveriam deixar a região e se dirigir a países da região, como Jordânia e Egito. A sugestão foi apoiada pelo primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu.
O documento do coletivo, que recebeu a assinatura de mais de 1.200 pessoas até o momento de publicação desta reportagem, diz que não possível aceitar o deslocamento forçado dos palestinos que vivem em Gaza. O coletivo declarou também que o direito internacional “configurará” a limpeza étnica de Trump e Netanyahu como “crime contra a humanidade”.
“Nós, judias e judeus brasileiros fazemos coro aos mais de 350 rabinos, artistas e pensadores norte-americanos que se posicionaram contra o arbítrio, o desrespeito aos direitos humanos e a violação do direito internacional”, diz o texto.
O JJPD SP refere-se a um grupo de judeus dos EUA, incluindo artistas e celebridades, que publicaram um anúncio contra a limpeza étnica em um dos principais jornais do país, o New York Times, na quinta-feira (13/02).
“É imperativo que a comunidade internacional atue de maneira contundente para impedir essa violação grotesca dos direitos humanos. A história nos ensina que a inação diante do abuso pode levar a consequências devastadoras. Devemos nos unir em defesa da dignidade humana, promovendo diálogos e ações que garantam a proteção dos vulneráveis em Gaza e em todo o mundo”, afirmou a organização.
O texto também menciona que a população palestina “já sofre consequências terríveis do conflito armado entre os radicais do Hamas e da extrema-direita israelense”.
Abaixo-assinado não usa o termo “genocídio”
Breno Altman, jornalista e fundador de Opera Mundi, comentou o texto do abaixo-assinado em suas redes sociais. Altman reconheceu que a proposta do abaixo-assinado da chamada “esquerda sionista” é uma “iniciativa positiva” e também assinou o documento.
Apesar disto, fez algumas críticas. Segundo ele, o documento tem “passagens capciosas, com falsas equivalências entre colonizado e colonizador”.
A “esquerda sionista”, encabeçada pelo @jpd_sp, lançou abaixo-assinado contra a limpeza étnica na Faixa de Gaza, se contrapondo à proposta Trump-Netanyahu. O texto tem passagens capciosas, com falsas equivalências entre colonizado e colonizador, mas é uma iniciativa positiva.
— Breno Altman (@brealt) February 17, 2025
O professor de Relações Internacionais da PUC- SP Bruno Huberman tem opinião similar. “Iniciativas que busquem denunciar a colonização israelense em curso na Palestina são sempre bem vindas. Mas há fraquezas no abaixo-assinado”, afirmou a Opera Mundi.
Huberman explica que o JJPD SP surgiu para combater o bolsonarismo no Brasil e na comunidade judaica em particular, masm no contexto atual, sob o governo Lula, “é um grupo que tem como agenda principal, além de combate ao antisemitismo e fascismo, defender um tipo de estado israelense que oculta e negligencia certas perspectivas”, avalia. “Isso com o objetivo de dialogar com setores mais conservadores e reacionários da comunidade judaica”, explica.
Sobre a falta do termo “genocídio” no abaixo-assinado, o professor afirma que a palavra para classificar o que está em curso na Palestina é “incontestável”. Na sua opinião, a omissão do termo “vem com o propósito de alcançar vozes que não entendem o processo como genocídio, mas são contrárias à expulsão em massa dos palestinos”.
Huberman considera a escolha como “curiosa”, uma vez que o JJPD SP não menciona “genocídio”, mas adota o termo “limpeza étnica”, cunhado pelo historiador israelense antissionista Ilan Pappé no livro A limpeza étnica da Palestina em 1948, quando 800 mil palestinos foram expulsos de suas terras para a construção do Estado de Israel.

Coletivo declarou quo direito internacional “configurará” a limpeza étnica de Trump e Netanyahu como “crime contra a humanidade”
O professor afirma que a chamada esquerda sionista, da qual o JJPD SP faria parte, “de forma geral critica e demoniza o Ilan Pappé porque ele é muito crítico ao Estado de Israel e responsabiliza o país pela tragédia palestina”, a Nakba, em 1948.
Huberman avalia que a esquerda sionista, “que detesta o Ilan Pappé”, está se sentindo obrigada a usar o termo “limpeza étnica”. “É uma vitória do movimento judaico antissionista, que está conseguindo colocar a gramática verdadeira”, analisa a Opera Mundi. Para Huberman, “limpeza étnica” é apenas “um termo mais limpinho para genocídio”: “Quando vemos as regulamentações na diretriz da Convenção do Genocídio, entende-se que genocídio não é somente matar parte de uma uma população, mas também expulsar de forma forçada”.
O professor critica também a equalização entre as ações da resistência palestina e as do Estado de Israel. “É um esforço da esquerda sionista se colocar como os moderadores que buscam a paz contra os extremistas, colocando o Hamas e a extrema direita israelense como dois demônios iguais que precisam igualmente combatidos em nome da paz. Mas dessa forma você iguala a resistência, o Hamas, aos colonizadores”, declara. “O principal obstáculo para a paz é o estado israelense, não somente um grupo da sociedade israelense à extrema direita”.
“Falar em limpeza étnica é falar em genocídio”
Opera Mundi contatou a organização Judias e Judeus pela Democracia SP. Segundo declaração coletiva à reportagem, através de resposta por escrito, a entidade afirmou entender “que falar em limpeza étnica é uma forma de falar em genocídio”
“Como movimento, JJPD SP tem usado o termo genocídio há um tempo, não só para descrever a situação em Gaza, mas também o desgoverno brasileiro durante a pandemia, o massacre da população negra e da população indígena no Brasil”, afirmou.
A organização ainda falou sobre o uso do termo nos contextos político e jurídico: “no contexto jurídico, são poucos os casos que foram identificados como genocídios e todos foram sempre identificados anos depois das tragédias acontecerem”, de modo que “o uso político é fundamental pois acontece durante o massacre para tentar impedi-lo”.
Segunda A JJPD SP, o abaixo-assinado, além de promover a solidariedade à população palestina, pretende demonstrar a “pluralidade da comunidade judaica brasileira”. “Os setores progressistas também existem, são fortes e organizados, com quadros importantes na sociedade brasileira, a despeito da baixa representação nas instituições comunitárias”, finalizou.