Escalar conflito no Irã é ruim para Trump, avalia professor
Para Héctor Saint-Pierre, possível uso de armas atômicas levaria ao alastramento da confrontação com outros países
As consequências da guerra entre Israel e Irã são imprevisíveis. A tensão escala frente à possibilidade de os Estados Unidos entrarem diretamente no conflito, iniciado oito dias atrás, com o ataque israelense às instalações nucleares iranianas. Para o professor de Relações Internacionais da Unesp, Héctor Saint-Pierre, os Estados Unidos já estão na guerra com o apoio ‘fervoroso’ de Donald Trump a Israel.
Em entrevista exclusiva a Opera Mundi, Saint-Pierre destaca que Trump recusou os dados de um relatório apresentado pela Inteligência Nacional dos Estados Unidos, que nega qualquer existência de um programa ativo de armas nucleares no Irã. Os dados, aponta, desmontam a tese de “guerra de preventiva” sustentada pelo primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu. “Essa é uma guerra de agressão, Israel ameaçou um outro país. Isso deveria merecer a condenação de todos os demais países”, aponta.
Fundador do Grupo de Estudos de Defesa e Segurança Internacional (GEDES) e vice-coordenador executivo do Instituto de Políticas Públicas e Relações Internacionais (IPPRI), ambos da UNESP, Saint-Pierre avalia os riscos da escalada do conflito no Oriente Médio. Ele aborda seus aspectos militares, o poder de fogo de ambos os países e a temida possibilidade de uma escalada nuclear no confronto. Confira:
Opera Mundi: Hector, Israel atacou o Irã afirmando ser um ‘ataque preventivo’ diante da possibilidade de os iranianos construírem suas ogivas nucleares. Em termos históricos, como os países passaram a se movimentar para a criação de seus arsenais nucleares?
Héctor Saint-Pierre: Durante a Guerra Fria, a teoria da bipolaridade foi compreendida como a solução mais estável para a questão nuclear. O modelo de dois países, Estados Unidos e União Soviética na época, era visto como o mais adequado para manter a estabilidade nuclear e global. A ideia tinha como base a doutrina de destruição mútua assegurada (MAD), ou seja, diante da possibilidade de uma guerra nuclear estaria assegurada a destruição de ambos os países.
Então surgiu um novo personagem nesta discussão, a França. Ela foi a primeira em conquistar autonomia nuclear e passou a discutir a ideia da bipolaridade, dizendo que a multiplicidade de atores detentores de energia nuclear daria mais sustentação e mais equilíbrio ao sistema. Evidentemente, a França não tinha condições de competir com os demais potências nucleares, mas ela adquiriu o poder de iniciar uma guerra nuclear, o que lhe garantiu certa autonomia decisória e política.
Durante esse período, os Estados Unidos e a Rússia transferiram armamentos para diferentes países. Quando os Estados Unidos instalaram seu armamento nuclear na Turquia, a Rússia transferiu o dela para Cuba, no episódio conhecido como a “Crise dos Mísseis” (1962). Frente à reação das duas potências, os mísseis foram retirados tanto de Cuba quanto da Turquia.

Possibilidade de expansão do conflito é grande, analisa Héctor Saint-Pierre
Meghdad Madadi / Tasnim News Agency e Reprodução / @hectorstpierre
Aos poucos, os países foram ganhando autonomia e desenvolvendo as suas próprias ogivas nucleares, como a China, a Índia, o Paquistão, a Coreia do Norte, entre outros. Em vários momentos, a possibilidade desse desenvolvimento foi usado como motivo de ataques. Em 2003, a Guerra do Iraque foi promovida pelo então presidente George W. Bush sob este pretexto. Ele estava com pouca possibilidade de ser reeleito, apenas 20% de aprovação popular, quando tomou a decisão de invadir o Iraque.
A invasão ao Iraque aconteceu no mesmo dia em que o observador da ONU entregou um relatório sobre a existência de armas de destruição em massa no Iraque. O relatório dava negativo. Afirmava que o país não tinha condições de ter armamento de destruição em massas, nem nuclear, químico ou biológico. Mesmo assim, Bush iniciou o ataque, afirmando ser um “ataque preventivo”. Não era nada disso.
Em março deste ano, a diretora de Inteligência Nacional do governo Trump, Tulsi Gabbard, entregou um relatório afirmando que o Irã não tinha condições de chegar à bomba atômica. Apesar disso, Trump afirma que tem e recusa a informação técnica de sua própria equipe.
