Sexta-feira, 11 de julho de 2025
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A pressão da opinião pública europeia, cada vez mais sensível à crise humanitária na região, e o desconforto gerado pela intensidade do conflito, aliado a queda significativa do apoio popular a Israel — registrada em países como França, Alemanha e Reino Unido, está apresentando uma nova postura da União Europeia, é o que avaliam especialistas ouvidos por Opera Mundi.

A guinada contra o genocídio de Israel em Gaza está longe de representar uma ruptura concreta, mas reflete a pressão da opinião pública e a necessidade de líderes europeus se posicionarem frente ao julgamento da história. “Alguns políticos estão se manifestando, mas é apenas uma mudança retórica”, avaliou Ignacio Álvarez Ossorio, professor da Universidade Complutense de Madri.

Para ele, essa mudança reflete “claramente” que a maioria das pessoas na Europa apoia um cessar-fogo e a entrada de ajuda humanitária em Gaza, destacando um outro elemento importante: “muitos líderes do bloco estão cientes da magnitude do que está acontecendo e querem se proteger de alguma maneira sobre como serão julgados pela história daqui a alguns anos”.

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Essa percepção pública foi captada pelo Eurotrack em um estudo recente feito pela plataforma YouGov. Os números revelam que a simpatia e o apoio público ao Estado de Israel na Europa Ocidental caiu para o nível mais baixo desde 2016. Mais de 8.600 pessoas foram entrevistadas no Reino Unido, França, Alemanha, Dinamarca, Itália e Espanha, e a enquete mostra que as percepções favoráveis ​​a Tel Aviv diminuíram significativamente nesses países. Entre 63% e 70% dos entrevistados avaliaram de maneira negativa.

O desconforto gerado pela intensidade do conflito e a queda significativa do apoio popular a Israel impulsionam essa movimentação, embora ainda tímida, no campo diplomático. Para Isaías Barreñada, também professor da Universidade Complutense, o que antes era visto como uma ação punitiva contra a resistência palestina evoluiu para um cenário que “causa constrangimento aos governos”, forçando-os a recalcular seus posicionamentos públicos.

Pura retórica

No entanto, ambos os especialistas concordam que, apesar das declarações mais duras, medidas concretas seguem limitadas. Para Ossorio, pelo menos por enquanto, essa mudança de discurso feita por líderes do Reino Unido, França e até mesmo da Alemanha está sendo somente na oratória.

“Alguns políticos europeus estão se manifestando, mas é apenas uma mudança retórica porque até agora não há fatos concretos. Por enquanto eles estão buscando apenas que a história os absolva da passividade absoluta que mantiveram até agora”, lamentou.

Já Barreñada avalia que a mudança recente ainda é tímida: “para muitos, fazer uma determinada crítica a Israel é cair em uma forma de antijudaísmo, que é conhecida como antissemitismo. É muito comum, principalmente nos países do norte da Europa, afirmar que quem crítica as políticas de Israel está criticando a existência do Estado de Israel e, portanto, é antissemita. Isso leva a uma espécie de concatenação de argumentos que leva à paralisia. Israel conseguiu isso há muitos anos ao apontar que quem o critica nega sua legitimidade. Portanto, hoje em dia há uma espécie de sequestro mental onde os governos são muito cuidadosos e comedidos com o que dizem”.

guerra em gaza

Israel bloqueia entrada de ajuda humanitária em Gaza
Jaber Jehad Badwan / Wikimedia Commons

No dia 20 de maio, a União Europeia enviou um documento à chefe de política externa do bloco, Kaja Kallas, dizendo que os Estados-membros iriam revisar os laços comerciais que tem com Israel. Essa iniciativa foi apoiada por 17 dos 27 países da UE.

“Israel tem um status privilegiado nas relações com a União Europeia desde a década de 1960, quando começaram os primeiros acordos de cooperação e de protocolos. Apesar de Israel não fazer parte da União Europeia, o país alcançou um status inimaginável de parceria com o bloco, mas depois do que está acontecendo em Gaza, acho que a UE terá dificuldade para lidar novamente com um governo como o de [Benjamin] Netanyahu. É por isso que parte do bloco está começando a tomar um pouco de distância, mesmo que esteja fazendo isso de uma maneira tímida”, justificou Barreñada.

Segundo os especialistas, há outras medidas que também poderiam ser colocadas em prática pelos líderes europeus, como o congelamento de acordos comerciais ou um embargo de armas. “O problema é que a UE não tem uma política externa comum. São 27 países, cada um com a sua própria política externa. No caso da Alemanha, por exemplo, eles consideram que é uma questão de Estado defender Israel incondicionalmente”, disse Ossorio.

Liderança do Sul Global

Para o professor, alguns países latino-americanos, como Chile e Colômbia, deram um passo a mais se posicionando contra o governo de Israel através das vias diplomáticas.

“Talvez o Sul Global seja a grande esperança. A África do Sul denunciou Israel no Tribunal Penal Internacional de Haia pelo genocídio que está praticando. Além disso, alguns países latino-americanos também estão revendo suas relações com Israel. Uma postura muito mais enérgica pode ser adotada, as relações diplomáticas podem ser congeladas e isso é algo que alguns países, como Chile e Colômbia, já fizeram no passado, ao contrário de países europeus”.