A saudação realizada por Elon Musk durante a posse de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos continua causando grande repercussão, especialmente pelo fato de que algumas entidades ligadas à causa judaica têm se mostrado omissas a respeito da conotação nazista do gesto.
Em comunicado publicado nesta terça-feira (21/01), o coletivo Vozes Judaicas por Libertação criticou o fato de que “as principais entidades sionistas (do Brasil) permanecem em um silêncio constrangedor” com relação ao aceno de Musk com o braço estendido, em expressão considerada similar ao “sieg heil”, gesto utilizado pelos nazistas alemães entre os Anos 30 e 40 do Século XX, durante o regime de Adolf Hitler (1933-1945).
A nota também ironiza o fato de que o silêncio das entidades sionistas brasileiras com relação à saudação de Musk é uma “postura muito diferente da adotada para perseguir ativistas, professores e estudantes críticos a Israel, sob a fantasia de defesa da nossa comunidade”.
Vale lembrar que o aceno de Musk foi realizado na última segunda-feira (20/01) e que, no mesmo dia, o empresário Steve Bannon, outro aliado de Donald Trump, utilizou o mesmo gesto durante um evento privado, ao saudar a presença de uma delegação do partido de extrema direita Alternativa para a Alemanha (AfD, por sua sigla em alemão), que possui vínculos com correntes neonazistas.
Nesse evento encabeçado por Bannon estava presente o deputado federal brasileiro Eduardo Bolsonaro (PL-SP), filho do ex-presidente Jair Bolsonaro (2019-2022).
CONIB e Stand With Us
A nota do coletivo Vozes Judaicas pela Libertação menciona diretamente a Confederação Israelita do Brasil (Conib) como uma das entidades que “se recusam a se posicionar a favor da dignidade humana e contra a violência e a opressão” (em referência ao gesto de Musk), agregando que, devido a essa postura, elas também “não podem nos guiar para a superação do antissemitismo ou (na luta) por justiça social”.
Efetivamente, a Conib não manifestou qualquer tipo de posição oficial a respeito dos gestos de Musk e de Bannon, nem em sua página oficial, nem em suas redes sociais.
Procurada pela reportagem de Opera Mundi, a entidade não se manifestou a respeito do tema. A posição da Conib sobre o caso será reproduzida em uma atualização desta matéria assim que for recebida.
Apesar de não ter sido citada diretamente no comunicado do coletivo Vozes Judaicas por Libertação, a organização Stand With Us Brasil, que tem realizado um papel similar ao da CONIB desde outubro de 2023 – buscando tratar como “antissemitas” as pessoas cujas opiniões são críticas às políticas de Israel –, é outra entidade que não fez qualquer tipo de pronunciamento sobre o gesto de Musk. Tampouco o fizeram seu presidente André Lajst ou as contas em redes sociais da sua entidade principal, Stand With Us.
A reportagem de Opera Mundi também tentou contactar a Stand With Us Brasil para conhecer sua postura sobre o gesto feito por Musk, mas até o momento não obteve respostas. Como no caso da Conib, o texto será atualizado caso a entidade publique uma posição oficial a respeito.
Jewish Voice for Peace contra a ADL
Nos Estados Unidos, o grupo Jewish Voice for Peace (“voz judia pela paz”, em tradução livre) centrou suas críticas à postura de uma entidade sionista com sede nos Estados Unidos, a Liga Anti Difamação (ADL, por sua sigla em inglês) – que também foi mencionada no comunicado do coletivo brasileiro Vozes Judaicas por Libertação.
A ADL se posicionou sobre o caso da saudação de Elon Musk, mas para defender o bilionário dono da rede social X, ao descrever seu aceno como um “gesto estranho em um momento de entusiasmo, mas não uma saudação nazista”.

Gesto de Elon Musk durante a posse de Donald Trump causou grande repercussão por ser considerado por muitos historiadores como uma saudação de conotação nazista
“Neste momento, todos os setores devem dar um pouco de alívio uns aos outros, talvez até mesmo o benefício da dúvida, e respirar fundo. Este é um novo começo. Vamos torcer pela cura e trabalhar pela unidade nos próximos meses e anos”, justificou a ADL.
