Domo de Ferro e bunkers de Israel protegem judeus e expõem palestinos
De acordo com ONG árabe-judaica, proteção seletiva faz com que palestinos sejam 58% das vítimas dos ataques aéreos
O sistema aéreo de defesa e proteção contra-ataques provenientes do Irã, Gaza e Líbano é um dos principais trunfos israelenses em seus confrontos armados no Oriente Médio. Parte dessa defesa antiaérea, responsável pela interceptação de mísseis e foguetes, é chamada de Domo de Ferro.
Esse sistema ajuda a explicar, por exemplo, a pergunta feita na última sexta-feira pela jornalista Eliane Cantanhêde, da GloboNews, ao seu colega Jorge Pontual, correspondente em Nova York. Cantanhêde questionou por quê em Israel o número de mortos é significativamente menor, enquanto, entre os palestinos em Gaza, as mortes já se contam aos milhares.
O que raramente se diz, no entanto, é que o sistema de defesa antiaérea de Israel opera de forma profundamente desigual: ele oferece níveis distintos de proteção para os cidadãos judeus israelenses e para os chamados árabes israelenses – em sua maioria palestinos. Uma série de mecanismos contribui para essa disparidade, o que vem sendo demonstrado por pesquisadores e pela própria imprensa israelense.
De acordo com dados da Sikkuy-Aufoq, uma ONG árabe-judaica que atua em Israel, apesar de representarem cerca de 20% da população total de Israel, os palestinos correspondem a mais de 58% das vítimas dos ataques aéreos lançados contra o país.
Ao longo da última semana, enquanto as sirenes de ataque aéreo soavam em Tel Aviv e outras regiões de Israel, instruindo a população a buscar abrigo em bunkers, relatos de discriminação emergiram. Segundo reportagens locais, palestinos em Israel foram impedidos de acessar os espaços protegidos, em alguns casos, judeus israelenses fecharam as portas dos bunkers, impedindo que os árabes buscassem proteção durante as retaliações do Irã.
O problema, no entanto, não se resume a atitudes individuais ou a uma questão “comportamental” de discriminação racial. Trata-se de um sistema em que o acesso à proteção também segue linhas étnico-raciais.
Algumas cidades, especialmente as de maioria palestina, não contam com abrigos públicos. Enquanto Tel Aviv – com cerca de 500 mil habitantes – , possui cerca de 400 abrigos antiaéreos públicos, a cidade de Nazaré, no norte de Israel, com 78 mil habitantes majoritariamente palestinos, não possui nenhum.
Desde 1951, a legislação israelense exige que edificações residenciais e industriais tenham abrigos antiaéreos (bunkers) como parte da infraestrutura básica de proteção civil. No entanto, a construção desses espaços depende de aprovação técnica e financiamento por parte das autoridades municipais – exigências que nem sempre são viáveis nas vilas palestinas de Israel.
A ausência desses locais reflete uma faceta de desigualdade institucional e estrutural à qual os palestinos que residem no território israelense estão submetidos. Durante a pandemia da Covid-19, por exemplo, apenas 1,7% dos recursos governamentais do pacote de recuperação foram entregues às autoridades locais palestinas no país.
Seletividade da defesa aérea israelense
Jornalistas da revista independente +972 Magazine, com base em observações no norte de Israel e entrevistas com moradores locais, apontam que o Domo de Ferro, que compõe o sistema de defesa aérea Israelense, é programado para interceptar mísseis acima de vilas de maioria palestina ou permitir que os mísseis caiam diretamente sobre essas áreas, chamadas pelos locais de “open areas” (áreas abertas).

Em Tel Aviv existe cerca de 400 abrigos antiaéreos públicos
Dr. Avishai Teicher Pikiwiki Israel / Wikimedia Commons
A apuração da revista em campo revela, ainda, que o Exército israelense estaria posicionando baterias do Domo de Ferro próximas às vilas palestinas para que os estilhaços das interceptações caiam diretamente sobre elas.
“Não se trata de uma discriminação que seja ilegal (em Israel) ou contrária aos valores do Estado de Israel. A lei do Estado Nação de 2018 – uma das principais dentre um acervo de dezenas de leis discriminatórias contra palestinos com cidadania israelense – enuncia explicitamente que apenas os judeus têm direito à autodeterminação em Israel”, afirmou a Opera Mundi a advogada de direitos humanos Maíra Pinheiro.
“Palestinos com cidadania israelense têm menos direitos civis, não têm direito a reunião familiar, são presos por suas opiniões, sofrem despejos constantes. Considerando o quanto Israel é estruturalmente racista em todos os âmbitos de suas políticas, na verdade estranho seria se, em um momento de catástrofe, de repente brotasse um grande sentimento nacional de empatia e solidariedade que se traduzisse em políticas concretas de proteção com equidade”, completou ela.
Quem são os palestinos de Israel?
Cerca de 2 milhões de palestinos vivem atualmente fora da Cisjordânia e da Faixa de Gaza, mas em áreas que foram incorporadas aos limites territoriais de Israel quando da criação do Estado israelense em 1948.
Segundo o Adalah, centro jurídico para os direitos da minoria árabe em Israel, mais de 65 leis discriminam direta ou indiretamente os palestinos que vivem em território israelense.
Atualmente, a população palestina em Israel está majoritariamente concentrada em três regiões: a Galileia (no norte), o chamado Triângulo (centro norte, próximo à Cisjordânia) e o deserto do Naqab (ou Negev, no sul).

Mapa mostra áreas de maioria palestina e de maioria judaica em Israel. Ele ilustra proposta de divisão de Israel em 12 províncias, 10 judaicas e 2 árabes. Elaborado por Salman Abu Sitta, foi publicado no site The Electronic Intifada