Terça-feira, 13 de maio de 2025
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Começou a tramitar, na Câmara dos Deputados, medida que incorpora ao ordenamento jurídico brasileiro a definição de antissemitismo da Aliança Internacional para a Memória do Holocausto (IHRA), com o objetivo de ampliar e detalhar a repressão contra essa modalidade de racismo. O Projeto de Lei 472/2005, que trata dessa matéria, é de autoria do deputado Eduardo Pazuello, com o objetivo de punir “qualquer atitude que, de forma direta ou velada, questione a legitimidade do estado de Israel ou minimize a gravidade do Holocausto”, conforme declarou à Agência Câmara.

O parlamentar se apresenta como judeu de descendência marroquina, nascido no Rio de Janeiro, e tem se colocado disponível para a agenda pró-Israel. Após o ataque do Hamas, em 7 de outubro de 2023, assinou um documento solicitando ao Itamaraty a denominação de “organização terrorista” para o grupo palestino. Para virar lei, seu texto precisa ser aprovado pelas duas casas do Congresso.

A proposta, contudo, tem recebido críticas e protestos.

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“O conceito da IHRA é problemático porque trata algumas formas de crítica a Israel como antissemitismo”, argumenta Bruno Huberman, professor de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), de origem judaica. “Não vejo razão para adotá-la dentro do contexto brasileiro, que já tem um importante arcabouço legal para lidar com o racismo. A intenção é perseguir, censurar e calar pessoas solidárias com a Palestina.

A Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância, firmada pelo Brasil em 2013 e promulgada em 2022, protege vítimas de intolerância religiosa ou discriminação étnica, como é o caso do antissemitismo. A norma da IHRA, adotada por doze estados brasileiros e capitais como Rio de Janeiro e São Paulo, amplia o entendimento do que seria antissemitismo, incluindo “negar o direito de existência de Israel”, “comparar políticas israelenses ao nazismo” ou “acusar o Estado de Israel de ser um projeto racista”. Dos 11 exemplos listados pela organização, sete estão relacionados a posturas críticas ao governo israelense.

Para especialistas, projeto blinda Israel de críticas contra o genocídio em Gaza
Neil Ward/Wikimedia Commons

Essa interpretação já tem reflexos práticos. Em fevereiro de 2024, a Confederação Israelita do Brasil (Conib) acusou o presidente Lula de antissemitismo após o mandatário comparar os ataques militares de Israel contra a faixa de Gaza – com mais de 50 mil palestinos assassinados, segundo autoridades locais – ao Holocausto. A mesma definição foi usada em uma notícia-crime contra a diplomata Claudia Assaf, arquivada pelo Ministério Público Federal.

Lideranças e intelectuais que se posicionam em favor do povo palestino vêm sendo acusadas de “antissemitas” devido às suas críticas contra Israel, como é o caso do jornalista Breno Altman e de Luciana Genro, deputada estadual pelo PSOL gaúcho, ambos de famílias judias.

O próprio Huberman, junto com o colega Reginaldo Nasser, também professor da PUC-SP, ambos coordenadores do Grupo de Estudos sobre Conflitos Internacionais (GECI), foram convocados para prestar esclarecimentos à Fundação São Paulo, mantenedora da instituição de ensino, por supostas práticas antissemitas – foi instalada um apuração interna que os inocentou. A universidade católica foi a primeira, no Brasil, a reconhecer os paradigmas da IHRA como estatuto para classificação de antissemitismo.

“As pessoas acusadas ficam com a pecha de antissemitas e passam por sofrimentos psíquicos, ficam com medo”, argumenta Huberman. “Eu mesmo, quando fui acusado de antissemitismo, fiquei com essa pecha. Você fica marcado, não é? Isso é uma das vitórias do lobby israelense, que busca empurrar esse tipo de definição.”

“É por isso que querem que essas definições virem lei, para que o assédio judicial contra nós, que damos voz aos palestinos indefesos, seja efetivo e nos cale”, argumentou Assaf em publicação.

Clemesha e Huberman destacam que projeto proposto por Pazuello ameaça à liberdade
Pedro França/Agência Senado e Reprodução

‘Objetivo é blindar Israel’

Para Huberman, a definição acaba impedindo o combate ao “verdadeiro antissemitismo” que, segundo ele, tem crescido nos últimos tempos. “A percepção negativa que muitas pessoas têm do Estado de Israel acaba transbordando para antissemitismos verdadeiros”, argumenta. “O objetivo da definição da IHRA é blindar Israel, não proteger os judeus.”

A equivalência entre antissionismo e antissemitismo é recurso constantemente estimulado pelo Estado de Israel, desde sua fundação em 1948, mas está longe de ser aceito em muitos setores, como na comunidade acadêmica.

Professora de História Árabe no Departamento de Letras Orientais da Universidade de São Paulo (USP), além de dirigir o Centro de Estudos Palestinos da instituição, Arlene Clemesha explica que antissemitismo é o ódio racial voltado especificamente ao povo judeu. Difere de antissionismo, que se trata da oposição a uma doutrina política.

“O discurso da IHRA não é acidental, mas para dizer que críticas ao Estado de Israel configuram oposição de cunho antissemita”, explica. “Qualquer estado do mundo pode ser criticado, por que Israel não?”

O Parlamento israelense aprovou, em 19 julho de 2018 uma lei que define Israel como “Estado-Nação do povo judeu”. A propaganda israelense, no entanto, reivindica que é único regime democrático do Oriente Médio. Para a professora da USP, essa caracterização não se sustenta quando há segregação racial contra palestinos que vivem sob a ocupação sionista.

Deputado Eduardo Pazuello é autor do projeto que quer definir antissemitismo
Renato Araujo/Câmara dos Deputados

Ao menos 46 países no mundo já adotam oficialmente a definição de antissemitismo do IHRA, entre eles os sul-americanos Argentina e Uruguai. No Brasil, doze estados já assinaram o Termo de Adesão à definição até o momento: Amazonas, Distrito Federal, Goiás, Mato Grosso, Minas Gerais, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Rondônia, Roraima, Santa Catarina e São Paulo. Também o fizeram capitais como São Paulo e Rio de Janeiro.

A Federação Árabe Palestina do Brasil (Fepal) afirmou que o texto em análise na Câmara dos Deputados é “uma mordaça sionista para criminalizar a causa palestina no Brasil”. Ao chamar Pazuello de “um dos genocidas da pandemia e pior ministro da saúde da história”, o presidente da Fepal, Ualid Rabah, defendeu que o projeto é uma iniciativa “fascista”.

“O assassino que matou brasileiros sufocados na pandemia agora empresta seu mandato parlamentar para ajudar os assassinos sionistas a calarem os críticos do Holocausto Palestino promovido por Israel em Gaza”, disse.

Com informações de Agência Câmara.