Na estrada que leva Beirute a Damasco, os check points mantidos pelo ex-governo sírio deram lugar a postos abandonados e estilhaços. A viagem de carro nesta segunda-feira (09/12), portanto, não precisou ser interrompida, pois não havia um só soldado no posto de imigração que separava o Líbano da Síria.
Um dia depois da queda do regime e da tomada do poder por uma coalizão de combatentes liderada pelo grupo Hayat Tahrir al-Sham (HTS), no lado sírio da fronteira, tanques e outros veículos militares estavam abandonados na estrada, parados, imóveis diante de bandeiras rasgadas em que apenas parte do rosto do presidente deposto Bashar Al-Assad aparecia. Igualmente destruídas estavam outras imagens que remetiam ao governo que dirigiu por 24 anos.
Um duty free foi completamente saqueado e destruído – e centenas de garrafas de uísque foram quebradas e permaneciam espalhadas pelo estacionamento. Os poucos itens que sobraram eram recolhidos por pessoas que passavam pelo local.
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Em Damasco, dezenas de civis se reuniram na frente da estação de polícia do bairro de Bab Touma comemoravam o fim da guerra civil e aproveitavam este momento de indefinição sobre o futuro para festejar o presente, repudiando o regime deposto. “Espero que a nossa mensagem alcance a Deus, e não só as pessoas, para que todos possam entender o que realmente aconteceu conosco’’, disse Bashir, líder do coro, aos jornalistas que chegavam à cidade.
“No momento em que escutamos que a resistência havia chegado (em Damasco), nós fomos para a rua gritando. Tudo isso parece um sonho’’, relatou Ahmad, de 27 anos, natural da região de Sueida, um dos redutos da minoria drusa no país. “A maioria das pessoas nos disse que eles (os rebeldes) são terroristas, que nos matariam, mas eles vieram e nada disso aconteceu”, contou o jovem.
Guardadas as diferenças naturais de processos históricos distintos, a experiência lembra vivida no Iraque, quando a capital Bagdá foi conquistada e Saddam Hussein preso, em dezembro de 2003, ou seja, 21 anos atrás. À derrocada do regime, seguiu-se uma grande as estátuas do líder iraquiano e uma grande euforia popular, antes que os novos conflitos surgissem. Entre o novo que surge e que ninguém sabe para onde vai, e o velho que colapsava, um momento de luz.
Futuro da Síria
Enquanto isso, um coronel da reserva do Exército israelense de origem drusa, uma das etnias no complexo xadrez político da Síria, apontava alguns caminhos desejados para a Síria por Tel Aviv.
Anan Wahabi, em uma longa entrevista ao diário conservador The Times of Israel, afirmava que o “Estado-Nação moderno fracassou no Oriente Médio” e que “as diferentes comunidades que vivem na Síria não podem viver juntas sob um Estado-Nação”.
Pesquisador do Instituto Internacional para o Contra Terrorismo na Reichman University em Herzliya, Anan Wahabi sugere que a Síria não deve se organizar mais como um país, mas como uma confederação capaz de incluir as diferentes etnias da região – árabes sunitas, alauítas, cristãos, druzos e curdos.
Essa “federação” de regiões semi-autônomas ficaria, na prática, sob o comando de diferentes potências, entre elas Rússia e Israel. Também durante o dia, Estados Unidos e Israel atacaram parte dos rebeldes em áreas fora de Damasco, numa tentativa de equilibrar, para seus interesses, o jogo de poder que passa agora para uma nova fase. Na noite de segunda-feira, Israel faria uma ação ainda mais forte, com mais de 250 alvos considerados estratégicos pelo país.
Enquanto o futuro da Síria é debatido fora de suas fronteiras, no interior da delegacia policial, bandeiras do partido Baath, de Bashar Al-Assad, que representou essa tentativa nacional e anti-imperialista de construir um Estado-Nação eram pisoteadas junto a outros documentos oficiais. Adesivos com o rosto de Assad haviam sido removidos das portas das salas, televisores e outros objetos haviam sido quebrados.
Encostado na porta do comissariado enquanto fumava um cigarro, o policial Mohammad desabafou: “Assad se tornou o próprio governo. Ele e aqueles que fugiram com ele, são os responsáveis pela destruição do nosso país. Não sei o que virá, mas não pode ser pior do que era”.
Congestionamento nas ruas de Damasco
Carros, caminhões e motos congestionavam ruas de Damasco. Homens e mulheres ocupavam as avenidas e conversavam nas calçadas. No trânsito caótico, rebeldes circulavam armados em suas motocicletas, enquanto civis subiam em tanques abandonados nas avenidas e crianças usando a keffiyeh, pano da resistência palestina, sorriam nas traseiras dos caminhões.
Ao passar ao lado do carro de imprensa e notar as câmeras fotográficas apontadas para eles, dois combatentes armados posaram para a foto, entusiasmados. Além do porte de armas, nenhuma outra característica poderia distinguir os rebeldes de civis, já que a maioria dos homens no espaço público fazia uso de algum pano para cobrir a cabeça e, por vezes, parte do rosto.
Enquanto o Hayat Tahrir al-Sham debatia o nome do novo primeiro-ministro interino do país, Damasco parecia estar suspensa no êxtase da libertação do povo sírio. A dúvida é quanto tempo levará até que essa euforia passe.