A comunidade acadêmica da Universidade de São Paulo (USP) tem se mobilizado nos últimos dias em favor de quatro estudantes do curso de Ciências Moleculares.
Isso por que, os alunos, todos eles ligados ao Comitê de Estudantes em Solidariedade ao Povo Palestino (ESPP), enfrentam um Processo Administrativo Disciplinar (PAD) por suposto caso de antissemitismo.
O PAD foi instaurado em novembro de 2023 e tramita em sigilo, razão pela qual os nomes dos envolvidos estão sendo preservados. Originalmente, eram cinco os estudantes acusados, porém, uma das pessoas envolvidas acabou sendo retirada do processo, após a comprovação que as acusações contra ela se baseavam em declarações falsas.
O processo contra os outros quatro denunciados está em sua etapa final e, em breve, serão conhecidas as decisões da reitoria a respeito do tema.
Processo do regime militar
O principal temor da defesa dos acusados é a utilização de um mecanismo criado nos tempos da ditadura militar (1964-1985) para categorizar a suposta infração dos alunos e sua posterior expulsão.
A Opera Mundi, Maíra Pinheiro, advogada criminal especializada em temas de direitos humanos e direitos das mulheres, é a responsável pela defesa dos estudantes no processo administrativo em tramitação na USP.
Segundo ela, o processo contra os acusados se baseia nos artigos 249 e 250 do Regimento Geral da USP, criados em 1972, durante o regime militar.
“É uma absoluta anomalia que esta norma siga em vigor, por isso nós temos dois abaixo-assinados circulando na universidade, um por iniciativa dos professores, que já conta com mais de 230 apoios, e outros dos estudantes de diferentes faculdades, que já reuniram mais de 6,9 mil assinaturas”, contou.
A denúncia foi feita por grupos conservadores que utilizaram a ata de um evento do Centro Acadêmico de Ciências Moleculares que vazou nas redes sociais, na qual foi incluído um manifesto em repúdio aos ataques realizados por Israel contra a população civil da Faixa de Gaza desde o dia 7 de outubro de 2023.
Processo sem evidências
A partir desse incidente, iniciou-se uma campanha de pressão sobre a direção do curso exigindo a adoção de medidas disciplinares contra os quatro alunos.
Maíra afirmou que não há evidências materiais de pressão externa específica a favor da denúncia contra os quatro estudantes, já que “boa parte do processo está baseada em e-mails apócrifos, documentos anônimos, sem credibilidade, o que tem sido muito comuns em ações similares a esta nas quais eu tenho atuado desde o ano passado”.
“O que nós temos é a introdução nos meios de comunicação hegemônicos de uma narrativa que justifica o discurso sionista sobre o que está acontecendo em Gaza, que se baseia, entre outras coisas, na ideia de que qualquer crítica a Israel é um ato de antissemitismo, e isso acaba de alguma forma criando um clima favorável a esse tipo de denúncia”, acrescenta a defensora, que esteve na Cisjordânia em julho deste ano, participando da Escola de Verão de Direito Internacional da Al Haq, Organização de Direitos Humanos da Palestina.
Para o cientista político Paulo Sérgio Pinheiro, professor aposentado do Departamento de Ciência Política da USP e um dos que assinou o abaixo assinado dos docentes em favor dos processados, “este um processo que nunca deveria ter sido aberto, os alunos estão sendo acusados com base em um mecanismo totalmente inconstitucional, que reivindica a visão com a qual a ditadura concebia a disciplina dos estudantes universitários”.
O acadêmico, que foi membro da Comissão Naciona da Verdade criada durante o governo de Dilma Rousseff (2011-2016), disse a Opera Mundi que “há uma grande quantidade de professores que estão indignados com o que está acontecendo e que, caso essa punição seja imposta, vão tomar todas as medidas possíveis e cabíveis para tentar anular o trabalho dessa comissão processante, ao meu ver injustificado, e que é uma vergonha para a maior universidade da América do Sul”.