Os líderes de oito países europeus se reúnem nesta segunda-feira (17/02) em Paris para traçar um plano para as negociações de paz na Ucrânia. A reunião, que não inclui os 27 países-membros da União Europeia, foi marcada com o objetivo de agilizar a elaboração de uma proposta conjunta. O bloco quer recuperar o protagonismo depois que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, iniciou negociações bilaterais com o seu homólogo russo, Vladimir Putin, sobre a Ucrânia, sem consultar a União Europeia ou a Ucrânia.
Confirmaram presença na reunião, além do presidente francês Emmanuel Macron, os seguintes chefes de Estado: Olaf Scholz (Alemanha), Keir Starmer (Reino Unido), Giorgia Meloni (Itália), Pedro Sanchez (Espanha), Donald Tusk (Polônia), Dick Schoof (Países Baixos) e Mette Frederiksen (Dinamarca). Além deles, estará presente a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, e o presidente do Conselho Europeu, Antonio Costa.
A iniciativas de Trump de discutir a paz na Ucrânia com Putin, sem consultas com a Europa e a Ucrânia, teve início na semana passada quando o mandatário norte-americano telefonou ao presidente russo. As conversas bilaterais continuarão esta semana, estando prevista uma reunião entre Putin e Trump na Arábia Saudita. Representantes dos Estados Unidos já voaram ao país para preparar o encontro entre os dois líderes.
Questionado este fim de semana sobre a presença de representantes da União Europeia ou de países membros nessas negociações, o enviado norte-americano para questões da Ucrânia, general Keith Kellogg, declarou-se adepto da “escola do realismo”, antes de responder categórico: “isso não vai acontecer”.
EUA questionam ‘valores democráticos’ da Europa
Kellog falou nesse final de semana, em evento paralelo à Conferência de Segurança de Munique, no qual os norte-americanos fizeram várias críticas à Europa.
O vice-presidente daquele país, JD Vance chegou a questionar “os valores democráticos” da Europa, dizendo que o continente não respeita a liberdade de expressão e a opinião de seus eleitores. As críticas são pelas tentativas de regulamentar redes sociais e pelos “cordões sanitários”, acordos pelos quais as demais forças políticas se comprometem a não fazer alianças com a extrema direita. Um desses acordos se articula contra o partido de extrema direita alemão Alternativa para a Alemanha (AfD), apoiado abertamente pelo multimilionário sul-africano Elon Musk, braço direito de Trump.
O ministro das Relações Exteriores francês, Jean-Noël Barrot criticou duramente essas declarações. “Ninguém é obrigado a adotar o nosso modelo, mas ninguém pode impor o seu próprio”. Ele também disse que o desafio lançado pela administração Trump pode acabar sendo benéfico porque “soprou na Europa um vento de unidade como não sentíamos desde o princípio da Covid”.
Na Conferência de Munique, os Estados Unidos voltaram a pressionar para que a Europa assuma a responsabilidade pela sua segurança e para que sejam eles que garantam a segurança da Ucrânia depois do cessar-fogo, embora esteja excluídos dessa negociação. Além de não destinar soldados próprios, os Estados Unidos descartaram a possibilidade de que tropas da Organização para o Tratado do Atlântico Norte (OTAN) sejam destinadas para a proteção da Ucrânia. A declaração foi feita pelo chefe do Pentágono, Pete Hegseth, durante a cúpula de ministros da Defesa realizada na semana passada.

O presidente francês Emmanuel Macron tornou-se o interlocutor da Europa junto a Trump
Europa deve garantir a paz sem participar da sua negociação
O presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, insistiu na necessidade de que a Europa garanta a proteção de seu país, alegando que, se os russos não forem impedidos de tomar a Ucrânia, certamente invadiriam outros países europeus no ano que vem.
O chefe da Organização para o Tratado do Atlântico Norte (OTAN), Mark Rutte, pediu em Munique que todos os 32 membros do bloco militar aumentem seus gastos com defesa, o que muitos, inclusive o Reino Unido e Espanha, se mostram dispostos a fazer. Zelensky voltou a pedir garantias e proteção para que, após o cessar fogo, a Rússia não volte a invadir suas fronteiras, alertando que acredita que os russos invadirão outros países europeus no ano que vem, caso não sejam detidos na Ucrânia.
Como a decisão militar caberá a cada país e não à União Europeia, Washington já intimou diretamente cada um desses países, enviando um questionário aos seus governos solicitando informações sobre quais armas e quantas tropas poderiam destinar à proteção das fronteiras ucranianas, informou o Financial Times. França e Reino Unido já se manifestaram dispostos e provavelmente encabeçariam a “coalizão dos dispostos” a enviar mais tropas à Ucrânia.
O jornal Le Monde destaca que a hipótese de tropas europeias protegendo as fronteiras da Ucrânia com a Rússia coloca questões cruciais sobre o número, a gestão e sobre como seria a reação a um eventual ataque. Também é preciso pensar sobre o papel que a OTAN poderia ter, mesmo que a Ucrânia não fosse membro e, principalmente, sobre como ficaria a questão do equipamento bélico que só os americanos podem fornecer.
UE discute ter exército próprio
Na Conferência de Munique, o Pentágono indicou que não destinará soldados para garantir a defesa da Ucrânia porque pretende se concentrar onde mais lhe interessa, o Indo-Pacífico. Mas não faltaram também declarações desencontradas, com o vice-presidente norte-americano dizendo que não descartavam o envio de tropas para a Ucrânia caso a Rússia não demonstrasse “boa vontade” nas negociações. Ou, em Washington, Trump dizendo que sua delegação se reuniria com russos de alto escalão em Munique, o que foi logo desmentido pelo governo russo.
No contexto da Conferência de Munique, Zelensky insistiu em Munique que era hora de criar um “exército da Europa”, ideia que agrada a Macron, defensor de uma defesa europeia maior, mais integrada e menos dependente dos Estados Unidos.
“Como resultado da aceleração da questão da Ucrânia (…), nós, europeus, teremos que fazer mais, melhor e de forma coerente pela nossa segurança coletiva”, disse Macron, que assumiu a liderança no contato com Washington. Foi ele também que convocou a reunião de hoje.
A ministra da Defesa da Lituânia, Dovilé Sakaliené, disse ao Le Monde, em Munique, que todos os ministros de defesa reunidos estavam um pouco abalados. “Passamos da ilusão de que os EUA estavam defendendo a Europa para a percepção de que teremos que fazer isso nós mesmos, com a ajuda dos EUA. E isso é completamente diferente”.