'Antissemitismo como pretexto': nova iorquinos protestam contra ofensiva de Trump às universidades
Instituições resistem a compartilhar com governo informações sobre estudantes estrangeiros, contratações acadêmicas e posicionamentos políticos
O confronto entre o governo Trump e as universidades dos Estados Unidos atingiu um novo patamar nesta semana após o Departamento de Segurança Interna (DHS) enviar uma carta à Harvard ameaçando revogar seu direito de matricular estudantes estrangeiros caso a instituição continue se recusando a cumprir exigências da administração federal.
Harvard tem até 30 de abril para atender à demanda — ou perderá a certificação do Programa de Estudantes e Visitantes de Intercâmbio (SEVP), o que impactaria diretamente milhares de estudantes internacionais.
A universidade, assim como outras instituições de ensino superior nos EUA, resiste a compartilhar com o governo informações sobre estudantes estrangeiros, contratações acadêmicas e posicionamentos políticos.
Em defesa da educação
Manifestação em defesa da educação atrai estudantes e professores em Nova York, em frente à Corte de Manhattan, nesta quinta-feira (17/04) para expressar preocupação com os ataques recentes à liberdade acadêmica e à autonomia das universidades nos Estados Unidos.
A Opera Mundi, Jennifer Griffiths, professora e integrante da Associação Americana de Professores Universitários (AAUP, por sua sigla em inglês), afirmou que “o objetivo é destruir a democracia”. Para ela, a ofensiva contra as universidades faz parte de um projeto autoritário.
“A liberdade acadêmica é uma peça-chave da democracia. Eles querem o caos. Universidades que defendem o pensamento crítico são um obstáculo”, disse.

Já Richard Leigh, engenheiro e pesquisador da área de mudanças climáticas, chamou a repressão de “cortina de fumaça”. “Eles não se importam de fato com os judeus. Usam o combate ao antissemitismo como desculpa para calar vozes dissidentes. Querem apagar fatos, encerrar bancos de dados científicos e impedir que o público tenha acesso à verdade sobre o clima.”
Para a professora de estudos do Oriente Médio na Universidade de Nova York (NYU), Abigail Balbale, afirmou há um esforço para desmontar as instituições de ensino superior. “A administração Trump não se importa com o antissemitismo. O que querem é destruir centros de resistência ao autoritarismo. E o financiamento federal para pesquisa, que beneficia o bem público, está desaparecendo”, alertou.
Uma estudante que preferiu não se identificar disse temer pela escalada autoritária. “Estão usando acusações de antissemitismo para justificar prisões de estudantes, inclusive de estudantes judeus que criticam o governo de Israel. Estão tentando restaurar um sistema universitário feito só para homens brancos, como era no início da história norte-americana.”
Outro manifestante acrescentou que o ataque é uma tentativa de restringir direitos democráticos básicos: “as universidades são um dos últimos bastiões da liberdade de expressão. O governo está testando os limites, começando por quem apoia a Palestina, para ver até onde pode ir.”
Antissemitismo como pretexto
Para o historiador Timothy Snyder, professor de Yale e autor de obras como Sobre a Tirania e A Estrada para a Não Liberdade, a retórica do governo Trump de combate ao antissemitismo serve, na verdade, como fachada para intensificar ataques às universidades e fomentar perseguições políticas.
Em vídeo publicado recentemente, Snyder afirma que a gestão não está interessada em proteger a população judaica, mas sim em usar a causa como instrumento para ampliar o controle estatal e alimentar discursos antissemitas.

Para ele, os principais instigadores desse movimento são Donald Trump e Elon Musk, figuras com histórico de declarações antissemitas e de apoio a discursos de ódio. A suposta defesa contra o antissemitismo seria apenas um pretexto para o pensamento crítico.
Snyder ressalta que há um padrão histórico claro: regimes que atacaram universidades, livros e bibliotecas nunca o fizeram para proteger judeus — ao contrário, essas ações sempre estiveram associadas à repressão. A política de deportação de estudantes muçulmanos sem acusações formais, avalia, é uma provocação deliberada que visa gerar conflito entre comunidades e enfraquecer a convivência inter-religiosa.
Ele também alerta para o perigo de transformar o combate ao antissemitismo em uma justificativa autoritária.
Quando o governo afirma agir “por causa do antissemitismo”, está, na prática, reforçando a teoria conspiratória de que os judeus controlam tudo — uma narrativa antissemita em sua essência. Ao fim, Snyder conclui que usar o antissemitismo como ferramenta para perseguir universidades e minorias não apenas distorce o conceito, como o esvazia, impedindo que o verdadeiro antissemitismo — que continua a crescer globalmente — seja efetivamente combatido.
