“Israel está globalmente em julgamento. É uma ditadura governada por um psicopata e todos veem isso. Apesar das falhas da lei internacional, as coisas estão acontecendo”, declarou a advogada fijiana, especializada em direitos humanos, Kavita Naidu ao discursar sobre a incapacidade do Direito Internacional de agir para garantir segurança na Faixa de Gaza.
A afirmação de Naidu, que também é funcionária do Programa de Justiça Climática no Fórum Ásia-Pacífico sobre Mulheres, Direito e Desenvolvimento (FDM), aconteceu na última quinta-feira (20/06) durante o painel “Palestina, internacionalismo e o futuro do Direito Internacional”, no âmbito do Festival de Ideias na Universidade de Campinas (Unicamp), evento que reuniu lideranças progressistas do mundo inteiro para debater internacionalismo e multipolaridade.
Sua intervenção discorreu sobre as raízes do sistema econômico e de justiça mundial, centralizados na Organização das Nações Unidas (ONU) e seu Conselho de Segurança. Para ela, é necessário reformar essa ordem para “verdadeiramente lutar por justiça”, uma vez que tais estruturas são consequência do pós-colonialismo e da dominância do capitalismo no espaço político.
“Quando brancos estavam matando e escravizando negros, não havia lei internacional. Nós construímos a ONU porque brancos começaram a matar brancos. Por isso o sistema está tão ligado aos interesses do Ocidente, mesmo que o Sul Global estivesse na sala”, disse ela ao explicar a origem do sistema internacional de leis e justiça, questionando se em alguma vez a ONU já ajudou o Sul Global ou Oriente.
Para Naidu, a lei internacional falhou na Palestina, uma vez que, apesar das ordens de cessar-fogo e a decisão da Corte Internacional de Justiça (CIJ) pela prevenção do genocídio de civis palestinos, Israel continua ignorando e praticando seu massacre na Faixa de Gaza, que já deixou mais de 37 mil mortos.
A advogada fijiana ressaltou que Israel não viola contra o povo palestino, Direito Internacional, direitos humanos e as regulações da ONU desde 7 de outubro, mas sim há décadas.
Segundo a especialista, ao observar os países ocidentais que estão ao lado de Israel, ficam claras as preferências desses países que “manipulam a ONU e os sistemas financeiros”, resultando sempre no imperialismo dos Estados Unidos.
“Parece que não existe lei alguma porque ninguém fala sobre a lei de ocupação [desrespeitada por Israel]. Existem leis sobre as obrigações de Israel como força ocupante, e quanto à população ocupada, existem leis sobre autodeterminação. Mas só falam sobre como são terroristas”, pontuou.
No entanto, apesar da insuficiência da lei internacional, que “apenas decide”, ainda é necessário utilizá-la, defende Naidu.
“Ser ativista é extremamente frustrante. Temos que tirar um tempo às vezes, mas não podemos desistir e desaparecer dos movimentos. Comecem a juntar as pessoas de suas comunidades. Nenhuma mudança nunca aconteceu por indivíduos, mas pela comunidade. Vocês estão assistindo um genocídio documentado, e até nossa história serve aos interesses ocidentais, mas a mudança leva gerações. Não percam a esperança. Não paremos de falar sobre a Palestina. Vocês já chegaram até aqui, então não desistam”, finalizou a advogada em uma mensagem de incentivo aos alunos e visitantes do evento.
‘ONU e CIJ são imperialistas’
O painel “Palestina, internacionalismo e o futuro do Direito Internacional” também contou com a participação de Ismat Raza, paquistanesa e presidente fundadora da Frente Democrática das Mulheres (FDM).
Ela prestou solidariedade aos palestinos por “ferozmente lutarem contra o imperialismo e o colonialismo expansivo de Israel”, reconhecendo que a luta pela liberdade palestina evidencia “as raízes imperialistas do Direito Internacional”.
“A Lei Internacional está sendo inefetiva. As organizações, como ONU e CIJ, são imperialistas, apoiam e são reféns dos interesses anglo-saxões. E, assim, moldam a forma econômica e política do mundo”, avaliou.
Criticando o retrocesso dos movimentos populares no século 21 para a ascensão do imperialismo, inteligência artificial e Big techs, Raxa defendeu a construção de uma nova política.
Deste modo, instou que a reforma das Nações Unidas “deveria estar na agenda da esquerda, para assim representar um mundo multipolar” e considerou “crucial a solidariedade das pessoas ao redor do mundo e dos movimentos de emancipação para a luta contra o imperialismo, a ocupação e o capitalismo”.
“Você não pode mudar o sistema legal sem mudar a realidade da economia. O sistema legal está apoiando a exploração, e não é possível mudar ele sem mudar a ordem mundial. Essa é uma batalha política”, avaliou.
‘Israel apoiou ditaduras antissemitas’
Além de Naidu e e Raza, estavam na mesa o coordenador do Secretariado Internacional Progressista, Pawel Wargan, e o advogado de direitos humanos e professor de Direito da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV/SP) Thiago Amparo.
Falando também sobre o papel do Direito Internacional em Gaza, Wargan afirmou que o sistema internacional é “instrumentado e tem capacidade de tirar o valor do resto do mundo”. “Há países que ganham e há países que perdem. Eles dividem e desdesenvolvem”, identificou.
O coordenador relembrou como Israel apoiou ditaduras ao redor do mundo, inclusive a Operação Condor, uma rede de colaboração entre os regimes militares do Cone Sul. “Aqui no Brasil, Israel capacitou ditadores, forneceu equipamentos militares e não ligou que os regimes eram antissemitas em sua origem porque tinham o objetivo de colonização”, declarou.
Já Amparo apontou que o massacre de Israel na Faixa de Gaza expõe um “apartheid e genocídio por denegação, porque coisas horríveis estão sendo feitas, mas estão sendo feitas de forma consciente”.
Ao falar sobre a Lei Internacional, Amparo classificou o sistema como um “duplo agente”. “De um jeito, permite-nos ver situações horríveis, mas ao mesmo tempo Israel foi capaz de achar, mesmo em bases, exceções e justificações que parecem legais, mas não são, para realizar sua ofensiva”.
O advogado resume a estratégia como a “inocência branca”, em que é possível provar que mais de 30 mil pessoas morreram, inclusive mulheres e crianças, mas sob o argumento da legalidade, é como se estivesse sendo feito “de um jeito legal”.
Segundo ele, há iniciativas para desmentir essa ideia de inocência, em especial da imprensa, como o jornal do Catar Al Jazeera, e também chamou a importância do apoio do Sul Global para esse papel.
“Precisamos pensar de um jeito mais complexo, com diferentes povos para formar a Lei Internacional, com populações de países, e não apenas autoridades e líderes”, completou.