Segunda-feira, 9 de junho de 2025
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De carne bovina a combustíveis: entre os mais de 200 tipos de produtos que o Brasil exportou para Israel desde o início de 2023, chamam atenção itens estratégicos como aço, petróleo bruto e combustíveis – insumos essenciais para a indústria bélica israelense.

Os dados, obtidos na plataforma do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) para estatísticas do comércio exterior brasileiro, revelam que, ao lado de commodities tradicionais como café e soja, o país segue fornecendo matérias-primas críticas para o complexo industrial-militar de Israel.

Apenas em 2025, até o mês de abril, o Brasil exportou R$ 154 mil, equivalentes a 181,5 toneladas de combustível à base de petróleo ou minerais betuminosos, segundo a plataforma do MDIC. Um aumento de 309% em relação a 2024, quando o valor exportado girou em torno de 44,4 toneladas.

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O volume de petróleo cru por sua vez cresceu de 275 mil toneladas, equivalente a US$ 138 milhões, para 416 mil toneladas, cerda US$ 215 milhões, entre 2023 e 2024. Os números representam, em cada ano, menos de 0,5% do total de petróleo cru exportado pelo Brasil. Não há registros de envio deste insumo em 2025.

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“É um volume irrisório, muito pequeno para o estado e para a balança comercial do Brasil. Do ponto de vista econômico, não significa efetivamente um ganho”, afirma Mahatma Ramos, diretor do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis Zé Eduardo Dutra (Ineep), da Federação Única dos Petroleiros (FUP).

Segundo Ramos, recursos estratégicos extraídos do solo brasileiro não deveriam ter como destino Israel ou outros estados que “perpetuam e gerem máquinas de guerra, com o objetivo de extinguir e aniquilar um povo e uma cultura”.

Apenas em 2024, o Brasil exportou 89 milhões de petróleo cru para 21 países diferentes, sendo a China a campeã disparada na compra, seguida dos Estados Unidos. Isso significa que a exportação de petróleo cru para Israel representa 0,47% do total em 2024.

Na série histórica, o ano de 2022 foi um ano “atípico”, na avaliação do diretor do Ineep, quando houve um salto de 525,9% em relação ao ano anterior no envio do insumo para Israel, totalizando 1,67 milhão de toneladas. Nessa variação, 2024 mostrou um aumento de 51% com relação a 2023.

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Dados de uma pesquisa encomendada pela Oil Change International revelam que o Brasil foi responsável por 9% do total de petróleo bruto fornecido a Israel entre 21 de outubro de 2023 e 12 julho de 2024.

O diretor do Ineep explica que as exportações para Israel são feitas por empresas privadas que operam no Brasil, e não pela Petrobras. Atualmente, a composição acionária da empresa é dividida entre a União, com 50,26%, investidores brasileiros, que pussuem 8,27%, e investidores estrangeiros, com 41,47% das ações.

“Não é a estatal que realiza essas exportações, mas mesmo assim é responsabilidade do Estado brasileiro dialogar com os agentes privados e sinalizar para eles de que insumos estratégicos brasileiros não devem ter como destinação o Estado de Israel”, argumenta Mahatma Ramos.

Segundo Mahatma Ramos, do Ineep, recursos estratégicos extraídos do solo brasileiro não deveriam ter como destino Israel
Arquivo pessoal

Para ele, os agentes econômicos que exportam para Israel podem alcançar outros mercados, como os próprios Estados Unidos, a China ou outros países asiáticos.

O diretor de comunicação da FUP, Paulo Neves, também afirmou a Opera Mundi que, segundo a Petrobras em diálogo com os petroleiros da federação, a estatal não envia petróleo ou derivados a Israel.

“Fizemos uma pesquisa e segundo nossas fontes, é a Shell que está exportando óleo do Brasil para Israel”, declarou Neves.

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Ainda de acordo com ele, “não importa a quantidade e nem a forma que essa ‘energia’ tem sido exportada para Israel. O embargo é antes de tudo um ato político. Uma ação concreta contra o genocídio do povo palestino”.

