“Já ouvi que Israel é uma arma do imperialismo, mas na verdade depois de anos do Lobby israelense e também porque há mais judeus nos Estados Unidos do que em Israel, o Congresso norte-americano que é uma arma do sionismo. Porque ele obedece a Tel Aviv, e não o contrário”, afirmou a jornalista Heloísa Vilela no seminário “Racismo, Colonialismo e Genocídio na Palestina”, organizado pelo Centro de Estudos Palestinos (CEPal-FFLCH/USP) na Universidade de São Paulo (USP), nesta quinta-feira (28/11).
Na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da instituição, durante a mesa intitulada “A identidade palestina e o genocídio na mídia”, a repórter do Instituto Conhecimento Liberta (ICL), compartilhou sua visão sobre a cobertura que a imprensa ocidental, em especial a TV Globo – onde trabalhou por 16 anos como correspondente nos EUA – tem sobre o Oriente Médio e a Palestina.
“Há uma construção sistemática do outro, que permite a mídia mundial propagar mentiras absurdas, como a decapitação de 40 bebês e o estupro em massa pelo Hamas, e as pessoas acreditarem. Elas acreditam porque estão acostumadas a ouvir falar deste outro que é ‘muito sinistro’ e ‘muito violento’. E eu tive que chamar um manifestante de terrorista”, relatou Vilela ao contar sobre uma matéria que escreveu.
No episódio, a jornalista contou sobre um ativista palestino e recebeu ordens de seu editor para identificá-lo como “terrorista”, mesmo que não estivesse praticando atividades consideradas como terrorismo.
Durante a mais recente violência israelense no enclave palestino, Vilela foi para a Cisjordânia para trabalhar como correspondente do ICL, evitando cobrir o genocídio da perspectiva israelense ao se instalar em Jerusalém, como grande parte da imprensa ocidental.
“Chegando lá, fui levada para o prédio mais alto da região, que tinha três ou quatro andares, para ver a vista: um muro gigantesco que cerca todo o campo de refugiados com torres de observação e postos militares”, relatou.
Vilela também compartilhou uma visita que fez ao campo de refugiados de Jenin, onde havia uma escultura de um cavalo, em referência à liberdade palestina, feita em materiais recicláveis pelo artista alemão Thomas Kilpper e crianças palestinas em 2003. Contudo, o símbolo foi retirado por retroescavadeiras israelenses em outubro de 2023, em meio ao massacre que promove na Faixa de Gaza.
“Destruíram. Jogaram tudo no chão. A estátua do cavalo sendo levada por um guindaste quer dizer que não basta você destruir o corpo ou o espaço físico [dos palestinos]. Mas você tem que destruir a subjetividade. É de uma violência inacreditável”, afirmou.
“Genocídio é fome, é sede, é doença”
A jornalista e coordenadora da Frente em Defesa do Povo Palestino em São Paulo, Soraya Misleh, trouxe à mesa a sua experiência pessoal. Recordou dos relatos de seu pai, que vivenciou o antes e o depois da Nakba (Catástrofe, em árabe), em 1948, na Palestina, contando que a comunidade local não costumava “trancar as portas”, ou seja, predominava “uma vida simples, em paz” sem as manobras do sionismo.
Ao longo de sua exposição, Misleh também atribuiu ao agravamento do genocídio em Gaza a propaganda de guerra e o “oligopólio midiático” que serve aos interesses do imperialismo.
“Porque Israel é um enclave militar do imperialismo na região com interesses. Numa região rica em petróleo, a Palestina é o coração, o local para a circulação de pessoas e trânsito de mercadorias ligando a Ásia, Europa e África. Isso selou o nosso destino enquanto povo sob colonização. Primeiro sob o imperialismo britânico, agora sob o imperialismo dos Estados Unidos, que destina bilhões de dólares todos os anos para nos matar”, criticou.
Em diversos momentos de seu discurso, a coordenadora, que descende de palestinos, enfatizou seu pertencimento à Palestina. Nesse sentido, destacou a necessidade de continuar desconstruindo “mitos criados na origem do movimento político sionista” de tentar erradicar a identidade do povo.
De acordo com Misleh, o governo de Israel se sentiu “avalizado por uma cumplicidade internacional histórica” na nova fase da Nakba, televisionada a partir de 7 de outubro de 2023, contando com o auxílio bilionário recebido pela sua maior nação parceira, os Estados Unidos, além das potências europeias.
