'Israel tem funcionária na Meta acusada de censurar post pró-Palestina', diz Intercept
Jordana Cutler trabalhou como assessora de Netanyahu e agora coordena políticas para Israel e Diáspora Judaica na empresa de tecnologia, cargo inexistente para outros países
Documentos acessados pelo Intercept denunciam que na contramão de outros países, Israel tem uma representante própria dentro da Meta, conglomerado de mídias e tecnologias, para coordenar políticas de Tel Aviv nas redes sociais administradas pelo grupo, como Instagram, Facebook e WhatsApp.
Jordana Cutler é ex-integrante de alto escalão do governo de Israel, trabalhou durante anos na Embaixada de Israel em Washington, foi consultora de campanha do partido político israelense Likud e assessora por quase cinco anos do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu. Ocupa, desde 2016, o cargo de coordenadora de políticas para Israel e Diáspora Judaica na Meta.
Assim, trabalha como uma embaixadora israelense na empresa. Segundo suas próprias palavras, seu trabalho “é representar o Facebook para Israel, e representar Israel para o Facebook”.
Quando Cutler entrou para a equipe da Meta, Gilad Erdan, então ministro da Segurança Nacional de Israel, comemorou e disse que a contratação marcava “um avanço no diálogo entre o Estado de Israel e o Facebook”.
Publicações pró-Palestina consideradas “perigosas”
Segundo o jornal investigativo, seu trabalho foi diretamente responsável pela censura de contas no Instagram relacionadas ao grupo Estudantes pela Justiça na Palestina (SJP, na sigla em inglês), que articulou os protestos pró-Palestina nas universidades dos Estados Unidos.
Com base na análise de discussões de políticas internadas pelo Intercept dos EUA, revelou-se que Cutler “usou os canais de denúncia de conteúdo da empresa para enviar para avaliação pelo menos quatro publicações do SJP, além de outros conteúdos que expressavam posicionamentos contrários à política externa de Israel”.
A representante israelense na empresa denunciava os conteúdos e contas na categoria “Organizações e Indivíduos Perigosos”. Em entrevista ao canal israelense Calcalist, em 2017, Cutler chegou a declarar que o Facebook trabalha “em estreita colaboração com os departamentos cibernéticos do Ministério da Justiça e da polícia, e com outros elementos nas forças armadas e no Shin Bet [serviço de segurança interna de Israel]”,
Entre os conteúdos estavam publicações do SJP que sugeriam a leitura de livros cujos autores eram associados à Frente Democrática para a Libertação da Palestina (FDLP) e a Frente Popular para a Libertação da Palestina (FPLP), o romancista palestino Ghassan Kanafani e a ativista Leila Khaled.
O Intercept explica que a FDLP é classificada como grupo terrorista pela Meta, mas não pelo governo dos Estados Unidos, onde a empresa está sediada. Já a FPLP é considerada como terrorista tanto pela empresa, quanto pelos EUA.
Cutler também denunciava os conteúdos do SJP na Universidade da Califórnia, Los Angeles (UCLA), uma das principais universidades nas manifestações pró-Palestina, alegando que o movimento estava ligado a um protesto violento. O mesmo ato foi relatado pela imprensa local como pacífico até o momento que um grupo pró-Israel atacou os manifestantes em solidariedade a Gaza.
Outra publicação censurada por Cutler continha um emoji de triângulo vermelho em referência à resistência palestina do Hamas, grupo que Israel alega combater ao destruir a Faixa de Gaza.

Jordana Cutler descreveu seu trabalho como “representar o Facebook para Israel, e representar Israel para o Facebook”
Mona, uma estudante da UCLA que fazia parte do SJP foi contatada pelo Intercept, e em condição de informar apenas o primeiro nome, declarou “que a conta do Instagram do grupo era periodicamente impedida de publicar ou compartilhar conteúdo”, de modo que em agosto passado o perfil foi desativado sem explicação.
Publicações não-relacionadas ao SJP também foram alvo de Cutler. A representante israelense na Meta denunciou um vídeo que mostrava palestinos em Gaza comemorando o ataque a mísseis do Irã contra Israel, em outubro passado.
A funcionária também fez esforços para censurar o perfil da rede libanesa de televisão por satélite Al Mayadeen no Instagram, ao publicar “conteúdo solidário” ao líder do Hezbollah, Hassan Nasrallah, após seu assassinato, em setembro passado.
Meta exerce parcialidade
Apesar dos registros, não foi possível comprovar se as denúncias de Cutler foram bem-sucedidas porque “a empresa se recusou a informar o que teria acontecido com as publicações denunciadas por ela”.
No entanto, Cutler declarou à imprensa israelense na época de sua contratação que “dentro da empresa, parte do seu trabalho é ser uma representante do povo israelense e voz do governo para suas preocupações”. Questionada pelo entrevistador se a Meta considerava suas pontuações, ela respondeu: “claro que ouvem. Eu tenho a oportunidade de realmente influenciar a forma como olhamos para as políticas e explicar as coisas na prática”.
Assim, fica claro que a posição de Cutler na Meta não é decidir quais conteúdos ou perfis contrários aos posicionamentos governamentais de Israel são censurados de fato, mas sim denunciá-los como supostamente perigosos. No entanto, segundo os especialistas entrevistados pelo Intercept, a mera “presença de uma funcionária sênior com a função de representar os interesses de um governo” é alarmante.
“Isso exala parcialidade. Não é preciso ter muita inteligência para concluir o que essa pessoa pretende”, analisou Marwa Fatafta, consultora de políticas sobre defesa de direitos digitais.
A parcialidade da Meta em relação ao governo de Israel fica evidente quando comparado com o fato de que a empresa de tecnologia não tem um representante palestino em seu corpo de colaboradores para defender os interesses da Palestina, Oriente Médio e Norte da África têm apenas um representante para milhares de usuários, e o mesmo acontece com o Sudeste Asiático.
Ex-companheiros de equipe de Cutler, como Ashraf Zeitoon, antigo coordenador de políticas do Facebook para o Oriente Médio e Norte da África na Meta, concordam com essa leitura.
Zeitoon, de nacionalidade jordaniana, classificou que tais ações “são típicas da Jordana [Cutler]. Ninguém no mundo poderia me dizer que grande parte do que ela faz não é um excesso de autoridade”.
“Se eu fosse coordenador de políticas públicas para a Jordânia, e aparecesse na TV dizendo que represento os interesses da Jordânia dentro da Meta, eu seria demitido no dia seguinte. É o trabalho de um funcionário do governo, um indicado político. Nenhum de nós foi contratado com a premissa de que estaríamos representando nossos governos”, disse ainda ao Intercept
Consultada pelo Intercept, a Meta “não respondeu a uma lista detalhada de perguntas sobre as denúncias de publicações feitas por Cutler, mas argumentou que escrever uma matéria sobre a representante israelense era “perigoso e irresponsável”.
O jornal obteve um comunicado redigido por Dani Lever, representante da empresa, afirmando que “quem denuncia um determinado conteúdo é irrelevante” uma vez que as permissões e restrições da plataforma são determinadas pelas políticas da empresa.
Cutler também foi contatada e não retornou a solicitação até o fechamento da reportagem do Intercept.
