Desde o último Congresso da Federação Árabe Palestina do Brasil (Fepal), em 2019, muita coisa mudou. Na Faixa de Gaza, acontece o “primeiro genocídio televisionado da história”, com a ofensiva israelense que já deixou mais de 51 mil mortos e desaparecidos, desde 7 de outubro de 2023. Esse é o destaque do presidente da maior organização palestina no país, Ualid Rabah, mediante o início do 11° Congresso da Fepal, que começa nesta sexta-feira (20/09), em São Paulo.
“Em 2019, falamos dos 125 anos da diáspora palestina no Brasil, em um tom comunitário e da história palestina no Brasil. Agora estamos diante da maior matança de mulheres e crianças de todos os tempos. Estamos diante de uma tentativa de uma nova Nakba [catástrofe palestina de 1947 a 1951 quando 78% dos territórios palestinos foi tomado à força por Israel]”, afirma Rabah a Opera Mundi.
Entre mortos e deslocados, 92% da população de Gaza, de cerca de 2,3 milhões de pessoas, está impactada pela guerra: “em menos de um ano, está superado o número da limpeza étnica que durou quatro anos na Nakba”.
O presidente da Fepal aponta que em menos de um ano de guerra israelense foram mortas 9.800 crianças. “Em dados proporcionais, Israel já matou, em um sexto do tempo nazista na Segunda Guerra Mundial, 3,5 vezes mais crianças palestinas”, comparou ao justificar o motivo do Congresso ser intitulado de “Genocídio e Apartheid: o papel da diáspora brasileiro-palestina na libertação da Palestina”.
Assim, define a reunião da Fepal, que será composta de mesas de debate, atividades culturais e uma grande plenária em solidariedade à Palestina como “se estivéssemos diante do genocídio nazista e houvesse um 11° congresso judaico na Europa para denúncia”.
O papel da solidariedade palestina
Fundada em 1979, a Fepal representa a diáspora palestina no Brasil. Assim é constituída por cerca de 60.000 imigrantes, refugiados e seus descendentes.
A organização também é formada por delegados e observadores “escolhidos nas bases, ou seja, nas comunidades em assembleias comunitárias, presenciais e virtuais”, que têm direito a voto e podem integrar a futura direção da Fepal, explica Rabah. Para eles são voltadas grande parte das atividades do Congresso, que vai até domingo (22/09).
Desta forma, o evento também sediará uma eleição para a escolha da direção da Fepal para o quadriênio 2024-2027, com o objetivo de compor 50% da delegação de mulheres e aumentar a presença da juventude.
Além dos delegados e observadores, cerca de 40 convidados especiais compõem oito mesas de debate, que acontecem na tarde do sábado (21/09), fazem parte do Congresso. Segundo Rabah, são intelectuais, artistas e escritores que debatem o tema palestino sob diversos aspectos para o grande público.
Com uma cerimônia de abertura acessível ao público, a partir das 20h desta sexta (20/09), o representante da Fepal destaca a Opera Mundi os principais temas a serem debatidos nos três dias de evento como o mundo árabe atual e seus reflexos na comunidade árabe-brasileira; o papel da solidariedade na denúncia e combate ao genocídio e Apartheid na Palestina; o Apartheid e suas implicações; Palestina à luz do direito internacional; o papel do mundo literário e artístico na defesa da Palestina; o papel dos veículos de comunicação hegemônicos na defesa do genocídio da Palestina; o papel da juventude na solidariedade e defesa da Palestina; e o movimento BDS (Boicote, Desinvestimento e Sanções).
O sábado e o domingo do Congresso contam com um espaço multicultural, de forma a enfrentar o “sequestro do sionismo desse ambiente”. Assim, a Fepal organizou exposições e vendas de livros sobre e da Palestina, artesanatos, camisetas, kufyias e acessórios, além da presença dos próprios artistas.
Rabah destaca que o auge do evento organizado pela Fepal é a Grande Plenária de Solidariedade ao Povo Palestino, que deve acontecer a partir das 20h30 do sábado. Aberta ao público, a iniciativa “visa debater o papel da solidariedade e como ela ajudou a inverter a narrativa israelense no Brasil nesse momento de genocídio”.
