Atualização às 20h51
A 10ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo emitiu, nesta quarta-feira (12/02), uma liminar solicitada pela defesa de um dos cinco estudantes investigados pela Universidade de São Paulo (USP), e ameaçados de expulsão por terem feito críticas ao genocídio cometido por Israel na Faixa de Gaza, para permitir que ele participasse da colação de grau do curso de Ciências Moleculares.
A medida judicial foi solicitada pelos advogados Ricardo Tavares e Rodrigo Moreira Lima, horas após a Seção de Alunos da faculdade informar que sua colação de grau estava suspensa devido ao processo de investigação no qual está envolvido. Graças à liminar, o estudante conseguiu participar da colação de grau, nesta mesma quarta-feira.
Opera Mundi conversou sobre o caso com outra advogada de defesa do estudante, Maíra Pinheiro. Ela afirmou que “a tentativa de impedir a colação de grau é mais um exemplo da legalidade autoritária em vigor na USP, expressa no obsoleto entulho autoritário que é o regimento disciplinar atualmente vigente, e na cultura autoritária presente nas instâncias disciplinares da universidade que permitiu que a aberração que é esse processo disciplinar chegasse ao ponto que chegou”.
“Estamos confiantes em nossos argumentos apresentados na defesa e na absolvição de todos os estudantes injustamente acusados, e se o desfecho do processo disciplinar for outro nas instâncias da USP, seguiremos lutando no judiciário, até o fim”, acrescentou Maíra.
Procurada pela reportagem de Opera Mundi, a secretaria do curso de Ciências Moleculares da USP disse que não pode dar maiores declarações sobre o caso neste momento, mas que o mesmo “já está sendo resolvido”.
O Comitê de Estudantes em Solidariedade ao Povo Palestino (ESPP), organização à qual o estudante em questão faz parte, afirmou a Opera Mundi que “é público e notório para todos nós que muitos outros alunos que tiveram algum processo administrativo instaurado contra si conseguiram se formar sem qualquer barreira ou impedimento”.
“Consideramos esse fato mais uma arbitrariedade ilegal praticada pela diretoria do Curso e pela Reitoria, na mesma linha de todo o processo se basear no regimento geral da USP que é da época da ditadura. Por isso achamos um ato autoritário e que remonta à ditadura”, ressaltou o coletivo.
Origem do caso
O estudante que teve sua colação de grau temporariamente suspensa faz parte de um grupo de cinco alunos do curso de Ciências Moleculares, todos ligados ao ESPP, que enfrenta um Processo Administrativo Disciplinar (PAD) por suposto caso de antissemitismo.
A denúncia foi feita por grupos conservadores que utilizaram a ata de um evento do Centro Acadêmico de Ciências Moleculares, vazada nas redes sociais, na qual foi incluído um manifesto em repúdio aos ataques realizados por Israel contra a população civil da Faixa de Gaza desde o dia 7 de outubro de 2023.

O Comitê de Estudantes em Solidariedade ao Povo Palestino (ESPP) denunciou a tentativa da USP de impedir o acesso da defesa do estudante investigado ao relatório final do Processo Administrativo Disciplinar
O PAD foi instaurado em novembro de 2023 e tramita em sigilo, razão pela qual os nomes dos envolvidos estão sendo preservados. Originalmente, eram cinco os estudantes acusados, porém, uma das pessoas envolvidas acabou sendo retirada do processo após a comprovação que as acusações contra ela se baseavam em declarações falsas.
Outra situação polêmica que envolve o caso é o fato de que a denúncia contra os estudantes se baseia em um mecanismo interno da USP que foi criado nos tempos da ditadura militar (1964-1985).
Advogada criminal especializada em temas de direitos humanos e direitos das mulheres, Maíra Pinheiro é quem cuida da defesa dos estudantes no caso do PAD. Ela conta que os denunciantes evocaram os artigos 249 e 250 do Regimento Geral da USP, criados em 1972, para perseguir estudantes por supostos crimes de opinião.
“É uma absoluta anomalia que esta norma siga em vigor, por isso nós temos dois abaixo-assinados circulando na universidade, um por iniciativa dos professores, que já conta com mais de 230 apoios, e outros dos estudantes de diferentes faculdades, que já reuniram mais de 6,9 mil assinaturas”, frisou a defensora.
Restrição ao relatório final
Em conversa com Opera Mundi, um integrante do ESPP revelou que “o relatório final já foi elaborado pela Comissão Julgadora, mas a Reitoria e a diretoria do curso de Ciências Moleculares estão impedindo o acesso ao documento por parte da defesa dos estudantes”. Essa denúncia foi confirmada pela advogada Maíra Pinheiro.
“Essa é mais uma violação (dentre muitas) do devido processo legal e da ampla defesa que permearam este processo desde o início”, disse a defensora.
Já o ESPP afirma que a não entrega do relatório final “é algo que desafia qualquer regra democrática e de devido processo legal. Achamos isso um absurdo como um todo, demonstrando o quão irregular, parcial e persecutório é esse PAD, uma perseguição e criminalização política a quem se solidariza com a Palestina”.