O jornal norte-americano The New York Times publicou, de forma inédita, um documento das únicas negociações de paz entre a Rússia e a Ucrânia, realizadas entre 17 de março a 15 de abril de 2022. Segundo a publicação, o registro “esclarece os pontos de divergência que teriam de ser superados” para que o conflito chegasse ao fim.
De acordo com a publicação, os documentos foram fornecidos por fontes ucranianas, russas e europeias, e confirmados como autênticos por mediadores. Em linhas gerais, abordava a garantia de segurança da Ucrânia, mas também as exigências do presidente russo, Vladimir Putin.
Um dos principais pontos das exigências russas era o reconhecimento da Crimeia, conquistada por uma operação em 2014, como parte do território russo. No entanto, o documento mostra que em 15 de abril de 2022, ambas as partes concordaram em retirar a região do tratado, deixando-a sob domínio russo, mas sem reconhecimento ucraniano.
“Os negociadores da Ucrânia ofereceram-se para renunciar à adesão à Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e aceitar a ocupação russa de partes do seu território. Mas recusaram-se a reconhecer a soberania russa sobre eles”, escreveu o NYT.
Segundo o jornal, essa era uma “concessão significativa”, afinal a Ucrânia “estava pronta para se tornar um estado permanentemente neutro que nunca aderiria à OTAN ou permitira que forças estrangeiras se baseassem em seu solo”.
No entanto, Kiev também queria um consentimento russo de “garantia de segurança internacional”, que permitiria que outros países, como os da OTAN, mediante acordo assinado, pudessem ajudar em sua defesa caso a Rússia atacasse novamente no futuro.
Fechar o espaço aéreo da Ucrânia, fornecer armas, e levar forças armadas estrangeiras para restaurar e garantir a segurança do país vizinho foi então um ponto de discordância para a Rússia.
Outros pontos essenciais no tratado eram sobre armamento dos dois países – incluindo limite ao tamanho das Forças Armadas da Ucrânia e seus equipamentos, possível adesão ucraniana à União Europeia, cancelamento de sanções de Kiev contra Moscou, ceder a região independentista de Donbass, e leis sobre idioma e cultura, como tornar o russo a língua oficial da região.
“Os ucranianos estavam preparados para aceitar tais limites, mas procuraram limites muito mais elevados”, escreveu o jornal norte-americano. Autoridades mediadoras dos EUA classificaram as exigências como “desarmamento unilateral”.
Já em 29 de março, as negociações foram alteradas. O NYT afirma que “após cada revés militar, Putin reduzia suas exigências”, em especial relacionadas a territórios.
Em teoria, sem mencionar a Crimeia, o acordo estaria pronto. “Zelensky e Putin se encontrariam pessoalmente para finalizar um tratado de paz e chegar a um acordo sobre quanto território ucraniano a Rússia continuaria a ocupar”, escreveu o jornal.
No entanto, as autoridades russas apresentaram desconfiança com o artigo de garantia de ajuda internacional para Ucrânia, em especial de países membros da OTAN. Assim, “as autoridades russas enviaram sinais confusos em público sobre se o Kremlin estava realmente pronto para assinar o acordo. Os russos e ucranianos retornaram às sessões de negociação de horas por videochamada e WhatsApp”.
Outro ponto que dificultou a assinatura do tratado foi o surgimento de supostas imagens de civis ucranianos torturados em Bucha. Segundo o jornal norte-americano, a partir daquele momento, “para os ucranianos, a ideia de que o seu país pudesse chegar a um compromisso com a Rússia parecia mais remota do que nunca”.
Apesar do desdobramento, Zelensky chegou a declarar que as negociações continuariam mesmo com os acontecimentos em Bucha.
Porém, a esta altura, Kiev e Washington questionam as verdadeiras disposições russas em assinar um tratado de paz. Para eles, Putin “não estava realmente interessado em um acordo, mas sim tentando atolar a Ucrânia enquanto suas tropas se reagrupavam”.
Em 15 de abril, os documentos foram novamente modificados. Mantendo-se a questão da Crimeia, a Ucrânia ainda se manteria permanentemente neutra, mas autorizada a aderir à UE.
Neste momento, o NYT aponta que os principais pontos de discórdia foram o alcance de tiro dos mísseis ucranianos. Moscou queria uma limitação de 40 quilômetros, enquanto Kiev, 280 – para alcançar a Crimeia.
Mais uma vez a inconsistência relacionada à ajuda internacional, permitindo que a Ucrânia ativasse o artigo 5 da OTAN, era um problema. Segundo o parágrafo, os países membros da aliança poderiam vir em defesa da Ucrânia.
Situação das negociações e exigências de Moscou e Kiev
Atualmente, as negociações entre Moscou e Kiev se encontram em pausa. Enquanto a Rússia acusa o Ocidente de pressionar a Ucrânia para rejeitar um acordo de paz, este duvida dos esforços russos para dialogar sobre a guerra.
Na última sexta-feira (14/06), o mandatário russo propôs um plano para colocar fim à guerra. Na lista de dez propostas apresentadas pela Rússia, destacam-se três.
Uma delas determina que a Ucrânia “aceite a retirada completa de suas tropas das repúblicas populares de Donetsk e Lugansk, e também das províncias de Zaporozhie e Kherson”.
Outra condição, na mesma linha da anterior, se baseia tem a ver com as “novas realidades territoriais”, que Moscou afirma que devem ser reconhecidas oficialmente por Kiev: o estatuto da Crimeia, Sebastopol, Donetsk, Lugansk, Zaporozhie e Kherson como “membros da Federação Russa”.
Além disso, o Kremlin exige “a neutralidade, o não alinhamento e a desnuclearização da Ucrânia, bem como a sua desmilitarização e desnazificação”. Isso significa proibir o país de se associar com a União Europeia e a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), dois dos principais objetivos do presidente ucraniano Volodymyr Zelensky.
Já a Ucrânia exige a retirada de todas as forças russas de seu território, incluindo a Crimeia.