A possibilidade de a Palestina se tornar um membro pleno da Organização das Nações Unidas (ONU) ganha impulso, com países como Espanha, Irlanda e Noruega passando a reconhecer oficialmente o Estado palestino.
A partir desses avanços, especialistas discutem as implicações práticas dessa mudança. E, sobretudo, se isso garantiria maior proteção contra as ações de Israel.
Segundo o jornalista e pesquisador em relações internacionais Arturo Hartmann, o reconhecimento da Palestina na ONU poderia transformar seu estatuto, permitindo acesso a fóruns e arbitragem internacional, hoje inacessíveis.
“Poderia abrir caminho para um reconhecimento formal e legal que colocaria a Palestina numa posição mais forte para contestar a ocupação israelense”, declara.
Hartmann não ignora a influência que os Estados Unidos, principal aliado israelense, têm no Conselho de Segurança, que tem o poder de aprovar ou negar o reconhecimento do Estado Palestino.
“A ordem global foi estruturada para que a maioria não possa decidir”, diz Hartmann. “A Assembleia Geral vota, a Assembleia Geral coloca propostas, mas as decisões dela não têm efeito prático. As decisões do Conselho de Segurança, sim”, destaca.
No campo simbólico, Hartmann acredita que o reconhecimento seria um marco importante para a causa palestina, representando a validação de sua luta por independência, mas ressalta que “a independência formal não garante a libertação total, pois a Palestina poderia continuar dependente de Israel em muitos aspectos”.
Ele compara a situação aos processos de descolonização dos anos 1960, onde muitas nações africanas conquistaram a independência formal, mas permaneceram econômica e politicamente dependentes das antigas potências coloniais.
Já o presidente da Federação Palestina do Brasil (Fepal), Ualid Rabah, avalia que esse reconhecimento ampliado facilitaria ainda mais a participação palestina em processos internacionais, podendo aumentar a pressão legal sobre Israel mediante crimes de guerra e outras violações, como crimes de perseguição e apartheid.
Rabah argumenta que o reconhecimento internacional crescente e as investigações em tribunais internacionais podem gradualmente isolar Israel e limitar suas ações. A investigação do Tribunal Penal Internacional (TPI) sobre crimes de guerra, incluindo ordens de prisão para líderes israelenses, já indica mudança significativa.
O presidente da Fepal afirma ainda que o reconhecimento do Estado da Palestina como membro pleno na ONU representa um passo na legitimação internacional dos direitos palestinos à autodeterminação e soberania.
Ademais, tal mudança traria vantagens como o direito de sentar-se entre os Estados-membros na Assembleia Geral, fazer declarações em nome de grupos e propor alterações em resoluções.
Qual é a atual posição da ONU sobre o Estado palestino?
Apesar de ter votado em novembro de 2012 para conceder aos palestinos o status de Estado observador nas Nações Unidas, a organização não reconhece plenamente a existência do Estado palestino. Desta forma, há direito de participar de debates, mas não das votações.
A condição de membro pleno permitiria à Palestina participar de organizações internacionais de maneira mais robusta, diz Rabah.
Contudo, a questão de se isso impediria Israel de continuar suas ações contra os palestinos é complexa, diz, já que adesão plena à ONU não garante automaticamente o cessar de conflitos ou de violações de direitos humanos. Além disso, a pressão exercida pelos Estados Unidos — principal aliado israelense — é vista como outro fator contrário.
“Entretanto, muitas coisas mudaram, mesmo contra a vontade dos Estados Unidos. A guerra do Vietnã acabou contra sua vontade. As ditaduras e o apartheid acabaram contra a vontade norte-americana”, exemplifica.
Quais países reconhecem a Palestina?
A Espanha, Noruega e Irlanda anunciaram nesta terça-feira (28/05) o reconhecimento da Palestina como um Estado independente, se unindo a uma lista de outros 143 países, incluindo o Brasil.
Ualid Rabah avalia que o isolamento de Israel se acelera com o apoio de grupos como o BRICS e a Organização de Cooperação de Xangai. “A força do BRICS, dos países não alinhados, da cooperação de Xangai, da Rússia e China, vai isolar os Estados Unidos e Israel”.
Rabah entende que, com o tempo, países da Europa vão deixar de “permanecer sem reconhecer o Estado da Palestina”, incluindo nações como Finlândia e Suécia.
Já para Hartmann, a crescente solidariedade internacional com a Palestina é evidente, mas, segundo ele, para que haja mudança real, é preciso mudar a estrutura de poder atual ou os EUA mudarem sua postura, algo difícil a curto prazo.
(*) Com Sputnik