O Irã participa do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP), passa por visitas periódicas e se mantém aberto às visitas da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA). As organizações já anunciaram que o país não tem o grau de refinamento para produzir armamento nuclear.
Como Israel consegue se manter fora da verificação da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), coordenada pela ONU e que segue fiscalizando o programa nuclear iraniano?
Israel está provocando um massacre, um genocídio na Palestina. Atacou o Líbano, o ataque dos pagers contra o Hezbollah, que foi preparado com muita antecedência, eles precisaram encontrar uma fábrica para produzir os pagers com explosivos.
Eu não diria que Israel é um estado pária, porque conta com um apoio importante de alguns países, mas é um país que tem 800 mandatos não obedecidos, inclusive, das Nações Unidas. É muito provável que Israel conte com a tecnologia transferida pelos Estados Unidos, o país também teve uma relação muito estreita com a África do Sul, rompida depois.
Israel nunca confirmou se tem ou não bombas nucleares. O que é também uma forma de terrorismo, porque mantém a dúvida. Aparentemente, existem entre 80 e 200 ogivas, mas é impossível saber por que o país não pertence ao Tratado (TNP) que controla a produção dos outros países.
Nos últimos anos, Israel se transformou em uma potência em termos de tecnologia de vigilância e de segurança, obviamente, por estar em uma região que transformou em um ambiente hostil. O Brasil, inclusive, na época de Bolsonaro comprou aparelhos do sistema israelense para vigiar pessoas relevantes na política.
Israel tem mandatos contrários da ONU, mas com apenas um único voto no Conselho de Segurança da ONU, os Estados Unidos vetaram a criação do Estado Palestino. Um voto pode anular uma proposta do Conselho.
Israel tem, de fato, poderio suficiente para vencer a disputa contra o Irã? Seu Domo de Ferro conseguiria suportar um ataque de mísseis de grande escala? Como você avalia esses oito dias de confronto, quem está vencendo até agora?
Israel não considerou a capacidade do Irã que é um caso muito interessante do ponto de vista de armamento e desenho militar. A partir da Revolução Islâmica, em 1979, os Estados Unidos bloquearam e sancionaram economicamente o Irã, que teve assim autonomia no seu desenvolvimento nuclear. As instituições reconhecem que o país se manteve dentro dos níveis aceitáveis.
O Brasil e a Turquia mediaram, inclusive, um acordo nuclear com o Irã, articulado pelo chanceler Celso Amorim e depois cooptado pelo Barack Obama. Foi um acordo nuclear muito bom com o Irã, que só não foi aceito pelos Estados Unidos porque eles iriam apresentar praticamente a mesma proposta depois, mas como um acordo do Obama. Com isso, ele ganhou o Prêmio Nobel em 2009.
Os últimos ataques do Irã penetraram o domo. Os mísseis hipersônicos conseguem atingir Tel Aviv porque possuem capacidade de navegação para, além de voar, mudar a sua orientação. É por isso que eles conseguem fugir da defesa antiaérea israelense. A estrutura do domo é basicamente isso, são mísseis com tecnologia de rastreamento e interceptação, mas se você conseguir mudar a direção do míssil que ataca, é possível invadir [o domo]. E penso que Israel tenha pouco material para mantê-lo ativo neste momento.
De outro lado, estão os aviões F-35 (caças israelenses) que têm uma manutenção muito demorada. A viagem de ida e volta de Israel ao Irã dura, mais ou menos, de duas horas e meia a três; e eles precisam de mais de 30 horas de manutenção, o que impõe uma limitação para utilizá-los. Eles abriram um corredor ao oeste do Irã, ou seja, acabaram com as defesas antiaéreas iranianas, mas não sei se seria por ali a entrada.
As informações estão muito confusas e dependem de quem as conta. Por isso dizem que a verdade é a primeira que morre em uma guerra. Na prática, ela pode morrer antes da guerra, como a versão de Netanyahu de que realizou um “ataque preventivo” contra o Irã. Claramente uma mentira para justificar a guerra.
Quanto quem está vencendo, o único vencedor em uma guerra é a indústria militar. Neste momento, não tem ninguém que ganha. O Irã estava ganhando uma posição importante. Tinha chegado a um acordo com a Árabia Saudita e estava com um bom posicionamento enquanto liderança regional. Agora, Irã e Israel estão rebaixando sua capacidade civil e militar e precisarão reconstruir as suas cidades.