Considerando as demais exportações, para além do petróleo cru, em 2024, o Brasil foi o 12º maior parceiro comercial de Israel, representando 2,1% do comércio do regime sionista.

O comércio de aço, por exemplo, movimentou ao menos R$ 1,8 milhão aos cofres brasileiros em 2025. De acordo com reportagem do The Intercept, a siderúrgica brasileira Villares Metals, do interior de São Paulo, é a responsável pelo envio de duas cargas de aço para duas fábricas israelenses de armas projetadas para uso militar: a IMI Systems e a Israel Weapon Industries (IWI).

Brasil foi responsável por 9% do total de petróleo bruto fornecido a Israel entre 21 de outubro de 2023 e 12 julho de 2024
Coletivo Vozes Judaicas

Petroleiros cobram ‘embargo energético’

Na última quarta-feira, 28 de maio, duas das maiores federações petroleiras do Brasil, Federação Nacional dos Petroleiros (FNP) e FUP, enviaram uma carta ao governo, solicitando a “supressão de suprimentos energéticos a Israel”.

O documento, endereçado ao presidente Lula e a quatro ministérios, MDIC, Relações Institucionais, Relações Exteriores e Minas e Energia, afirma que o Brasil precisa adotar “medidas práticas mais eficazes e robustas” com relação às relações diplomáticas e comerciais com Israel.

“O Brasil forneceu para Israel o petróleo bruto e refinado para operar sua frota de caças, tanques e outros veículos e operações militares, bem como as escavadeiras que atuam destruindo a infraestrutura nos campos de refugiados e cidades da Cisjordânia ocupada”, destaca a carta.

“Hoje, é evidente a necessidade de um embargo global total de energia e armas para frear o genocídio, e desmantelar o apartheid e a ocupação ilegal por Israel. Exigir a responsabilização por crimes de guerra e impor sanções não apenas como um dever moral, mas também como responsabilidade legal de todos os Estados”.

O presidente brasileiro chegou a ser considerado persona non grata por Israel em fevereiro de 2024  após chamar pela primeira vez o que ocorre em Gaza de genocídio.

Para Paulo Neves, da FUP, as declarações de Lula são importantes. Mas, “entendemos que o governo brasileiro precisa ir além. Cortando relações comerciais com Israel, especialmente nos itens que movimentam a máquina de Guerra”.

Paulo Neves, diretor de Comunicação da FUP, disse que o presidente Lula precisa ir além das críticas e tomar medidas contra Israel
Arquivo pessoal

Na América Latina, a Colômbia, grande fornecedor de carvão a Israel, anunciou a suspensão do envio do insumo para o regime sionista em junho de 2024, pouco tempo depois de anunciar o rompimento de relações diplomáticas com o país.

Dessa forma, o governo colombiano, liderado por Gustavo Petro tem aderido ao apelo do movimento Boicote, Desenvolvimento e Sanções (BDS).

Campanhas da sociedade civil em todo o mundo pedem que governos não sejam cúmplices com a ocupação militar e apartheid contra o povo palestino, conforme definição estabelecida pela Corte Internacional de Justiça (CIJ) em julho de 2024.

Ativistas no Mediterrâneo se mobilizaram em torno da demanda “#BlockTheBoat” e “No Harbour to Genocide”. No Brasil, a campanha “Brasil Abastece o Genocídio” também pede que Lula proíba as exportações de petróleo para Israel em conformidade com a Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio.

Desde 7 de outubro de 2023, a escalada dos ataques israelenses ao território palestino já resultou em mais de 54 mil mortes na Faixa de Gaza, incluindo 17 mil crianças, segundo o Ministério da Saúde local. Além disso, cerca de 14 mil pessoas estão desaparecidas ou presumidamente mortas no território.

Em 17 de março deste ano, um novo ataque massivo israelense contra palestinos em Gaza resultou na morte de 400 pessoas, incluindo 220 crianças, violando o cessar-fogo estabelecido entre as partes.

A reportagem entrou em contato com a Petrobras e com o governo federal, mas até o momento da publicação não houve manifestação sobre o tema.

 

Com informações do The Intercept.