(*) Atualizada em 07 de fevereiro, às 10h04
A viagem de um grupo de acadêmicos brasileiros a Israel, patrocinada pela sucursal brasileira da entidade sionista Stand With Us, tem repercutido negativamente entre algumas entidades ligadas ao mundo universitário e de defesa da causa palestina.
A excursão reúne um grupo de 15 pessoas, incluindo professores e coordenadores de universidades públicas e privadas de diversas regiões do país, além de figuras ligadas à organização que defende a retórica do governo de Israel.
Segundo a organização, o intuito da atividade com a delegação é dar uma “oportunidade para o fomento de ensino e pesquisa qualificados sobre Israel e o Oriente Médio no Brasil, bem como a realização de parcerias entre universidades dos dois países”.
A Stand With Us Brasil não divulgou o nome dos acadêmicos que fazem parte da delegação, apenas informou que as instituições representadas pelo grupo são: Universidade de São Paulo (USP), Universidade de Brasília (UnB), Mackenzie, Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-Minas), Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais do Rio de Janeiro (IBMEC-RJ), (Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Universidade Federal do ABC (UFABC), Universidade do Estado do Amazonas (UEA), Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab), Centro Universitário de Belo Horizonte (UniBH), Universidade Estadual de Roraima (UERR), Universidade do Vale do Rio Sinos (Unisinos), Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU), Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME) e Universidade Federal de Pelotas (UFPel).
Opera Mundi entrou em contato com as universidades listadas em busca dos docentes que, por sua vez, informaram não ter conhecimento dessa visita. Em uma delas, foi relatado que “ninguém está sabendo disso”.
A reportagem apurou que, entre os acadêmicos, está o professor Flavio Bastos, da Faculdade de Direito do Mackenzie. Em contato com a Universidade, afirmaram que o docente “está de férias” e que não havia informações a respeito de quaisquer convites formais realizados pela entidade sionista ao instituto.
Constam na viagem também Augusto Teixeira, do Departamento de Relações Internacionais da UFPB; Kessio Lemos, analista de Relações Internacionais e professor convidado na pós-graduação em Geopolítica do Mundo Contemporâneo na PUC-Minas; Samuel Feldberg, professor de Relações Internacionais com doutorado em Ciência Políticas pela USP e diretor acadêmico da StandWithUs Brasil; Jose Niemayer, coordenador do curso de graduação de Relações Internacionais do IBMEC-RJ. Alguns deles, de acordo com fontes consultadas pela reportagem, atuam na área da defesa. “Como Israel produz armas, sempre buscam gente na área de defesa”, disse, em anonimato.
A iniciativa contou com apoio do Pin For Peace, que se declara um movimento que luta contra “antissemitismo global que se intensificou após os ataques terroristas do Hamas em 7 de outubro de 2023”.
De acordo com a organização, entre os dias 2 e 9 de fevereiro, o corpo docente, que leciona cursos de Relações Internacionais, Direito, Administração, entre outros, visita centros de pesquisas e academias israelenses, como a Universidade Hebraica de Jerusalém, a Reichman University (IDC) e a Universidade de Haifa. A reportagem entrou em contato com a StandWithUs Brasil para mais informações, mas não obteve resposta até o fechamento da matéria.
Para o presidente da Federação Árabe Palestina do Brasil (Fepal), Ualid Rabah, tais viagens patrocinadas pela StandWithUs Brasil trata-se de uma “manobra” para restaurar o monopólio do sionismo em países como o Brasil, uma vez que seu público universitário, ao longo do massacre em Gaza, compôs “uma parte importante da vanguarda contra o genocídio”.
A Opera Mundi, Rabah explicou que as organizações sionistas e o próprio Estado de Israel têm estabelecido relações com as universidades por vários motivos, incluindo “roubar a inovação tecnológica” dos institutos, manter uma ligação com os cidadãos formados que “amanhã ou depois governarão os países” e, também, ter um “domínio no mundo da cultura”.
“Podemos notar que não há representantes significativos da voz acadêmica entre essas pessoas cooptadas pelas organizações sionistas no Brasil para essa visita a Israel. Mas é bom destacar também que é preciso aumentar a pressão sobre as universidades para que rompam com Israel”, afirmou ele, enfatizando que há mais universidades mantendo relações com o regime sionista e à indústria bélica que garante a ocupação da Palestina.

A entidade sionista StandWithUs reuniu acadêmicos de diversas universidades brasileiras para uma visita a Israel; André Lajst, presidente executivo da organização, está presente na foto
O presidente da Fepal afirmou a necessidade de resistência diante do lobby sionista, apontando que as universidades públicas e privadas do Brasil precisam ter relações com instituições de ensino superior, institutos tecnológicos e centros de tecnologia palestinos.
“Não adianta dizer o não ao apartheid. É preciso dizer sim à Palestina. As instituições universitárias brasileiras precisam reforçar o seu contato com as universidades palestinas”, defendeu.
Iniciativas que oferecem ‘uma visão unilateral e excludente’
Em comunicado, o coletivo Vozes Judaicas por Libertação lamentou a decisão tomada pelos acadêmicos, afirmando ser “grave” diante do genocídio em curso na Faixa de Gaza e, agora, com as intenções do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de ocupar o enclave e expulsar os palestinos de suas terras.
“A StandWithUs é uma organização conhecida por sua atuação como braço de propaganda do governo israelense. Essas delegações são projetadas para oferecer uma visão unilateral e excludente, que ignora sistematicamente as vozes palestinas sobre ocupação, colonização e graves violações de direitos humanos”, destacou o grupo.
O Vozes Judaicas por Libertação afirma ver com preocupação as iniciativas financiadas por organizações sionistas que atingem o âmbito acadêmico, uma vez que elas têm como objetivo “moldar o discurso sobre Israel e Palestina, desestimulando a pesquisa e o debate crítico sobre a ocupação, os direitos humanos e o direito internacional”.
“Esse tipo de influência compromete o compromisso ético das instituições de ensino com a produção de conhecimento crítico e plural, ao transformar espaços acadêmicos em extensões de uma narrativa de normalização da situação palestina”, explica.
O coletivo, por fim, ressalta o seu compromisso com a justiça e os direitos humanos, declarando apoio ao movimento Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS), que inclui o boicote acadêmico, que reconhece a cumplicidade das instituições educacionais que compactuam com o apartheid israelense.