O Brasil, representado pela embaixadora Cláudia Fonseca Buzzi, não assinou a declaração final da conferência sobre a Ucrânia, encerrada no hotel Bürgenstock, perto do Lago Lucerna, na Suíça, neste domingo (16/06).
O posicionamento diplomático brasileiro ocorreu após a insistência do governo de Lula em afirmar que a reunião não fazia sentido sem a presença da Rússia, que não foi convidada para o diálogo.
Desde quando o Brasil recebeu o convite suíço, por meio de um encontro entre o Ministro das Relações Exteriores do Brasil, Mauro Vieira, e seu homólogo suíço, Ignacio Cassis, no final de abril passado, o país latino-americano declarou que aceitaria a iniciativa caso a Rússia participasse do diálogo.
Desde então, o governo brasileiro reiterou seu posicionamento, de forma que, na última quinta-feira (13/06), às vésperas da cúpula, o governo de Berna – aproveitando a passagem de Lula pela Europa para um evento da Organização internacional do Trabalho (OIT) e do G7 – ainda insistiu para que o Brasil tivesse mais representatividade no evento.
Por sua vez, Lula negou que esteja do lado do mandatário da Rússia, Vladimir Putin, em meio ao conflito entre Kiev e Moscou. “Eu não faço defesa do Putin. O Brasil foi o primeiro país a criticar a Rússia pela invasão. O que eu faço é ter lado, o lado da paz”, disse.
Durante as negociações para cúpula, os países ocidentais modificaram a programação para tentar convencer o Brasil e outras nações emergentes a participar da reunião. Mas, ainda assim, a agenda continuou sendo baseada nos planos do presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky.
Desta forma, o governo Lula evitou envolver-se mais na cúpula, enviando uma delegação brasileira, temendo que a condição de país observador fosse ignorada no momento de se declarar as conclusões do encontro.
O temor brasileiro concretizou-se, confirmado pelo ministro das Relações Exteriores da Ucrânia, Dmitry Kuleba, ao anunciar que o texto da declaração da cúpula sobre a Ucrânia estava pronto e que todas as posições de princípio de Kiev haviam sido levadas em consideração.
Assim, além do Brasil, o comunicado conjunto sobre um quadro de paz, publicado no site do governo da Suíça, também não foi assinado por outros 11 países: África do Sul, Arábia Saudita, Armênia, Bahrein, Emirados Árabes Unidos, Eslováquia, Índia, Indonésia, Líbia, México, Santa Sé, e a Tailândia.
O comunicado final do encontro “reafirma a integridade territorial” de Kiev e apela à troca completa de prisioneiros de guerra, bem como o regresso das crianças deportas da Rússia.
Ao anunciar o documento final, a presidente da Suíça Viola Amherd afirmou que o acordo foi feito “apesar dos diferentes pontos de vista” e disse estar “confiante do comprometimento com o processo de paz para além de Bürgenstock, sabendo que o caminho a seguir é longo e desafiador”.
Despite our different points of view, we have managed to agree on a common vision. We have set out that vision in the #BürgenstockCommuniqué. I am confident that we will commit ourselves to this process beyond the Bürgenstock, knowing that the road ahead is long & challenging.
— Viola Amherd (@Violapamherd) June 16, 2024
Segundo ela, a conferência “envia um sinal claro ao povo da Ucrânia e a todos aqueles diretamente afetados pelas consequências da guerra, de que uma grande parte da comunidade internacional tem o desejo de provocar mudanças”.
Leia a declaração final sobre a Cúpula de Paz na Ucrânia na íntegra:
A guerra em curso da Federação Russa contra a Ucrânia continua a causar sofrimento e destruição humana em grande escala e a criar riscos e crises com repercussões globais. Reunimo-nos na Suíça, de 15 a 16 de junho de 2024, para reforçar um diálogo de alto nível sobre os caminhos para uma paz abrangente, justa e duradoura para a Ucrânia. Reiteramos as resoluções A/RES/ES-11/1 e A/RES/ES-11/6 adotadas na Assembleia Geral da ONU e sublinhamos o nosso compromisso de defender o direito internacional, incluindo a Carta das Nações Unidas. Esta cúpula baseou-se nos debates anteriores que tiveram lugar com base na Fórmula de Paz da Ucrânia e em outras propostas de paz que estão em conformidade com o direito internacional, incluindo a Carta das Nações Unidas.
