Depois do encontro pessoal com Vladimir Putin em Moscou, em julho, a inédita viagem do primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, à capital ucraniana de Kiev nesta sexta-feira (23/08), acompanhada de promessas de auxílio humanitário que “confortaram” Volodymyr Zelensky, levantaram algumas questões. Como ficam o BRICS? E as históricas relações comerciais com a Rússia?
Embora a Índia tenha um papel fundamental no BRICS e mesmo que a visita possa ser interpretada como uma possível aproximação com a Ucrânia, alinhada ao “Ocidente”, a reunião das autoridades têm reflexo mínimo no âmbito econômico. Esta é a avaliação do professor Bruno de Campos, mestre em Geografia pela UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) e pesquisador em assuntos da Índia.
A Opera Mundi, Campos explicou que o diálogo que Modi estabelece com Zelensky pode ser traduzido como um movimento político “não tradicional” que tem como objetivo aproximar a geopolítica indiana da Europa.
“O atual conflito na Ucrânia é visto como um embate entre países ligados à OTAN e a Rússia, e o conflito está tensionando a geopolítica mundial. Modi aparenta querer mostrar ao mundo que a Índia é parte interessada na questão ucraniana e na geopolítica mundial”, afirmou o docente.
“É interessante o fato de que no momento que o primeiro-ministro indiano foi para Polônia e Ucrânia, o primeiro-ministro chinês embarcou para Rússia e Belarus”, apontou, acrescentando que Índia e China estão “marcando posição na questão ucraniana”, apesar de apresentarem contraposições em relação à guerra. No entanto, não se descarta o fato de os países continuarem selando acordos comerciais e marcando reuniões de Estado.
O especialista também explicou que os acordos militares e de fornecimento de matérias-primas celebrados entre Moscou e Nova Deli são de grande importância para ambas os países. Ou seja, embora o premiê tenha expressado apoio à “integridade territorial” e “soberania ucraniana” durante o encontro com Zelensky, ele não estaria disposto a fazer movimentos políticos que desgastassem os laços com Putin, segundo essa interpretação.
“Qualquer possível ajuda de Modi a Zelensky será até o nível de não prejudicar a histórica relação da Índia com a Rússia”, analisou Campos.
Desde décadas atrás, o histórico indiano é marcado por uma relação de proximidade com o Kremlin – reforçada principalmente após os países ocidentais sancionarem Moscou, em decorrência da “Operação Especial Militar na Ucrânia”, iniciada em fevereiro de 2022.
Por exemplo, nos últimos dois anos, refinarias indianas tornaram-se os principais clientes de Moscou. O petróleo russo representa, agora, mais de dois quintos do produto importado pela Índia.
Já nos tempos da União Soviética (URSS), a Índia tinha relações comerciais com a região da atual Ucrânia, mas elas foram praticamente encerradas após 1991. Apesar de ter sido conhecida como uma “grande defensora do não alinhamento” durante a Guerra Fria, o país possuía laços marcados com a URSS, e os manteve com a Rússia, a partir dos anos 90.