Existe um risco efetivo de Israel jogar uma bomba atômica? Qual seria o impacto disso?
Não sei se teria condições políticas de fazê-lo. Este é um risco que tem implicações políticas. Não sei se o mundo admitiria que Israel mandasse uma bomba nuclear sobre o Irã. Não é uma questão de problemas técnicos ou operacionais, é essencialmente política. Se Israel lançar a bomba, o mundo pode pensar que foi com autorização dos Estados Unidos. Além disso, as consequências de um derramamento nuclear no Irã seriam imprevisíveis.
O Paquistão afirmou que se a bomba for jogada sobre o Irã, ele jogaria outra sobre Israel. A China e a Rússia, aparentemente, entrariam do lado do Irã. A China claramente, a Rússia está com uma posição mais equidistante, mas do ponto de vista estratégico é mais próxima do Irã. Não sei a posição política do BRICS, mas isso levaria a uma recomposição universal.
Para os Estados Unidos essa não seria a melhor solução. Isso abriria a possibilidade do alastramento de uma confrontação com outros países.
Isso poderia abrir a possibilidade de uma Terceira Guerra Mundial?
Trump está sofrendo bastante críticas internas com manifestações históricas, milhões de pessoas e setores importantes do país se mobilizam contra Trump e o ingresso dos Estados Unidos na guerra. Ao mesmo tempo, ele está movendo porta-aviões importantes da Marinha de guerra norte-americana, o que mostra a proximidade do confronto e eleva a tensão. A guerra não é só o disparo, é também o preparo. Deslocamento de tropas, de armamentos, que vem provocando a tensão no resto do mundo.
A Rússia foi apresentada como uma possibilidade de negociadora para mediar o conflito entre Israel e Irã, mas Israel é hoje um país terrorista, seu primeiro-ministro foi condenado pelo Tribunal Penal Internacional (TPI) como um criminoso de guerra, e teve problemas internos, condenado por corrução. A guerra para ele é uma possibilidade de ficar no poder, mas isso não significaria uma terceira guerra mundial.
O mundo está sob tensão com o envolvimento dos Estados Unidos. As possibilidades de expansão do conflito são grandes. Nós vimos as declarações do G7 na última semana. A Europa nunca teve lideranças tão ruins. O desenho político e estratégico norte-americano deixou todos lobotomizados, eles não souberam o que decidir.
O novo diretor da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), Mark Rutte, cobrou 5% dos orçamentos dos países do bloco para tornar a aliança mais eficiente contra ameaça da Rússia. Essa parte da Europa que compõe o G7 declarou apoio a Israel por seu “direito de defesa”. Mas não há nenhuma defesa e sim uma clara agressão, inclusive denunciado pela Carta das Nações Unidas. Essa é uma guerra de agressão, Israel ameaçou um outro país. Isso deveria merecer a condenação de todos os países, mas não está sendo assim.
A pergunta é até que ponto as sociedades de todos esses países estão sendo consultadas por uma questão tão importante como a entrada na guerra. Na Guerra contra a Rússia, estão retirando 5% do orçamento nacional para a defesa. Recursos tirados da educação, moradia, trabalho, infraestrutura; e as pessoas não são consultadas. Tanto a burocracia da OTAN quanto a da União Europeia não dão direito à sociedade civil dizer o que está pensando. Não há consulta.
Qual será o próximo passo se entrarmos em uma guerra? Ninguém está pensando nada. O problema da nossa época é que não temos lideranças capazes de pensar no futuro. O futuro foi sequestrado. Ninguém pensa no futuro da humanidade, nem de sua própria sociedade.
A dependência de Israel das capacidades norte-americanas é um fato imprescindível?
É imprescindível, inclusive, o Volodomyr Zelensky, presidente da Ucrânia, queixou-se de que mísseis que seriam levados para a frente contra a Rússia foram transferidos para Israel. A posição de Trump em todos os foros é fervorosamente favorável a Israel.
Ele mover sua tropa para a região do conflito tem o efeito muito claro de que está apoiando Israel e de que irá apoiar inclusive pela força. Suas ameaças de que líder iraniano pode ser decapitado são claras. Alguns analistas norte-americanos já afirmam que os Estados Unidos estão na guerra. Eles dão apoio, já estão na guerra.