O grupo islâmico Hayat Tahrir al-Sham (HTS) começou, nesta semana, a organizar institucionalmente seu governo na Síria.
A maior dificuldade encontrada é manter a segurança e estabilidade no país, especialmente considerando as investidas militares incessantes de Israel e os interesses contraditórios dos demais grupos que fizeram oposição ao agora ex-presidente Bashar al-Assad.
Com Damasco experimentando paulatino retorno à normalidade, ainda não foram anunciadas decisões sobre o controle de instituições fundamentais do país, como os aparatos policiais e as Forças Armadas.
A formação do HTS
Maior grupo armado da rebelião contra o antigo regime, o HTS foi criado como um guarda-chuva de correntes islâmicas empenhadas na derrubada de Assad.
Sua origem está na Frente al-Nusra, fundada em 2012, sob a liderança de Abu Mohammad al-Julani e vinculada a al-Qaeda.
Leia também | ‘Guerra na Síria não acabou’, afirma Paulo Sérgio Pinheiro
Essa organização, dissolvida em 2017, foi substituída pelo HTS, com um discurso mais moderado e precedido, ao menos formalmente, por uma ruptura com o antigo partido de Bin Laden.
O HTS dirige uma coalizão de diversas facções islâmicas, majoritariamente concentradas na região norte, como o movimento Ahrar al-Sham e a Frente de Libertação Nacional.
Quem é Mohammad al-Bashir
Nesses primeiros dias pós-Assad, também cresce a curiosidade sobre o novo primeiro-ministro, liderança regional pouco conhecida até por especialistas e políticos locais.
Com 41 anos, Mohammad al-Bashir formou-se em engenharia elétrica na Universidade de Aleppo em 2007 e se tornou bacharel em direito islâmico, pela Universidade de Idlib, quatro anos depois.
Saiba mais mais | Para além de Aleppo: entenda a divisão de forças na Síria
Foi exatamente na província, no noroeste da Síria, que ganhou destaque político e se tornou integrante de sua administração, controlada pelo HTS a partir de 2017, sob o título de Governo de Salvação Síria.
Al-Bashir nasceu no Monte Zawiya, região montanhosa no sudoeste dessa província, mundialmente conhecida depois de um massacre ocorrido em 2011, quando ao redor de 200 pessoas foram mortas pelas forças repressivas do governo Assad.
Em discurso televisionado na última terça (10/12), al-Bashir disse que vai liderar o governo interino até 1 de março de 2025.
Veja | Direto de Damasco: sírios vivem euforia pelo fim da guerra e do regime de Bashar Al-Assad
Sírios confiam em al-Bashir?
Desconhecido fora de Idlib, o premiê gera alguma desconfiança entre os sírios. “Al-Bashir não parece ser o cara que vai mover o barco”, diz Anas Rijleh, fornecedor de equipamentos médicos para hospitais.
Enquanto jogava e fumava narguilé com um amigo, em um café em Damasco, disse a Opera Mundi: “a Síria não é a mesma desde 2004, com as sanções internacionais. Mas nós precisamos dar uma chance ao HTS, são tudo o que temos agora.”
A preocupação de Rijleh parece ser com as intenções do HTS. “Al-Bashir não tem história política. Você já ouviu algum discurso do HTS? Eles não têm um plano”, desabafou.
Rami Hussein, cinematógrafo de 23 anos, também está cético quanto ao novo primeiro-ministro. “Para mim, al-Bashir é uma pessoa em quem não posso confiar, a menos que comece a ver mudanças claras e sólidas”, declarou.
À reportagem, Hussein disse que a experiência do agora premiê em Idlib “não é suficiente para provar sua capacidade”.
Para Hussein, o maior desafio a ser enfrentado por al-Bashir é a diferença entre Idlib e o resto da Síria: “a maioria em Idlib está esperando o HTS transformar a Síria em um Estado islâmico”, afirmou.
“Suas bandeiras, sinais e discursos mostram essa intenção, contrária à maioria dos muçulmanos, cristãos e outros grupos.”