Apreciamos profundamente a hospitalidade da Suíça e a sua iniciativa de acolher a Cúpula de Alto Nível como expressão do seu firme compromisso de promover a paz e a segurança internacionais.
Tivemos uma troca frutífera, abrangente e construtiva de vários pontos de vista sobre os caminhos para um quadro para uma paz abrangente, justa e duradoura, baseada no direito internacional, incluindo a Carta das Nações Unidas. Em particular, reafirmamos o nosso compromisso de abster-se da ameaça ou do uso da força contra a integridade territorial ou a independência política de qualquer Estado, os princípios de soberania, independência e integridade territorial de todos os Estados, incluindo a Ucrânia, dentro das suas fronteiras internacionalmente reconhecidas, incluindo as águas territoriais, e a resolução de litígios através de meios pacíficos como princípios do direito internacional.
Além disso, temos uma visão comum sobre os seguintes aspectos cruciais:
Em primeiro lugar, qualquer utilização da energia nuclear e de instalações nucleares deve ser segura, protegida, salvaguardada e ambientalmente correta. As centrais e instalações nucleares ucranianas, incluindo a Central Nuclear de Zaporizhzhia, devem funcionar de forma segura e protegida, sob pleno controle soberano da Ucrânia, em conformidade com os princípios da AIEA e sob a sua supervisão.
Qualquer ameaça ou utilização de armas nucleares no contexto da guerra em curso contra a Ucrânia é inadmissível.
Em segundo lugar, a segurança alimentar global depende da produção e fornecimento ininterruptos de produtos alimentares. Neste sentido, a navegação comercial livre, plena e segura, bem como o acesso aos portos marítimos nos mares Negro e Azov, são fundamentais. Os ataques a navios mercantes nos portos e ao longo de toda a rota, bem como contra portos civis e infra-estruturas portuárias civis, são inaceitáveis.
A segurança alimentar não deve ser transformada em arma de forma alguma. Os produtos agrícolas ucranianos devem ser fornecidos de forma segura e gratuita aos países terceiros interessados.
Em terceiro lugar, todos os prisioneiros de guerra devem ser libertados através de uma troca completa. Todas as crianças ucranianas deportadas e deslocadas ilegalmente, e todos os outros civis ucranianos que foram detidos ilegalmente, devem ser devolvidos à Ucrânia.
Acreditamos que alcançar a paz requer o envolvimento e o diálogo entre todas as partes. Decidimos, portanto, tomar medidas concretas no futuro nas áreas acima mencionadas, com maior envolvimento dos representantes de todas as partes.
A Carta das Nações Unidas, incluindo os princípios do respeito pela integridade territorial e soberania de todos os Estados, pode e servirá de base para alcançar uma paz abrangente, justa e duradoura na Ucrânia.
Lista de países que apoiam o comunicado conjunto
Status 16 de junho de 2024
Albânia, Andorra, Argentina, Austrália, Áustria, Bélgica, Benin, Bósnia e Herzegovina, Bulgária, Cabo Verde, Canadá, Chile, Comores, Costa Rica, Costa do Marfim, Conselho da Europa, Croácia, Chipre, Tchéquia, Dinamarca, República Dominicana, Equador, Estônia, Comissão Europeia, Conselho Europeu, Parlamento Europeu, Fiji, Finlândia, França, Gâmbia, Geórgia, Alemanha, Gana, Grécia, Guatemala, Hungria, Islândia, Iraque, Irlanda, Israel, Itália, Japão , Quênia, Kosovo, Letônia, Libéria, Liechtenstein, Lituânia, Luxemburgo, Malta, Moldávia, Mónaco, Montenegro, Países Baixos, Nova Zelândia, Macedónia do Norte, Noruega, Palau, Peru, Filipinas, Polônia, Portugal, Qatar, República da Coreia, Roménia , Ruanda, São Marino, São Tomé e Príncipe, Sérvia, Singapura, República Eslovaca, Eslovênia, Somália, Espanha, Suriname, Suécia, Suíça, Timor Leste, Turquia, Ucrânia, Reino Unido, Estados Unidos, Uruguai
(*) Com Ansa e Sputnik