Desde a intensificação do conflito entre Rússia e Ucrânia, em fevereiro de 2022, pelo menos dez brasileiros morreram em combate do lado ucraniano. São várias as histórias de jovens que deixaram as suas vidas no Brasil em busca de um sonho comum: seguir a carreira militar.
Entre os inúmeros casos, está o de Antônio Vinícius, que há mais de um ano deixou o interior do Ceará para lutar em uma guerra que não é sua. Prestes a completar 25 anos, o brasileiro está internado em um hospital na Ucrânia desde o dia 13 de outubro do ano passado, após ter sofrido um grave acidente no campo de batalha.
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Em entrevista a Opera Mundi, a mãe de Vinícius, dona Miraci, disse estar em busca de uma transferência do filho para o Brasil. O jovem está sendo tratado na Ucrânia, mas as condições hospitalares em um país assolado pela guerra são custosas e precárias, e que o estado delicado de Vinícius pode exigir cuidados que os médicos não podem dar.
“Está muito difícil encontrar um hospital especializado em neurologia. Eu quero trazer o meu filho de volta. Daqui, estamos tentando contato com a Embaixada da Ucrânia em Brasília, porque ele precisa regressar e ficar ao meu lado”, relata a mãe, que clama pelo regresso de Vinícius. Ela também conta que o filho perdeu a visão, a audição e uma das pernas no campo de batalha.
A realidade econômica da família não favorece os anseios de Miraci. Aos 60 anos, ela conta que precisou fazer uma “vaquinha” para que o filho mais velho, Willian, fosse enviado à Ucrânia para cuidar do irmão, e também tentar viabilizar a transferência dele junto às autoridades daquele país.
“Ontem eu chorei de saudades dos dois. Nós estamos pelejando para que eles voltem. Recentemente, dei uma entrevista para um jornal e fui muito julgada. Prejulgaram o meu filho também. Isso me deixou muito triste, pois eu ando muito deprimida. Essas coisas maltratam a gente. Já sou uma senhora de idade, cuido da minha mãe de 94 anos e do meu marido de 79. Acho que ninguém gostaria de estar no meu lugar”, desabafou.
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O relatório médico ao qual Opera Mundi teve acesso mostra que Vinicius teve “traumatismo craniano fechado com cegueira cortical”, situação provocada pela explosão de uma mina terrestre. Também sofreu “lesão por fragmentação de arma de fogo que comprometeu a articulação do joelho direito”, “síndrome de torniquete e amputação do membro inferior direito no nível do terço médio da coxa”, “estenose cicatricial da laringe” e “surdez subcortical”.
Francisco Willian, o irmão mais velho, disse à reportagem que no primeiro hospital em que Vinícius foi atendido, uma médica havia dito que a cegueira e a surdez foram provocadas pela demora na amputação da perna. A infecção no membro inferior acabou atingindo o sistema nervoso e afetando o cérebro.
“Pelo que eu entendi, os olhos mandam a informação, mas o cérebro não a reconhece. Os médicos dizem que a parte occipital dele está morta e que, provavelmente, ele não voltará a enxergar. Mas eu não acho que pode ser irreversível, creio que ele não está recebendo o tratamento neurológico específico para o caso dele”, comenta o irmão.
Miraci revelou que o filho chora todos os dias, pois quando foi para o hospital, conseguia ouvir e enxergar. “Ele não aguenta mais ficar deitado com um tubo de traqueostomia na garganta, fica agitado, às vezes nervoso, chora e pede para voltar à casa. Ele fala, está com boa aparência, faz terapia todos os dias, mas é só aqui no Brasil que nós teremos a chance de oferecer um tratamento especializado”, acrescenta ela.
União entre irmãos
Há seis meses na Ucrânia, Francisco Willian, de 27 anos, caminha todos os dias até o hospital para ajudar Vinícius a se recuperar. Atualmente, ele vive em uma casa oferecida por amigos ucranianos que se sensibilizaram com a situação. A comunicação com o irmão é feita através da linguagem de sinais.
“Eu passo a maior parte do dia com ele no hospital. Consegui vir para cá graças à ajuda das pessoas da nossa cidade. Sou muito grato a todos os que se mobilizaram. Tive a oportunidade de conhecer alguns colegas do Vinicius e todos sentem uma admiração muito grande por ele. Estamos sendo muito bem tratados aqui, mas precisamos voltar ao Brasil o mais rápido possível”, explicou.
Antes de procurar pelo traslado, Willian afirmou que o Ministério da Saúde ucraniano tentou enviá-lo a países como Alemanha e Polônia, também a outros da União Europeia, mas todas as tentativas foram rechaçadas pelas autoridades das nações contactadas.
“Hoje, temos a possibilidade de transferi-lo para um hospital menor no Ceará, para depois conseguir uma vaga em um centro de saúde maior, com neurocirurgiões. A Embaixada do Brasil na Ucrânia nos informou que os custos com a viagem seriam de responsabilidade do governo ucraniano”, conta o irmão de Vinícius.
