Um artigo do jornal israelense Haaretz chamou a atenção, isso por que trechos do texto foram cobertos por tarjas pretas impedindo a leitura completa da publicação. Veiculado na quarta-feira (29/05), a matéria Causa de detenção em Israel: ████ ██ █████ trata sobre o funcionamento da prisão administrativa israelense, um sistema no qual pessoas — principalmente palestinos — podem ser detidas sem receber informações sobre as acusações contra ela.
A forma da publicação gerou um debate em relação à censura contra o trabalho da imprensa no país, e se o jornal propositalmente colocou tarjas pretas para chamar atenção sobre o controle do que ser veiculado ou não em Israel.
Uma reportagem de maio da +972 Magazine, uma revista eletrônica israelense de esquerda, revelou que em 2023, um total de 613 artigos publicados por veículos de comunicação nacionais haviam sido barrados pelo governo do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu.
Esses números registram um novo recorde para o período desde que a própria revista começou a coletar os dados, em 2011.
It has come to that: Haaretz went to print with chunks of text redacted by the censor. This is the price Israelis pay for the continued genocide: loss of their own political rights within Israel. pic.twitter.com/LTbhVF7tr3
— Yanis Varoufakis (@yanisvaroufakis) May 29, 2024
O aumento de conteúdos censurados coincidiu com o avanço operações militares de Israel em Gaza, em 7 de outubro de 2023, em uma ofensiva que hoje resulta na morte de mais de 36 mil palestinos, de acordo com os dados atualizados pelo Ministério da Saúde local.
Ainda segundo a +972 Magazine, o censor israelense também editou partes de outros 2.703 artigos, o que representa o maior número desde 2014. Em média, os militares impediram que as informações fossem divulgadas nove vezes por dia.
Os dados foram fornecidos pela Censura Militar de Israel, uma unidade localizada dentro da Diretoria de Inteligência Militar das Forças de Defesa de Israel (IDF, na sigla em inglês) e comandada por um “censor-chefe”, um militar nomeado pelo ministro da Defesa, de acordo com resposta a um pedido enviado pela +972 Magazine e pelo Movimento pela Liberdade de Informação em Israel.
“A lei israelense exige que todos os jornalistas que trabalham dentro de Israel ou para uma publicação israelense submetam qualquer artigo que trate de ‘questões de segurança’ à Censura Militar para revisão antes da publicação, de acordo com os ‘regulamentos de emergência’ promulgados após a fundação de Israel e que permanecem em vigor”, disse a revista, explicando que “essas normas permitem que o censor edite total ou parcialmente artigos a ele submetidos, bem como aqueles já publicados sem sua revisão”.
Em 1989, a Suprema Corte decidiu que o censor só pode intervir em publicações e artigos quando houver “quase certeza de que danos reais serão causados à segurança do Estado”. No entanto, segundo a +972 Magazine, a definição para questões de segurança “é muito ampla”, pois incluem tópicos relativos ao Exército, agências de inteligência, acordos de armas, detenções administrativas — como é o caso do artigo censurado do Haaretz — aspectos das relações exteriores de Israel e “muito mais”.
Mais censura a partir de 7 de outubro
Em dezembro de 2023, o portal norte-americano The Intercept publicou uma matéria exclusiva revelando que o governo de Israel havia distribuído “orientações mais específicas sobre quais tipos de notícias devem ser submetidas para revisão antes da publicação”.
Intitulada Exclusivo: Censura Militar de Israel bane reportagens nestes oito assuntos, a publicação revelou que um documento chamado “Operação ‘Espadas de Ferro’ Censura Israelense à Mídia” foi emitido após o episódio de 7 de outubro e assinado pelo censor-chefe da IDF, o brigadeiro-general Kobi Mandelblit.
“A ordem enumera oito tópicos sobre os quais a mídia está proibida de noticiar sem aprovação prévia da Censura Militar israelense. Alguns dos tópicos tocam em questões políticas polêmicas em Israel e internacionalmente, como revelações potencialmente embaraçosas sobre armas usadas por Israel ou capturadas pelo Hamas, discussões sobre reuniões do gabinete de segurança e os reféns israelenses em Gaza — uma questão que o primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, tem sido amplamente criticado por má gestão”, descreve o Intercept.
Segundo o veículo, o memorando também proíbe a divulgação de detalhes relacionados a operações militares, inteligência israelense, ataques cibernéticos e visitas de altos funcionários ao campo de batalha.
Lei Al Jazeera
No início de abril, o Parlamento de Israel aprovou um projeto de lei que permite que altos funcionários do governo sionista de Netanyahu fechem temporariamente organizações de notícias estrangeiras em território israelense, por serem potenciais ameaças contra a segurança nacional do Estado.
Essa medida, a princípio, foi determinada a uma validade de 45 dias, e com possibilidade de renovação.
A lei foi aplicada pelas autoridades israelenses para fechar os escritórios da emissora catari Al Jazeera, confiscando seus equipamentos, bloqueando seu site e proibindo suas transmissões — cumprindo os critérios da Censura Militar de Israel, que proíbem de detalhamento de informações referentes ao sistema de segurança local.
Dessa forma, a legislação foi nomeada “Lei Al Jazeera”, uma vez que se tratou do primeiro veículo jornalístico estrangeiro fechado em Israel numa votação unilateral realizada pelos deputados do Knesset (o Parlamento de Israel).