Quarta-feira, 26 de março de 2025
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Após três semanas de intensas negociações, o Líbano constituiu o primeiro gabinete nacional desde a eleição de Joseph Aoun para a Presidência do país, no dia 9 de janeiro. Comandado por Nawaf Salam, ex-juiz da Corte Internacional de Justiça, o Ministério de 24 pastas terá cinco cargos na órbita da coalizão xiita Amal, integrada pelo Hezbollah.

Yassine Jaber, próximo da legenda, foi nomeado para a pasta das finanças, acompanhado por Tamara El-Zein (Meio Ambiente), Mohammad Haidar (Trabalho) e Rakan Nassereddine (Saúde). O quinto ministro xiita, Fadi Makki (Desenvolvimento Administrativo), embora não tenha sido uma escolha direta da coalizão, recebeu aval da presidência do Parlamento, ocupada por Nabih Berri, líder do Amal.

O Líbano opera sob um sistema de governo baseado no sectarismo, em que a distribuição de cargos políticos é feita entre as principais comunidades religiosas do país (muçulmanos sunitas, muçulmanos xiitas e cristãos maronitas). A Presidência da República cabe a um cristão maronita, o cargo de primeiro-ministro a um muçulmano sunita e a liderança do Parlamento a um xiita.

‘Make Lebanon great again’

O jornalista e analista político libanês Hassan Aleik, em entrevista a Opera Mundi, afirmou que a eleição de Joseph Aoun teria sido resultado direto de uma decisão articulada entre os Estados Unidos e a Arábia Saudita. “Os norte-americanos queriam o Líbano sem a presença do Hezbollah”, declarou. “Eles acreditam que Aoun os ajudará a alcançar esse objetivo, sob o grande guarda-chuva do que os norte-americanos querem para o Oriente Médio, que é a normalização das relações entre os países árabes e Israel.”

Nas ruas de Beirute, a presença desse projeto se reflete até mesmo na propaganda visual. Em diversos viadutos da capital libanesa, outdoors estampam a foto de Joseph Aoun ao lado dos dizeres “Make Lebanon great again”, uma clara referência ao slogan de campanha do atual presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.

A composição do Ministério evidenciou o embate entre o Poder Executivo, alinhado aos EUA, e a resistência xiita. De um lado, Aoun e Nawaf Salam enfrentaram pressão crescente da Casa Branca para excluir o Hezbollah da configuração ministerial. De outro, Nabih Berri defendeu a inclusão xiita no governo, buscando garantir a representatividade do seu bloco político e reivindicando pastas estratégicas.

outdoor em Beirute
Um dos viadutos em Beirute estampa logo que remete ao de Trump nos Estados Unidos

Entre os principais pontos de tensão, dois se destacaram: a escolha do ministro das Finanças e a nomeação de um quinto ministro xiita. “Quase todo decreto no Líbano precisa do aval de três pessoas: o presidente, o primeiro-ministro e o ministro das Finanças”, explica Aleik. “Ao garantir o controle dessa pasta, o bloco xiita assegura um poder essencial para preservar sua influência e impedir decisões que possam ir contra seus interesses.”

A nomeação de um quinto ministro xiita, por sua vez, permite que o grupo provoque a demissão coletiva de seus representantes e acione o gatilho da “ilegitimidade confessional”, como ocorreu em 2006: com base nesse expediente, caso uma das três principais comunidades se retire do gabinete, o governo fica paralisado até que ocorra uma renegociação de forças na administração.

Interferência dos EUA

Até o último momento, os EUA tentaram evitar essa situação. Na sexta-feira passada (07/02), a enviada especial do Departamento de Estado, Morgan Ortagus, em visita a Beirute, declarou que “Israel tinha derrotado o Hezbollah” e que o grupo não deveria, “sob nenhuma circunstância”, integrar o governo.

Suas declarações geraram forte reação xiita e provocaram distanciamento do presidente, enquanto o líder da organização político-militar no Parlamento, Mohammad Raad, classificou a intervenção norte-americana como “interferência inaceitável”, acusando Washington de apoiar o “terrorismo israelense”.

A presença de Morgan Ortagus acirrou ainda mais a tensão sobre a implementação do cessar-fogo entre Israel e Hezbollah, que teve início em 27 de novembro de 2024 e foi violado mais de 850 vezes pelo Estado de Israel em 60 dias, segundo denúncia do próprio governo libanês. O prazo para a plena implementação das cláusulas desse acordo foi estendido até 18 de fevereiro, com a permanência da ocupação israelense no sul libanês e dos bombardeios aéreos sobre a região.

“Enquanto houver ocupação, haverá resistência”, declara Aleik. “Agora, o Hezbollah pode estar mais fraco do que antes da guerra, mas a ocupação israelense alimenta sua popularidade e reforça o seu peso dentro da comunidade.”