Segunda-feira, 9 de junho de 2025
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O presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, realiza nesta semana uma visita de três dias ao Líbano, tendo como principal foco a questão do desarmamento dos campos de refugiados palestinos no país.

A viagem, que começou na quarta-feira (21/05), teve um comunicado conjunto entre Abbas e o presidente libanês, Joseph Aoun, no qual afirmaram que não haverá mais armas fora do controle do Estado no país. Desde a morte de Yasser Arafat em 2004, Abbas é a autoridade máxima do território ocupado da Cisjordânia e também o líder do Fatah – movimento de resistência à ocupação israelense fundado no final dos anos 1950 – e da Organização para a Libertação da Palestina (OLP) – criada em 1964 a partir da reunião de diversos partidos políticos palestinos e tendo o Fatah como principal força

A visita de Abbas reacendeu os holofotes sobre a questão da presença armada palestina no país e expôs uma tensão mais ampla dentro da política libanesa: a pressão internacional, especialmente dos Estados Unidos, para a centralização do monopólio da força nas mãos do Estado libanês.

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Apesar da saída oficial da OLP do Líbano em 1982, os campos de refugiados palestinos continuaram sob o controle dos grupos armados – especialmente o Fatah e, em menor medida, o Hamas. Na capital Beirute, os campos de Burj al-Barajneh, Mar Elias e Sabra e Chatila seguem sob a influência dessas organizações, com destaque para o Fatah, que ainda exerce domínio significativo sobre a gestão interna dessas áreas.

“A presença armada do Fatah nos campos hoje não está mais relacionada à resistência contra Israel”, explicou Palzaher, jornalista e ex-membro do movimento, a Opera Mundi. Segundo ele, o partido liderado por Abbas mantém apenas armamentos leves, como rifles M16 e Kalashnikovs, e não possui armas de grande porte, como foguetes. A ideia, afirma, não é operar como um grupo paramilitar ofensivo, mas sim garantir um mínimo de segurança dentro dos campos – uma função que o Estado libanês não cumpre.

“O grupo mantém seus armamentos para garantir a segurança interna dos campos. Além disso, são eles que asseguram serviços básicos para a população, como acesso à educação e atendimento em hospitais”, completou.

Já Yasmin, moradora do campo de Burj al-Barajneh, controlado principalmente pelo Fatah, apresentou uma percepção oposta. Para ela, a atuação do grupo é seletiva e excludente. “Esses serviços que dizem oferecer só chegam às famílias que apoiam o partido”, denunciou. Sobre a segurança, foi direta: “não existe. É cada um por si.”

Yasmin e sua filha no campo de refugiados palestinos Burj al-Barajneh, em Beirute

 

Campos de refugiados palestinos no Líbano: um inferno à parte

“Vivemos numa prisão, assim como em Gaza”, declarou Yasmin. A refugiada palestina de 32 anos faz parte da terceira geração de sua família a viver no campo de Burj al-Barajneh, em Beirute. Ela segurava nos braços sua filha de dois anos, que tinha pintada nas bochechas a palavra “Gaza” em árabe. A cena fazia parte de um evento de reafirmação da memória histórica dos 77 anos da Nakba (a catástrofe palestina) – de 1948, quando, mediante a criação do Estado de Israel, centenas de milhares de palestinos foram expulsos de suas terras ou mortos.

Milhares de palestinos chegaram ao Líbano como consequência direta da Nakba e das sucessivas guerras e ondas de expulsão de palestinos de suas terras promovidas por Israel. Estima-se que aproximadamente 250 mil ainda vivem no país, muitos distribuídos em 12 campos superlotados organizados pelo território libanês. A situação socioeconômica desses refugiados é crítica. Em março de 2023, por exemplo, foi registrado que 80% desses que estão no Líbano estão abaixo da linha de pobreza.

“O que Abbas está fazendo por nós? Olhe para a situação deste campo. A sujeira, os cabos de eletricidade emaranhados. Nós não temos nada”, disparou Yasmin ao ser questionada sobre a visita da liderança do Fatah ao Líbano.

O desabafo da moradora do campo de Burj al-Barajneh reflete um sentimento de abandono diante da realidade observada pela reportagem de Opera Mundi: ruas estreitas tomadas por lixo acumulado, esgoto a céu aberto escorrendo pelas vielas e uma densidade habitacional sufocante, no qual famílias vivem praticamente empilhadas umas sobre as outras.

Palestinos no Líbano: exclusão institucionalizada

Para além das condições de vida insalubres, os refugiados palestinos no Líbano enfrentam um sistema institucionalizado de exclusão. Impedidos de exercer diversas profissões – incluindo Direito, Medicina e Engenharia – estão privados da possibilidade de gerar e acumular riqueza ao longo das gerações. A proibição de adquirir propriedades também os impede de construir patrimônio por meio da posse e herança.

Yasmin revelou à reportagem que seu marido é engenheiro formado, mas está impedido de atuar de forma regulamentada por conta de sua condição de refugiado.

No Líbano, o status de refugiado palestino é hereditário: mesmo aqueles que já nasceram em território libanês, pertencendo à quarta ou quinta geração no país, não têm direito à cidadania libanesa. Na prática, isso significa que essas pessoas seguem vivendo como cidadãos de segunda categoria, à margem do sistema. Seu acesso à saúde, educação e assistência básica depende exclusivamente de ONGs, da UNRWA e dos próprios movimentos armados que operam dentro dos campos como o Fatah e, em menor grau, o Hamas.

Entrada de um cemitério improvisado no campo de refugiados Sabra, em Beirute (onde aconteceu o massacre de 1982)

Presença armada palestina no Líbano

Os grupos palestinos e sua presença armada no território libanês estão diretamente ligados ao Acordo do Cairo, firmado em 1969 entre o Exército do Líbano e a OLP. A resolução determinou que a segurança nos campos ficaria sob responsabilidade dos próprios grupos armados palestinos, proibindo a entrada de militares nesses locais.

O Acordo do Cairo autorizava que palestinos residentes no Líbano “participassem da revolução palestina por meio da luta armada”, consolidando a autonomia militar dos campos – uma situação que, em certa medida, perdura até hoje, mesmo após a revogação formal do acordo pelo presidente libanês Amine Gemayel em 1987.

Ser pró ou contra a presença armada palestina – e sua luta contra a ocupação israelense lançada a partir do território libanês – constituiu uma das camadas centrais da guerra civil libanesa, que se estendeu de 1975 até 1990. Uma das expressões mais brutais dessa tensão foi o massacre dos campos de refugiados Sabra e Chatila, em setembro de 1982. Após a invasão israelense ao Líbano naquele ano, cerca de 3.000 civis palestinos foram assassinados nos campos nos subúrbios de Beirute por milícias cristãs de extrema direita aliadas a Israel.