A Comissão Europeia recomendou em 8 de novembro que fossem iniciadas as negociações sobre a entrada da Ucrânia na União Europeia (UE). A recomendação para o ingresso no bloco também contempla a Moldávia e estabelece formalmente a Geórgia como país candidato. O anúncio foi celebrado como um importante passo para o início do procedimento formal de análise das candidaturas e procedimentos técnicos. A guerra em curso e as divergências políticas dentro do bloco impõem sérios obstáculos para a Ucrânia.
O anúncio da recomendação foi feito pela presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, que afirmou que a Ucrânia vem conseguindo promover mudanças, mesmo durante a guerra, para cumprir as condições de entrada no bloco.
“E agora,10 anos depois, hoje é um dia histórico porque a Comissão recomenda que o Conselho abra negociações de adesão com a Ucrânia e com a Moldávia. A Ucrânia continua enfrentando enormes dificuldades e tragédias provocadas pela guerra de agressão da Rússia e, no entanto, os ucranianos estão reformando profundamente o seu país, mesmo quando estão travando uma guerra que é existencial para eles”, afirmou.
As recomendações serão submetidas aos líderes dos países da União Europeia durante a cúpula da organização que será realizada em 14 de dezembro, em Bruxelas. Para as negociações iniciarem formalmente, a iniciativa deve ser apoiada por todos os líderes dos países – membros. O ministro das Relações Exteriores da Ucrânia, Dmitry Kuleba, expressou otimismo sobre o processo.
“Estamos otimistas. Fizemos muitas reformas e aprovamos a legislação necessária para cumprir as recomendações. Portanto, estamos ansiosos pela apresentação deste relatório. E tenho razões para acreditar que ele abrirá o caminho para a decisão do Conselho Europeu sobre a abertura de conversações sobre acesso com a Ucrânia e outros países”, declarou.
O caminho para a Ucrânia entrar na União Europeia, no entanto, não será fácil. Em entrevista ao Brasil de Fato, o presidente do Centro de Pesquisa Política Aplicada ucraniano “Penta”, Vladimir Fesenko, afirmou que o principal problema não é o cumprimento das recomendações europeias, pois isso “é uma questão de trabalho técnico” entre as partes. O cientista político é categórico ao apontar o problema, de caráter político, que pode atrapalhar os planos de Zelensky: a Hungria.
Ao comentar a recomendação da Comissão Europeia, o governo húngaro afirmou que a Ucrânia não cumpriu os requisitos necessários para iniciar as negociações sobre a sua adesão à UE. O chefe do gabinete do primeiro-ministro da Hungria, Gergely Gulyas, declarou em 9 de novembro que a Ucrânia, em particular, não respeita os direitos das minorias nacionais, citando o caso dos húngaros étnicos que vivem no país.
Já no dia 15 de novembro, o Ministro húngaro para Assuntos Europeus, Janos Boka, já declarou que o país não apoiará decisões da UE que facilitem a adesão da Ucrânia até que haja “discussões estratégicas”, exigindo uma revisão da política do bloco sobre a candidatura de Kiev. A Hungria tem proximidade com a Rússia, e critica tanto as sanções contra Moscou quanto a ajuda financeira e militar exacerbada para a Ucrânia.
Além disso, uma publicação da Reuters, citando um alto funcionário da UE, divulgou que a decisão da União Europeia de iniciar negociações sobre a adesão da Ucrânia pode ser adiada. De acordo com a fonte, o risco desse processo não ser iniciado na cúpula de dezembro acontece justamente por conta da resistência húngara.
De acordo com Vladimir Fesenko, a Hungria quer usar as exigências à Ucrânia para colocá-la em uma posição de dependência da Hungria e barganhar novas exigências. O cientista político argumenta que o governo do primeiro-ministro Viktor Orban irá utilizar dessa barganha para descongelar fundos húngaros que atualmente estão bloqueados pela Comissão Europeia.
Presidência Ucrânia
Ursula von der Leyen e Volodymyr Zelensky em Kiev, em 4 de novembro de 2023
Este fundo corresponde à 8ª parcela de 500 milhões de euros do Fundo Europeu para a Paz, que compensa os estados da UE por apoiarem a Ucrânia com armas. Este bloqueio foi adotado após a Agência Nacional Ucraniana para a Prevenção da Corrupção ter incluído o maior banco húngaro, o OTP Bank, na sua lista de “patrocinadores da guerra” devido à posição da administração do banco de continuar operando na Rússia.
“Muitos avaliam que Orban [primeiro-ministro húngaro] pode agir de acordo com os interesses da Rússia, e que ele propositalmente iria frear o início das negociações da Ucrânia com a União Europeia, em alguma medida correspondendo aos interesses da Rússia. Aqui convergem os interesses individualistas de Orban, os interesses da Rússia, e isso pode ser o principal problema para a Ucrânia”, avalia Fesenko.
O cientista político aponta que, neste contexto, há duas variáveis: ou a Hungria pode bloquear agora o início das negociações entre a Ucrânia e a UE, ou as negociações começam, mas a Hungria de qualquer jeito trará problemas nesse sentido no futuro.
Congelamento da guerra como 'estímulo' para Ucrânia
Por outro lado, o avanço das negociações pode representar um momento de inflexão na guerra da Ucrânia e afetar o prolongamento do conflito. A movimentação sobre a adesão da Ucrânia ao bloco europeu acontece em meio a especulações de “congelamento” da guerra Rússia-Ucrânia por conta do fracasso da falta de êxitos concretos da contraofensiva ucraniana. Ao mesmo tempo, a escalada da guerra de Israel contra a Palestina deixou o conflito ucraniano em segundo plano, o que vem gerando resistência, sobretudo nos EUA, em manter o financiamento militar e financeiro do Ocidente a Kiev.
Além disso, o próprio prolongamento do conflito cria um problema técnico para o ingresso de um novo país na União Europeia, e isso também pode ser usado pela Hungria como pressão para resistir à candidatura da Ucrânia. Em particular, se a guerra se prolongar por um tempo longo. “É claro que isso vai atrapalhar a entrada da Ucrânia na etapa final das negociações. E isso será um argumento para a Hungria, e outros países, de que não se pode receber a Ucrânia na União Europeia enquanto tiver guerra. Mas é provável que daqui a algum tempo, no mínimo, terá um congelamento do conflito”, afirma Vladimir Fesenko.
Por outro lado, o pesquisador aponta que, para a Ucrânia, o fim das ações militares pode ser inclusive um estímulo pra uma decisão positiva em relação ao ingresso na UE. Segundo ele, as negociações sobre o fim das atividades militares podem estar vinculadas a negociações sobre garantias de segurança da Ucrânia, e “essas discussões já ocorrem”.
Vale lembrar que, de acordo com recentes declarações do presidente russo, Vladimir Putin, “a Rússia nunca se opôs à adesão da Ucrânia à União Europeia”. Em 5 de outubro, ao participar do Fórum de Discussão Valdai, Putin afirmou que a resistência da Rússia sempre foi em relação à entrada na Otan.
Desta forma, o cientista político Vladimir Fesenko não exclui a inter-relação entre as negociações para a entrada da Ucrânia na União Europeia como um estímulo para congelar o conflito com a Rússia.
“Por isso a principal condição deverá ser a interrupção das ações militares, e eu não excluo que, em perspectiva, esses processos podem estar inter-relacionados. Ou seja, para a Ucrânia, o estímulo para o fim das ações militares pode ser uma decisão positiva para o ingresso da Ucrânia na UE”, completa o analista.