Willian, que também é pai solo de uma menina de sete anos, contou que estava à procura de emprego quando teve que viajar às pressas rumo a Kiev. Enquanto conversa no quarto do hospital, ao lado do irmão, ele relembra o quanto Vinícius gostava de se cuidar e que sempre teve o sonho de ser paraquedista do Exército Brasileiro.
Apesar de viverem no Ceará, ambos nasceram no Rio de Janeiro. Enquanto mostra o saco de compras que havia feito antes de chegar ao hospital, Willian fala da boa relação com o irmão e que ambos gostavam de fazer atividades juntos, inclusive jogar futebol. Ele é torcedor do Vasco da Gama, seu irmão é corinthiano.
“Ele soube da guerra pela televisão. Acho que meu irmão nunca se viu fazendo outra coisa a não ser servir o Exército. Acredito que a decisão de combater é algo pessoal que vai de cada um, mas precisamos lembrar que a realidade da guerra não é fácil. É o pior que pode acontecer na humanidade”, reflete.
Diante de um cenário tão destruidor, Willian revelou que o seu maior sonho é poder cuidar da filha, do irmão e dos seus pais, que também precisam de suporte por conta da idade avançada. “Eu só quero poder ajudá-los, ter a certeza de que todos vão ficar bem. Infelizmente, fui pai muito novo, não tive a oportunidade de estudar e tive que começar a trabalhar cedo para sustentar a família”, confessa.
Agora, a principal luta da família é conseguir uma vaga em um hospital neurológico, seja no Ceará ou em qualquer outro Estado do Brasil. Dona Miraci não perde as esperanças: “precisamos de um local que conte com especialistas que possam ajudar o meu filho, mas está muito difícil conseguir uma vaga. Porém, não vamos desistir. Se Deus quiser, o Itamaraty vai ajudar e a gente a trazer o nosso filho de volta”.
De Pernambuco a Kharkiv
O drama da família de dona Miraci não é o único envolvendo brasileiros na Ucrânia.
Em outubro de 2023, o jovem Carlos Henrique, de 25 anos, deixou a cidade de Paulista, no interior de Pernambuco, para combater ao lado do exército ucraniano. Ele é mais um brasileiro em processo de recuperação após ser atingido por dois tiros de fuzil calibre 5,56 mm enquanto ocupava o seu posto na linha de frente da guerra.
Em entrevista a Opera Mundi, o jovem disse ter sido vítima do que eles chamam de “fogo amigo”. Foi a primeira vez que sofreu ferimentos graves desde que chegou. “Realizamos uma missão de assalto em um lugar muito escuro. Quando escutei um barulho fora da posição em que estávamos, me levantei para verificar e um soldado da minha equipe disparou pelas costas”, explicou.
Antes de partir rumo à Ucrânia, Carlos disse que estava trabalhando como motorista de aplicativo enquanto aguardava pela abertura de um concurso da Polícia Militar. Ele serviu o Exército Brasileiro entre os anos de 2018 e 2019. “Como o Estado não fez o concurso, vi na Ucrânia a oportunidade de ser um militar para ajudar um pouco as pessoas daqui”, contou.
Filho de uma dona de casa, pai de um menino de dois anos e oito meses, Carlos disse que antes de ingressar no 3º batalhão da Legião de Estrangeiros, onde serve neste momento, ele esteve por dois meses no exército regular.
Ele explica que, para chegar até lá, é necessária uma indicação ou um recrutamento por parte do 4º batalhão. Também esclareceu que a remuneração é mensal e que os valores pagos podem variar de sete a 16 mil reais, dependendo do grau da zona de risco em que o soldado está servindo.
Apesar de enfrentar dificuldades em relação à língua, Carlos acredita que o fato de servir em um batalhão composto por estrangeiros facilitou a comunicação, já que muitos dos seus colegas de front também são latinos. Outro grande obstáculo enfrentado por ele é o frio. “Já estive na trincheira com temperaturas de -12º. A roupa é mais pesada que o normal e para caminhar fica mais complicado, principalmente por conta da lama que se forma no local”, relatou.
Questionado se já sofreu algum tipo de preconceito em solo ucraniano, Carlos Henrique alega que sempre foi bem tratado, mas lembra de uma ocasião “quando eu estava em Kherson, alguns ucranianos falavam que eu deveria voltar para o meu país, que essa guerra não era minha”. Ele afirma que não recebeu notícias de outros brasileiros ou estrangeiros que tenham enfrentado, por exemplo, situações de racismo.
Para Carlos, a atual situação da guerra, não só em Kharkiv, mas em outras frentes, é preocupante, pois é sabido que a exército da Rússia é bastante mais numeroso em termos de pessoal, além de possui um arsenal também muito maior – razão pela qual o governo ucraniano solicita reiteradamente a ajuda de países aliados e conta também com mercenários estrangeiros para diminuir sua desvantagem no campo de batalha.
Procuramos o Ministério das Relações Exteriores para obter informações a respeito dos brasileiros mortos ou feridos na Ucrânia e se há algum tipo de apoio às famílias, por parte do Itamaraty. Até o fechamento desta reportagem, não obtivemos respostas.