“Nós somos 13 milhões de palestinos no mundo. Metade fora das suas terras. Seis milhões em campos de refugiados num raio de 150 quilômetros da Palestina histórica. Milhares na diáspora. Uma metade é a nossa sociedade inteiramente fragmentada por essa contínua Nakba, a outra metade sob genocídio a mais de 400 dias”, apontou. “Genocídio é fome, é sede, é doença, é infecção, é ecocídio, é destruir os hospitais.”
“Se não formos palestinos, não existimos”
A mesa também contou com a presença da jornalista e sobrevivente do genocídio de Israel na Faixa de Gaza, Shahd Safi, que nasceu e cresceu no enclave palestino e saiu da região pela primeira vez em direção ao Egito em março passado: “cresci em uma das maiores prisões do mundo. Desde que nasci, os palestinos em Gaza não têm permissão para viajar para outras áreas palestinas, só com permissão dos israelenses para fins educacionais ou médicos, como alegam, o que também não é verdade”.
A agora estudante nos Estados Unidos começou sua participação no debate relatando suas próprias vivências durante o genocídio: “infelizmente, o filho do meu primo, que tinha sete anos de idade, foi morto. Ele foi morto com toda a sua família. Agora, minha prima [esposa do primo de Safi] está no Cairo com seu filho de cinco anos. Está sozinha e sofrendo a perda e luto de seu filho e marido. Meu irmão também foi ferido, ele levou um tiro na cabeça e outro na perna. A bala que atingiu sua perna ainda está lá porque o médico considerou que seu ferimento não era urgente em comparação aos demais feridos no hospital. Ele ainda está em Gaza, meu pai também está lá, mas minha família está muito dispersa porque minha mãe está no Cairo com outros dois irmãos meus, tenho um irmão nos Estados Unidos e uma irmã na Argélia”.
Safi afirmou que “estar disperso é algo familiar desde 1948”. “Não sei quando minha família vai se reunir”, declarou, informando que desde então sua família dos dois lados sofreu expulsões de seus lares.
Ao comentar sobre a identidade palestina e o projeto de Israel de apagar a população, Safi defendeu que nascer na Faixa de Gaza fez o enclave “se tornar parte” de sua identidade. “Sou palestina. Mantive muitos vínculos com Gaza porque foi lá onde cresci. É a minha casa. E ninguém no mundo pode negar isso ou pode negar minha identidade, porque vemos claramente que Israel quer apagar e negar a ideia palestina”.
“Se não formos palestinos, não existimos. Portanto, não se pode negar nossa história, não se pode negar quem somos porque estamos aqui. Estamos fisicamente aqui, independentemente do que digam sobre nossa história”, defendeu.
Sobre a responsabilidade da imprensa hegemônica no genocídio, Safi considera que os palestinos foram “desumanizados pela mídia” desde 7 de outubro de 2023.
“Antes de 7 de outubro, muitos palestinos foram mortos. E o mundo não se importava. Mas no dia 7 de outubro, de repente, os direitos humanos se tornaram uma coisa importante e as pessoas se importaram. Por que não é igual? Israel sempre foi um Estado colonial, um opressor, um ocupante. E os palestinos sempre foram ocupados e oprimidos. Temos o direito de existir igualmente com os mesmos privilégios que os israelenses. A maioria dos israelenses tem dupla cidadania, enquanto os palestinos nem sequer são considerados cidadãos de pleno direito”, declarou.
Ao abordar a resistência palestina e o grupo Hamas, Safi declarou que seu povo “tem opiniões diversas sobre uma Palestina livre”. “As formas de resistência são diversas. A grande maioria dos palestinos buscou outras formas de resistência que não a armada. Mas, é claro, alguns palestinos acham que a resistência armada é uma resposta há anos. É triste que as coisas tenham se desenrolado dessa forma, mas não fomos nós que iniciamos o ciclo de violência”, apontou.
“Pensemos como tudo começou, com o Holocausto. Israel agora está cometendo atos muito piores do que o Holocausto contra os palestinos em Gaza. O fato de ter sido vítima uma vez não lhe dá o direito de experimentar a violência contra outras pessoas e desumanizar uma nação”, instou na conclusão de sua fala.