O chefe da diplomacia do Egito está a caminho de Washington neste domingo (09/02) para discutir a crise no Oriente Médio, agravada pela proposta do presidente Donald Trump de deslocar os palestinos da Faixa de Gaza para países vizinhos. O Cairo convocou uma reunião de cúpula de urgência com líderes dos países árabes em 27 de fevereiro, depois de todos na região criticarem o plano norte-americano. Entretanto, o premiê israelense, Benjamin Netanyahu, afirmou, no sábado (08/02), que Israel “fará o trabalho” em Gaza, não os Estados Unidos.
O ministro egípcio das Relações Exteriores, Badr Abdelatty, está a caminho de Washington, onde deve se reunir nos próximos dias com funcionários do alto escalão do governo de Donald Trump e representantes do Congresso. De acordo com um comunicado do Cairo, a visita tem como objetivos fortalecer as relações bilaterais e a parceria estratégica entre Egito e Estados Unidos, e fazer “consultas sobre a situação regional” no Oriente Médio.
A cúpula no Cairo foi convocada a pedido dos palestinos, após consultas “do mais alto nível com os países árabes nos últimos dias”, disse um comunicado do Ministério das Relações Exteriores. Esses contatos foram estabelecidos em particular com o Bahrein, que atualmente preside a Liga Árabe, disse o ministério.
Trump afirmou na terça-feira (04/02) que “os Estados Unidos vão assumir o controle da Faixa de Gaza” e repetiu que seus mais de dois milhões de moradores poderiam ser transferidos para o Egito e a Jordânia, que rejeitaram categoricamente essa opção.
No entanto, na noite de sábado, em entrevista ao canal de TV norte-americano Fox News, o primeiro-ministro israelense acolheu com satisfação o plano de Trump e afirmou que Israel estava pronto para “fazer o trabalho”, no lugar dos Estados Unidos.
“Acho que a proposta do presidente Trump é a primeira ideia nova em anos e tem o potencial de mudar tudo em Gaza”, disse o israelense. Ele vê o plano da Casa Branca como uma “abordagem correta” para o futuro do território palestino. “Tudo o que Trump está dizendo é: ‘Quero abrir a porta e dar a eles a opção de se mudar temporariamente enquanto reconstruímos fisicamente o lugar'”, explicou Netanyahu. Trump “nunca disse que queria que as tropas americanas fizessem o trabalho”, ponderou, antes de acrescentar: “Adivinhe? Nós faremos o trabalho”. “O Hamas nos atacou, nós cuidaremos disso”, concluiu o israelense.

Cairo convocou uma reunião de cúpula de urgência com líderes dos países árabes em 27 de fevereiro, depois de todos na região criticarem o plano de ocupação norte-americano sobre a Faixa de Gaza
Declarações impactam negociações sobre 2ª fase da trégua em Gaza
No sábado, Netanyahu anunciou o envio de negociadores ao Catar para discutir a continuidade do frágil cessar-fogo em vigor, após a troca de três prisioneiros israelenses por 183 reféns palestinos. Nas próximas três semanas está previsto que o Hamas liberte oito corpos a Israel e nove prisioneiros, em troca de 1.200 reféns. Durante esse período, os dois lados em guerra devem concluir as condições da segunda fase da trégua, que prevê a retirada completa das tropas israelenses de Gaza. Entretanto, as negociações voltaram ao ponto morto depois do apoio escancarado de Trump a Netanyahu, cuja permanência no poder depende de partidos de extrema direita que querem a continuidade dos combates contra o Hamas.
Segundo um membro do grupo palestino, as tropas israelenses começaram a se retirar neste domingo do corredor de Netzarim, que corta a Faixa de Gaza ao meio de leste a oeste, conforme prevê a trégua em vigor.
Arábia Saudita
Os anúncios surpreendentes de Trump sobre Gaza adiam a perspectiva de normalização das relações entre Israel e a Arábia Saudita, que terá que se acomodar a Washington e, ao mesmo tempo, garantir que seus interesses na região sejam preservados, dizem especialistas. “Se ele fizer disso sua política, ele fechará a porta para o reconhecimento saudita de Israel”, disse à AFP James Dorsey, pesquisador do Instituto do Oriente Médio da Universidade Nacional de Cingapura.
Depois de se reunir com Netanyahu em Washington, Trump declarou que um acordo “seria feito” com a Arábia Saudita. Mas Anna Jacobs, do Instituto dos Estados Árabes do Golfo, disse que a abordagem de Trump “só torna a normalização entre a Arábia Saudita e Israel ainda mais difícil”.
A diplomacia saudita de fato reagiu com veemência, dizendo que descarta qualquer normalização sem a criação de um Estado palestino e descrevendo sua posição como “inabalável”. Ela também reafirmou “sua rejeição categórica” a qualquer “deslocamento forçado de palestinos”, em uma declaração divulgada logo após as declarações de Trump. A rapidez da reação foi considerada um sinal do quanto os sauditas levam a sério essa questão.
Em 2020, a Arábia Saudita iniciou negociações visando uma reaproximação com Israel em troca de um pacto de defesa com Washington e assistência americana para um programa nuclear civil. A maior economia do mundo árabe, no entanto, suspendeu as negociações após o início da guerra na Faixa de Gaza, desencadeada pelo ataque do Hamas em solo israelense em 7 de outubro de 2023.
A poderosa monarquia do Golfo “não é um Estado vassalo dos Estados Unidos”, diz Andreas Krieg, do King’s College London. “Os sauditas não seguirão apenas os ditames de Trump, eles permanecerão firmes em suas posições, prontos para negociar em certos pontos, mas com linhas vermelhas.”
“Ninguém na Arábia Saudita tem interesse em vender a causa do Estado palestino. É a última e mais importante alavanca que os sauditas têm em termos de autoridade e legitimidade no mundo árabe e muçulmano. É um ativo essencial que eles não podem simplesmente abrir mão”, disse ele.
A estabilidade regional também é essencial para que o príncipe herdeiro e governante de fato da Arábia Saudita, Mohammed bin Salman, dê continuidade a seu ambicioso plano de transformação econômica “Visão 2030”.
O Irã, principal apoiador dos grupos pró-Palestina no Oriente Médio, também tem afirmado que o plano de Trump é uma “séria ameaça” à segurança e estabilidade da região.