O presidente da organização explica que foi possível “confrontar a narrativa hegemônica imposta pelos grandes veículos de comunicação na defesa do genocídio”, e que a solidariedade também deve ser pensada para ocupar debates em locais como universidades, escolas, e igrejas.
“Qual é o papel da solidariedade daqui pra frente? Como se organizar mais? Como relacionar o fluxo de informações com as ações?” são as perguntas que vão guiar o grande evento do Congresso, de modo a continuar construindo uma “narrativa sólida” sobre as informações em relação à Palestina.
Na análise de Rabah, é de grande importância construir uma narrativa que não seja ofensiva, xenofóbica e racista, e que “não permita que a causa palestina seja confundida com um antijudaísmo vulgar”, mas sim “o combate do sionismo como um movimento colonial, racista, supremacista, e Israel como regime que promove isso”.
“Pela primeira vez isso foi narrado adequadamente para a opinião pública brasileira. Foi a primeira vez na história no Ocidente que se debateu a ocupação de décadas na Palestina. Pela primeira vez, as pessoas ouviram e começaram a dizer que não começou no dia 7 de outubro de 2023. Isso é um marco histórico e achamos que a Fepal cumpriu um papel à altura com todos os que souberam narrar de forma certa”, considerou.
Acordos com Israel: Brasil parte do genocídio
Um dos temas que mais reúne tensão no Brasil quanto a Israel são os acordos militares firmados entre os países. Por um lado, setores do governo Lula pressionam a revogar os documentos com o argumento que eles podem, de certa forma, financiar os ataques israelenses contra os palestinos. Por outro, o próprio ministro da Defesa do país, José Múcio Monteiro, considera uma “bobagem” tal ação.
Os acordos foram firmados durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (2019-2022) e mantidos pela administração de Lula. Eles preveem compra ou venda de armas, munições e outros equipamentos militares, além de softwares e tecnologias ligadas ao setor de segurança, de acordo com os Projetos de Decreto Legislativo 228/2021 e 554/2021.
Além disso, o boicote visa um contrato, orçado em quase R$1 bilhão, sobre a aquisição de obuseiros 155 mm da empresa israelense Elbit Systems, firmado em abril passado. Contudo, a assinatura do contrato foi adiada em maio deste ano por decisão do presidente Lula, sem previsão de conclusão, em meio ao agravamento das operações militares israelenses na Faixa de Gaza e a pressão para que o governo Lula revogue as cooperações com Tel Aviv.
Recebendo o tema do Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS) no Congresso da Fepal, Rabah afirma não saber se haverá representantes e autoridades do governo brasileiro no evento, de forma a serem pressionados pela revogação.
Contudo, seu posicionamento permanece o mesmo: “O Brasil deve romper relações diplomáticas, políticas, comerciais, esportivas, acadêmicas, tecnológicas e científicas com Israel”.
“O Brasil não pode seguir apoiando, por meios de vantagens econômicas para Israel, a manutenção da sua capacidade de iniciativa genocidária, especialmente quando o assunto é o relacionamento das Forças Armadas brasileiras, porque esse é o principal instrumental de manutenção da ocupação e do genocídio na Palestina”, defendeu.
Para o presidente da federação, caso o Brasil persista com essas relações, o país “toma parte do genocídio sem que o o povo brasileiro tenha pedido”, além de “manchar a mão do povo brasileiro do sangue inocente palestino”.
Serviço
11° Congresso da Federação Árabe Palestina do Brasil: Genocídio e Apartheid: o papel da diáspora brasileiro-palestina na libertação da Palestina
Data e horário: Abertura a partir das 20h no dia 20/09/2024; atividades abertas ao público a partir das 16h30 no dia 21/09/2024; dia 22/09/2024 atividades fechadas ao público.
Local: 20/09/2024 no Salão Gran Real do Club Homs (Av. Paulista, 735 – Jardins); 21/09/2024 no Hotel Panamby São Paulo (Av. Ordem e Progresso, 115 – Barra Funda)
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