Governo sírio alimenta repressão sangrenta contra alauítas
Milícias ligadas ao HTS, fração islâmica salafita no poder, já mataram, desde 6 de março, centenas de civis ligados ao grupo religioso do ex-presidente Bashar al-Assad
Grupos armados na costa da Síria, nas províncias de Latakia e Tartus, organizaram emboscadas contra patrulhas do novo governo sírio, comandado pela organização sunita Hayat Tahrir al-Sham (HTS). Segundo múltiplos relatos, a administração chefiada por Ahmed al-Sharaa, presidente provisório e líder do grupo guerrilheiro, teria respondido de forma extraoficial e desproporcional, realizando bombardeios e ataques aéreos, especialmente sobre as vilas de Dalyeh e Beit Ana.
As emboscadas começaram na última quinta-feira (06/03), e, sob o pretexto de combater os “seguidores de Assad”, unidades jihadistas operando sob a proteção do aparato estatal sírio estariam conduzindo um massacre contra alauítas, grupo religioso que representa cerca de 10% da população. Até domingo (09/03), havia 830 mortos, de acordo com o Observatório Sírio de Direitos Humanos, concentrados na região costeira do país.

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Grande número dos oficiais do antigo Exército sírio, dissolvido por al-Sharaa, são de origem alauíta e mantiveram suas armas mesmo após a derrota de Assad. O pretexto para a ação do novo governo, avalizado por parte da mídia ocidental, é de que esses ex-militares estariam organizando um movimento para retomar o poder.
Mas chefes rebeldes afirmam o oposto: a insurgência teria caráter defensivo, para impedir que o HTS siga atacando e matando civis desarmados. Um dos líderes dos protestos armados, Mekdad Ftayha, em suas redes sociais, tem instigado a revolta na região costeira com denúncias a violações de direitos humanos cometidas pelo novo governo, sem apresentar qualquer alinhamento com o antigo regime.
O diretor do Observatório Sírio para Direitos Humanos, Rami Abdulrahman, relatou à reportagem de Opera Mundi que termos como “seguidores de Assad” ou “sobreviventes do regime” contradizem a realidade e seriam apenas uma narrativa para justificar a chacina de alauítas.
“Existem vídeos mostrando militantes extremistas assassinando civis alauítas desarmados em suas casas, enquanto ainda vestiam pijamas”, declarou. “Além disso, dezenas de milhares de residências civis foram incendiadas. O que ocorre na Síria é uma tentativa de limpeza étnica. A narrativa dos ‘remanescentes do regime’ não passa de uma estratégia midiática da nova autoridade para consolidar seu poder e obter legitimidade.”
A crescente violência sectária do atual grupo dirigente estaria adotando táticas semelhantes às usadas pelo antigo regime contra a população civil. Essa é a opinião de cidadãos como Ali Hussein, de 23 anos, um estudante de Tartus, para quem o governo al-Sharaa age “como uma milícia sectária que usa métodos violentos extremos e aterrorizantes contra os alauítas”.

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Ainda que tenha se comprometido a governar a Síria de forma inclusiva, considerando as minorias, o presidente provisório ainda não realizou nenhum encontro com lideranças da comunidade alauíta. Em pronunciamento oficial no último domingo, voltou a responsabilizar “remanescentes do regime” pelas mortes dos últimos dias e justificou as animosidades como fruto das “feridas abertas” por seu antecessor.
Submetido a protestos internos e à pressão internacional, al-Sharaa anunciou a criação de um comitê independente de investigação para apurar os acontecimentos na costa do país, cujos resultados deverão ser apresentados em breve ao povo sírio.