Em sua reação à declaração da ADL, o grupo Jewish Voice for Peace lembrou que “no ano passado, Musk atacou a ADL por ser um grupo judeu. Agora, a ADL o está defendendo por uma saudação nazista”.
“Ao invés de condenar o antissemitismo, a ADL o está justificando. A ADL está nos dizendo em alto e bom som: sua prioridade é proteger o governo israelense das responsabilidades, a qualquer custo”, ressalta o coletivo estudunidense, em seu comunicado.
Em Israel, o diário Haaretz, uma das publicações mais conhecidas do país, classificou o acendo de Musk como uma “saudação fascista”, e afirmou que “o establishment judaico dos Estados Unidos fracassou em seu primeiro teste no segundo mandato de Trump”.
“Esse não será o último dilema que o mundo judaico enfrentará em relação a este governo. Resta saber se ele está pronto para o desafio, mas o primeiro dia não foi um prenúncio de ação proativa no horizonte”, frisou o artigo, assinado pelo jornalista Ben Samuels, correspondente do jornal em Washington.
Ser sionista e nazista ao mesmo tempo
A reportagem de Opera Mundi conversou com Bruno Huberman, professor do curso de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), tanto sobre o gesto de Elon Musk quanto sobre a reação da comunidade judaica.
Segundo o acadêmico, “não há nenhuma dúvida de que foi um gesto nazista (de Musk). Tampouco é um gesto contraditório com a história dele (Musk), uma pessoa que nós vemos defendendo a extrema direita nas disputas eleitorais em diversos países, até mesmo na Alemanha, e que já manifestou simpatia a ideias nazistas no passado, e também a ideias antissemitas”.
“O silêncio de algumas entidades judaicas é algo que eu vejo com muita tristeza porque nos dá a medida de como o sionismo levou muitos judeus a estarem alinhados com a extrema direita contemporânea. Por nós, judeus, não sermos mais os alvos preferenciais dessa extrema direita, muitos decidiram se tornar aliados desses setores, ainda que existam coletivos, em um dos quais eu faço parte, que buscam ser uma divergência a essa postura”, comentou.
Huberman ressalta que “o sionismo tem convencido muitos judeus a defenderem movimentos racistas e supremacistas, o que contrasta com um povo que é historicamente perseguido por pessoas que defendem esses ideais. Nos tornamos aliados até de supremacistas neonazistas, como é o caso do Elon Musk”.
O acadêmico, que é doutor e mestre em Relações Internacionais, lembra que o Brasil tem um histórico sobre esse alinhamento de entidades judaicas sionistas com setores de extrema direita. “Nós vimos muito disso durante o governo do Jair Bolsonaro (2019-2022), um período no qual vimos várias expressões de apologia ao nazismo por parte de figuras do governo, mas as entidades judaicas preferiam defendê-lo, com a desculpa de que era um presidente pró-Israel”, analisou.
“O problema é que o Donald Trump, o Elon Musk, o Steve Bannon, todos eles são pró-Israel, são defensores deste governo sionista de Israel. Então, para as entidades que defendem essas pessoas, o fato de serem a favor do governo de Israel parece dar a elas o direito até mesmo de serem nazistas”, acrescentou Huberman.
O sociólogo também ironizou a narrativa de Musk após a repercussão negativa do gesto. “Ele escreveu um comentário tentando estabelecer uma ironia justamente nesse sentido, ao dizer: ‘quer dizer então que eu sou sionista e nazista?”, como se não fosse possível ser as duas coisas ao mesmo tempo, e é perfeitamente possível, pois o neonazismo, neste momento, não é mais dirigido contra os judeus, mas principalmente contra outros grupos, como árabes, muçulmanos, latinos, negros, etc. Mas é o mesmo fenômeno, só mudando a identidade do grupo oprimido”, frisou.
Com informações do Haaretz.