William Schabas, um dos principais estudiosos do genocídio no mundo, criticou duramente o primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, e o secretário de Relações Exteriores, David Lammy, por se recusarem a classificar as ações de Israel em Gaza como genocídio.
Em entrevista ao Middle East Eye, o acadêmico especializado em direito penal internacional e direitos humanos, acusou os líderes britânicos de serem hipócritas e de não aplicarem a Convenção sobre Genocídio de maneira consistente. “Essas pessoas são hipócritas. Elas falam com a língua bifurcada e não interpretam ou aplicam a Convenção sobre Genocídio de forma consistente”, disse Schabas, de família com ascendência judaica, e acadêmico canadense especializado em direito internacional e direitos humanos.
Schabas destacou que Starmer e Lammy mudam suas posições dependendo de quem estão defendendo, e questionou por que os dois votaram a favor de uma resolução em 2021 no Parlamento britânico que condenava a China por genocídio contra a minoria uigur, mas não reconhecem as ações de Israel em Gaza de forma semelhante.
“Embora haja alguma evidência de perseguição dos uigures, não há provas sérias de assassinatos em massa, como aconteceu com os palestinos em Gaza”, afirmou, ressaltando que o número de mortes entre os uigures na China é incomparável ao que está acontecendo no enclave palestino.
O especialista, autor do livro Genocídio no Direito Internacional: O Crime dos Crimes (2009), também lembrou do papel de Starmer como defensor da Croácia em um caso sobre genocídio contra a Sérvia no Tribunal Internacional de Justiça (ICJ) no ano de 2014, quando ele argumentou que a Sérvia havia cometido genocídio na Croácia. Ele reiterou, ainda, que “os atos da Sérvia na Croácia e os de Israel em Gaza não têm comparação”.
Ele também questionou a posição do Reino Unido em relação a genocídios em diferentes contextos, citando a intervenção do país no caso dos rohingyas em Myanmar, no qual, com outros países, foi adotada uma postura mais flexível sobre a definição de genocídio. No caso da Ucrânia contra a Rússia, porém, o Reino Unido argumentou por uma abordagem mais restritiva no ICJ.
O professor de Direito Internacional na Middlesex University de Londres apontou que a inconsistência do Reino Unido na definição de genocídio revela uma agenda política e geopolítica; em resposta, o Ministério das Relações Exteriores do Reino Unido reafirmou sua posição de que a determinação sobre genocídio deve ser feita por tribunais competentes e não por governos ou órgãos não judiciais.
A questão também ganhou maior atenção com as declarações da relatora especial da Organização das Nações Unidas (ONU), Francesca Albanese, que chamou Lammy, o secretário de Relações Exteriores, de “negacionista do genocídio” e criticou o Reino Unido por não tomar medidas para impedir o que considera um crime em Gaza.
Albanese argumentou que o Reino Unido minimiza a gravidade da situação, o que reflete um desprezo pela seriedade do termo genocídio. Além disso, em 29 de outubro, Lammy sugeriu que Israel não está cometendo genocídio em Gaza porque milhões de pessoas não foram mortas.
O comentário gerou indignação, com muitos argumentando que a sua utilização do termo genocídio está sendo distorta – o ministério das Relações Exteriores afirmou que Lammy não sugeriu que genocídio só pode ocorrer quando milhões de pessoas são mortas, mas sim que o termo tem sido amplamente aplicado a situações como o Holocausto e o genocídio em Ruanda, o que enfraquece a gravidade do termo quando usado de forma ampla.
A pressão para que o Reino Unido adote uma posição mais firme em relação à situação em Gaza continua a crescer, com críticos apontando que a recusa em reconhecer o genocídio é uma forma de proteger aliados políticos, enquanto ignora as evidências de abusos generalizados.